O contrato

A chuva tamborilava impiedosa contra o teto do carro, criando uma melodia sombria que refletia o estado de espírito de Jonathan. Ele apertava o volante, os nós dos dedos esbranquiçados pela força inconsciente que aplicava. O cheiro de couro caro do interior luxuoso contrastava brutalmente com a figura frágil ao seu lado. Marta.

A mulher maltrapilha que ele encontrara de joelhos, em prantos, dentro daquela igreja silenciosa. A mesma igreja que ele visitava todos os anos, no mesmo dia, para relembrar a morte de sua esposa. O destino tinha uma maneira cruel de entrelaçar caminhos, e ali estava ele, dirigindo sob a tempestade, levando para casa uma completa estranha.

O silêncio dentro do carro era espesso, mas estranhamente confortável. Jonathan desviou o olhar da estrada por um breve instante, encarando Marta. As roupas molhadas colavam ao corpo dela, evidenciando sua magreza. Os cabelos escuros grudavam na pele pálida, as mãos trêmulas seguravam um velho celular. Um espectro de alguém que, claramente, havia chegado ao limite.

— Onde estão suas roupas? — A voz dele rompeu o silêncio, rouca, mas firme.

Marta abaixou a cabeça, a voz saindo em um fio quase inaudível:

— Estão na pousada… tudo o que tenho. Eu… eu morava lá, mas a dona disse que não pode mais me manter sem pagamento.

Jonathan assentiu, o maxilar tenso. Sem mais palavras, dirigiu até a pousada. Marta recolheu seus pertences rapidamente. Não havia muito o que levar. Uma mala e uma mochila velha abrigavam toda a sua vida. O quarto vazio era o reflexo de sua existência naquele momento: desolado, frio, provisório. Despediu-se da dona da pensão, agradecendo aos céus por não esbarrar com o marido dela.

De volta ao carro, Jonathan manteve o olhar fixo à frente, mas sua mente vagueava. A imagem de Aira dançava em sua memória. O sorriso dela, a curva suave da barriga que nunca chegou a abrigar um bebê em seus braços. A dor era uma velha conhecida. E agora, ao seu lado, outra mulher perdida, quebrada, mas viva.

Quando finalmente chegam à mansão, o portão automático se abre, revelando um casarão impecável, frio, quase impessoal. Jonathan não perde tempo.

Eles seguem para o escritório e Jonathan inicia sua perguntas, observava Marta com atenção enquanto ela respondia. A entrevista não era formal, pois ele temia que sua linguagem culta fosse difícil para ela compreender, mas, para sua surpresa, Marta se saía bem. Ela contou que concluiu o ensino médio, tinha interesse em administração e facilidade para lidar com pessoas e mediar conflitos. Cada resposta dela o intrigava ainda mais, especialmente quando ele perguntou sobre sua família e contatos de emergência. Nesse instante, Marta recuou sutilmente, pedindo para não falar sobre isso e sua fisionomia entristeceu.

O silêncio que se seguiu apenas aumentou a curiosidade de Jonathan. Ele decidiu investigar mais tarde. Por ora, apenas continuou com as explicações. Disse que a casa já contava com diarista duas vezes por semana, motorista e uma empresa terceirizada responsável pela jardinagem e piscina. Mas faltava uma cozinheira por ele sempre almoçar na empresa.

A cada resposta dela, o interesse dele crescia, principalmente quando descobriu que Marta era habilitada e nascera em Matão, uma cidade do interior paulista conhecida pelo desenvolvimento agrícola.

Por fim, ele se recostou na poltrona, avaliando-a com um olhar penetrante.

— Vou ser direto. Com base na nossa conversa, acredito que possa me ajudar. Sua postura imponente quase a fez recuar. 

— Preciso de alguém que administre esta casa. Não se trata de caridade. Se aceitar, terá um salário justo e espero que cumpra suas tarefas com excelência. Sou exigente.

Os olhos dela brilharam com um misto de gratidão e alívio.

— Eu aceito! — A resposta veio rápida, quase desesperada.

Jonathan assentiu, sem emoção aparente, mas por dentro sabia que havia algo nela que ia além do que dizia. E ele pretendia descobrir.

— Pode fazer um lanche, Marta. Deve estar com fome. A geladeira está cheia. Depois, mostro o seu quarto e te dou as instruções.

Ela hesitou por um momento, mas obedeceu. Abriu a geladeira reluzente e cuidadosamente montou um sanduíche simples, seus dedos ainda trêmulos. Jonathan a observou de soslaio, sua mente traçando um caminho perigoso ao longo das curvas delicadas que ele percebia mesmo sob as roupas desgastadas. Reprimiu o pensamento com um movimento brusco, afastando-se da cozinha.

Mais tarde, ele entregou um celular para Marta, seu contato, por favor.

— Vou ligar para Rui, meu advogado. Preciso que ele prepare seu contrato. Me dê seus documentos. — A voz dele era direta.

Marta rapidamente pegou sua carteira de motorista na mochila, entregando-a a ele.

Tirou fotos e as enviou ao amigo. Sua eficiência e frieza eram inabaláveis, revelando o homem prático e resoluto que ele era, sem espaço para sentimentalismos.

— Sabe cozinhar? — A pergunta soou como uma ordem.

— Sei… nada sofisticado, como o senhor é acostumado, mas posso aprender. Basta me dizer o que gosta. — A voz dela ainda carregava uma timidez palpável.

— Ótimo. Faça algo simples para o almoço. Hoje seremos só nós dois. Normalmente almoço na empresa, mas quero o jantar pronto quando eu chegar. Como você fará as refeições, vou acrescentar um valor extra por isso.

Marta assentiu, sentindo uma faísca de esperança ao ter, pela primeira vez em dias, uma função, um propósito. Ela se pôs a preparar filé à parmegiana com purê de batatas e uma salada crua. Jonathan a observava discretamente, enquanto cada movimento dela na cozinha o fazia mergulhar num abismo doloroso. Sua mansão já fora um lar, já abrigara a mulher que ainda amava.

A refeição foi servida e ele comeu em silêncio. O sabor era surpreendentemente bom, mas ele não elogiou.

— A sobremesa, senhor… fiz um doce simples. — Marta arriscou, a voz suave.

Jonathan encarou o prato por um segundo antes de assentir.

— Está bem. Pode se retirar agora. Descanse hoje. Amanhã começamos de verdade.

A frieza habitual retornou.

— O que gostaria de encontrar na mesa para o seu desjejum, senhor? — Ela perguntou, ainda sem acreditar que tudo aquilo era real.

— Apenas café. Forte e sem açúcar.

Marta hesitou, então criou coragem para falar:

— Senhor… posso comer alguma coisa? Ainda sinto fome, mas não quero parecer abusada.

Jonathan a olhou, incrédulo pela timidez com que ela fazia o pedido. Ele franziu o cenho.

— Aqui nessa casa, pode comer o quanto quiser, menina. Mas nunca jogue comida fora.

Marta assentiu, pegou um pouco mais de comida e comeu. Pela primeira vez, desde que saiu do interior, sentiu-se satisfeita.

Ela subiu para o quarto. Jonathan permaneceu no sofá, o olhar fixo no nada.

Aira nunca soube cozinhar. O pensamento o atingiu como uma lâmina fina e inesperada.

O silêncio da casa parecia mais pesado agora. E o maior mistério pairava como uma sombra invisível, quanto tempo Marta permaneceria ali, sob o mesmo teto que ele? Quais os mistérios relacionados ao passado dessa jovem? 

Continue lendo este livro gratuitamente
Digitalize o código para baixar o App

Capítulos relacionados

Último capítulo

Explore e leia boas novelas gratuitamente
Acesso gratuito a um vasto número de boas novelas no aplicativo BueNovela. Baixe os livros que você gosta e leia em qualquer lugar e a qualquer hora.
Leia livros gratuitamente no aplicativo
Digitalize o código para ler no App