Desaparecimento.
A campainha toca na casa da senhora Santos, a mãe de Brenda. A mulher que estava tomando banho sai em disparada atender a porta, enrolada em uma toalha azul-marinho. Ela estava preocupada em ir na delegacia e acabar denunciando a própria filha, que tinha um lado obscuro. Mas, ela queria acreditar que Brenda não tinha nada haver com a história.
— Oi, Karina — complementa a senhora Santos com um sorriso forçado no rosto.
— Oi, Alice, está pronta? — pergunta a mulher que estava na porta.
Alice convida a visita a entrar enquanto ela terminava de se arrumar. Ela sobe e se tranca no quarto, estava confusa e com medo, se Brenda fosse como ela certamente nunca a perdoaria por tê-la denunciado. Pobre mulher, mesmo sua filha tendo sido alvo de criaturas que jurava não existir, pensava que Brenda havia feito algo.
Alice não era uma mãe exemplar, seu passado a condenava. Quando tinha a idade da filha, ela assassinou o pai a sangue frio, não a julgo, estava apenas tentando proteger a mãe de um monstro alcoólatra.
A mulher pega uma calça jeans qualquer, ela teria que ir mesmo contra sua vontade, se veste rapidamente.
"Brenda não fez nada".
Pensava positivamente.Em seu interior, seu instinto materno estava apitando em uma alerta de perigo, podia sentir que sua filha não estava nada bem. Pensar que a filha virou um demônio e está presa ao purgatório, certamente não seria o que passaria pela cabeça de Alice.
Ela desce a escada terminando de secar o cabelo e pega a bolsa que estava em cima do sofá e se dirige, acompanhada da mãe de Amanda à delegacia.
— Vamos — diz Alice.
***
Michelle chorava e tremia, enquanto segurava e observava a tesoura em sua mão. O objeto era grande, afiado e poderia facilmente perfurar os pulsos da garota.
Ela nunca tinha pensado em se matar, não é coisa que teria vontade de realizar, sua vida era perfeita. Ela era popular no colégio, tinha uma família quase normal, ia bem nos estudos, tinha um futuro garantido, tinha tudo o que uma adolescente de dezesseis anos precisava e um pouco mais. Mas, nunca tinha estado em uma situação como a que estava passando agora, e não ter seus pais por perto complicou tudo. Eu sei que quando estamos com nossos dezesseis anos queremos ser independentes, mas sabemos que não podemos, não conseguimos, porque sabemos que nossos pais estarão ali para socorrer quando precisarmos e isso nos deixa vulneráveis quando estamos longe deles.
E Michelle estava vulnerável nesse momento. Em um pensamento, quase inexistente, a garota leva a tesoura até o braço e ...
***
No carro, as ideias errôneas e revoltantes de uma mãe preocupada não saiam da mente de Alice. Ela pode estar fazendo a coisa certa, mas era difícil conseguir convencer seu cérebro que pensava no contrário. Mas, ela tinha que arriscar e ver no que dava ou nunca descansaria com a preocupação e consciência pesando em sua cabeça. Se tudo desse errado e fosse preciso não excitaria em m****r tudo e todos para puta que pariu como já fez no passado. Seria capaz de tudo para proteger sua menina.
— Então. — Karina acaba com o silêncio. — Como vai a vida?
— Bem — se limita a responder.
— Brenda é uma menina muito inteligente — comenta a mulher ao volante — Deve se orgulhar de sua filha.
Era estranho ouvir alguém falando bem de Brenda numa situação dessas, até suava como se ela estivesse morrido.
— Sim — responde em um tom frio — Toda mãe deve se orgulhar de seu filhos.
"Você não sabe de nada, nem todos tem uma vidinha boa como a sua".
Pensou Alice.— Sabe — diz Karina, como se alguém lhe tivesse perguntado algo — Aposto que isso tudo é ideia de Nandy, ela é meio louca como o pai. Não gosta de ir para aula e certamente deve estar na farra nesse momento.
"Você quis dizer piranha como a mãe? É concordo".
Pensou Alice. Não tem nada contra Karina, mas também não tem nada a favor.— Chegamos — diz a motorista, ao estacionar o carro no encostamento.
A delegacia não é lá das melhores, as paredes estavam descascadas e tinha cheiro de álcool em gel.
— Como posso ajudá-las? — pergunta um homem forte e que usava o uniforme da polícia.
— Olá, Vicente. — Karina atirava seu charme sobre o delegado. — Eu e minha amiga viemos fazer um boletim de ocorrências.
O homem a olha. Ela estava com um vestido vermelho justo e curto. Com certeza, na cabeça do policial cenas obscenas se formavam envolvendo a amante.
No verão passado, Karina estava tendo um caso com esse homem. Ela é advogada, ele é o delegado, com isso certamente ganharia a liberdade de seu cliente. Pouco esperta.
— Acompanhe-me até minha sala — diz o delegado.
As mulheres vão e se sentam nas poltronas em frente a mesa do escritório. Alice olha com atenção aquele lugar que já frequentou algumas vezes antes de virar uma fugitiva procurada por todo o país. Era nessa mesma sala que fez as declarações de abuso e maus tratos feitos pelo pai, mas não adiantou de nada. Por sorte, agora já estava livre como uma cidadã comum.
— O que preocupa vocês? – pergunta o policial preenchendo algum tipo de formulário — Assaltos...
— Nossas filhas saíram com alguns amigos e até agora não retornaram para casa — explica a mãe de Amanda.
Eram oito horas da noite, elas deveriam ter retornado depois das seis, horário que encerra as aulas.
Alice estava começando a achar que a filha não era o problema, talvez enquanto estavam ali, Brenda estivesse sendo torturada ou estuprada e não matando. Seria difícil pensar que na verdade Brenda estava em outra dimensão.
— Bem — diz o homem — Eu e minha equipe iremos até a fazenda dos Torres checar o que está acontecendo.
Um silêncio toma conta do lugar, o que tornava tudo um pouco constrangedor. Estava na cara que ele iria fazer isso por causa de Karina. Um pervertido, está casado e fica pensando em outras mulheres. Caso não fosse ela, certamente o processo levaria pelo menos vinte e quatro horas para daí sim eles levantarem aquelas bundas gordas da cadeira, se duvidar nem iam.
— Elas devem estar bem. — Se bem é mortas. — Mesmo lá sendo um pouco longe de vizinhos. São apenas adolescentes, devem ter esquecido de voltarem ou estão fazendo uma festa. — O delegado corta o silêncio. — Mas, de qualquer maneira é bom dar um checada.
Ele se despede das mulheres e sai reunindo uma dupla de policiais para o acompanharem. Talvez ganhasse alguns minutos de sexo por achar Amanda.
***
Antes de a ponta da tesoura perfurar o pulso de Michelle, três demônios e uma criança aparecem no quarto em uma nuvem roxa. Assustada, a garota joga a tesoura numa delas, o objeto se abre no ar e atinge o maxilar de Moah fazendo jorrar um feixe de excremento asqueroso do ferimento.
— Que isso! — grita a demônio ferida.
— Que recepção adorável — diz a demônio de pele morena — Percebo que alguém ia se matar.
Ela ri. Essa demônio era a mais cruel de todas e ao mesmo tempo conseguia ser glamourosa e elegante, uma assassina delicada sempre pronta para o abate de suas vítimas. Michelle percebe que Mury consegue ser pior do que Zith.
Michelle a olha por entre lágrimas. Quem diria que demônios a salvariam de cometer a maior burrada da sua vida, ou melhor, do fim dela. Tecnicamente só apareceram na hora certa, mas pelo menos fizeram a garota esquecer essa ideia passageira.
Michelle enxerga o irmão de mãos dadas com uma das criaturas. Ele parecia estar feliz, como se não existisse perigo em estar ali, vê-lo acalmou o coração de Michelle.
— Viemos em nome de Zanathus — diz a demônio de pele morena, com um olhar sério como se fosse negociar o destino do inferno — Trago a atividade final de seu teste.
Michelle olha para o braço e percebi que faltava pouco para a marca sumir. Era um símbolo circular muito simples e com poucos traços, agora já quase nem se via.
Ela enxuga as lágrimas e se levanta.
— O que devo fazer? — pergunta ela. A burrada já estava feita mesmo.
As três demônios se olham e sussurram algo incompreensível. A demônio de cabelos roxos que segurava na mão do garoto dá um passo para frente.
— É apenas uma tarefa simples — explica ela — Você só precisa voltar para sua casa com esse filhote de humano. — Ela olha o garoto.
Michelle sabia que tinha algo escondido nessa etapa simples, nada é tão fácil assim, ainda mais se tratando das ideias de Zanathus. O que será que esse ser asqueroso estava planejando agora? A garota não estava nem um pouco confiante na palavra das primogênitas.
— Onde está Zanathus? — pergunta, Michelle — Quero falar com ele.
— Querida humana — se pronuncia a demônio morena, que aparentemente era a líder das três — Ele está muito ocupado no momento e nos mandou até aqui.
"Ocupado? O que ocupa o tempo de um ser imortal?"
Se perguntava Michelle.— Então pegue essa cria — continuou a demônio, apontando para Matheus — E retorne para sua vidinha perfeita.
— Eu não confio em vocês. — Michelle deixa escapar.
As demônios se entre olham e falam alguma coisa numa língua desconhecida pela garota.
— Eu não confio em demônios — continua Michelle — Fora isso como vou explicar as mortes e o sumiço de Brenda?
— Elas não são demônios, Mi — diz, Matheus. Porém, a irmã, o ignora.
Mury ri, as outras duas riem atrás de forma forçada. Ela para e as duas param também. Para Michelle parecia um seriado que assistiu, só não lembrava o nome, deu vontade de rir, mas se segurou.
— Eu e minhas irmãs temos tudo planejado — se pronuncia a líder das criaturas — Todos pensaram que Cezar matou as pessoas e Brenda... Que diabos é Brenda?
— Era uma de vocês — explica Michelle.
— Pode ter morrido também — diz a demônio — Não importa, temos tudo sobre controle.
Michelle ainda não estava satisfeita, muita coisa não fazia sentido na cabeça da menina.
"Por que elas querem que eu volte?"
— Desde do começo, Zanathus, fazia de tudo para que você retornasse — explica a demônio, como se estivesse lendo a mente da garota — Por que você acha que ele matou todos menos você? Por que ele mandava seus subordinados se fazerem de santos e dizerem para vocês saírem daqui?
No começo, o leviatã, pensava que o seu objetivo estivesse nas terras, bem próximo de suas mãos. Até essas criaturas têm suas decepções, se bem que estava na cara que Deus não deixaria algo tão valioso próximo de uma criatura que o odeia. E com Michelle ali, seus planos não dariam certo, uma vez que Michelle é a única na face da Terra que pode para-lo. Ela é o atual "Aviso do
demônio".Únicos seres humanos que surgem a cada quinhentos anos com uma alma mais iluminada e com o dom de queimar criaturas obscuras. Só faltava ela descobrir do que é capaz.
A cabeça de Michelle se encheu de dúvidas e de imagens que como peças de um quebra cabeça se encaixaram, dando sentido a tudo.
— Ele tinha tudo sobre controle. Ele tem tudo sobre controle. — A demônio demonstra as presas. — E se eu fosse você retornava antes da meia noite. — Ela ri. — É a hora que as coisas acontecem com quem... Não importa, apenas volte.
A criatura solta o menino, que corre e abraça a irmã. Michelle aperta o garoto contra o seu corpo.
Quando eles se soltam do abraço fraterno as demônios não estavam mais ali. Um barulho de sirene vinha do lado de fora da casa, ela pega na mão do garoto e sai correndo em direção ao som. Eram quase meia noite.
O carro da polícia estava na porteira da fazenda, Michelle corre com o irmão como nunca em direção ao carro. Sem nem pensar nas consequências que viriam a seguir.
O policial vem de encontro com a menina e a criança.
— O que aconteceu? — pergunta ele.
Michelle senti uma dor na cabeça e um pouco de falta de ar, o mundo ao redor estava girando, as vozes se perdiam antes de chegar a seus ouvidos, sua visão estava escurecendo. Ela caí no chão. Era meia noite.
O policial, a pega nos braços e a coloca dentro do carro.
— Entre com sua irmã — diz o homem uniformizado para o garoto que começou a chorar devido a situação.
O policial manda seus companheiros irem investigar o que estava acontecendo na fazenda.
Ele entra no carro, manda o menino colocar o cinto, pisa no acelerador e dirige de volta para a cidade, precisamente para o hospital.
Eles retornam para casa, os dois únicos sobreviventes, Michelle e Matheus, os irmãos Torres.
E dentro do bolso do casaco de Matheus estava uma pedrinha vermelha que continha o mal encarnado.
O nome desse mau... Zanathus.
Sobrenatural. O mundo escureceu e as estrelas foram varridas do céu por uma enorme cauda de serpente. Grilos e gafanhotos preenchiam as ruas, mordendo e importunando tudo o que estava no caminho deles. Pessoas desesperadas corriam para dentro de suas casas enquanto começava a chover faíscas de fogo sobre suas cabeças. A garota suspira amedrontada, presa numa bolha atemporal, ela observa tudo aquilo desesperada para ajudar aquelas pessoas desconhecidas. Não queria presenciar o fim dos tempos. O fim da espécie humana. Uma mulher chora e grita para que ajudem sua pequena filha presa abaixo de um poste ligado à rede elétrica. O peito de Michelle dói&
Antes de dormir. — Quem é ela? — questiona Michelle, curiosa. — Sou Sabrina. — Ela se apresenta antes que Matheus a apresenta-se. — Sabrina Animabus. Michelle sorri para ela. Um sorriso forçado e nada simpático. Algo naquela garota não cheira bem. Há algo estranho nela. Michelle pode sentir, mas não sabe explicar. — Sabrina é uma grande amiga minha — diz Matheus — A conheci depois que a mamãe matou o papai. Michelle teria ouvido mesmo o que jurou ouvir. Seria uma brincadeirinha de mal gosto? Ou seus ouvidos
A Maldição. O cheiro do queijo gratinando na sanduicheira se espalha pelos pequenos cômodos da república. Michelle levanta ainda um pouco sonolenta, afinal são apenas sete horas da manhã. A garota não dormiu nada, teve pesadelos a noite toda. Além, é claro, de ter ido para cama depois das duas. Ao terminar de lavar o rosto e escovar os dentes, a jovem se coloca preguiçosamente a caminhar em direção ao bom e agradável cheiro de comida. Sabrina preparava saborosos sanduíches, talvez uma receita que aprendeu com os espíritos, aquilo parecia bom de mais para ser uma criação humana. — Que bom que
Carta para a morte. A lua aponta cheia no horizonte do céu. Enorme e mística, iluminando a face de Michelle. Sua luz é tão forte que acaba dando a impressão de ainda estar de dia. Dourada como ouro, uma joia gigante que atraí olhares mais inquietos, como o da garota sentada à janela. — O que foi? — pergunta Letícia. Michelle desvia o olhar para ela. Um olhar baixo e profundo. — Nada de mais — responde — Gosto de olhar a luz da lua. Letícia se senta junto dela, cuidando para não amarrotar o vestido q
O Portal. O pessoal chega aos poucos, aproximando-se de Sabrina, acompanhados pela curiosidade. O medo, o amargo e suculento medo, estampa o rosto de cada um deles. Michelle é a mais preocupada entre eles, provavelmente, por temer que Sabrina revele algo sobre a mensagem das primogênitas. — O que exatamente é isso? — pergunta Alicia. — Esse símbolo não me é estranho. — Matheus pensa um pouco. — A cruz do leviatã. Michelle se aproxima do espelho e o esconde atrás de si. — Alguém está querendo brincar
A morte do Demônio. As portas se abrem, rangendo em contato com o piso, enquanto são empurradas por Sabrina. As gotas de água pingam das pontas de seus cabelos e escorrem pelo corpo da garota, suas roupas coladas ao corpo por conta da chuva marcam a silhueta magra da menina. Todos estão no mesmo estado. Matheus até pior. Não era possível dizer se ele chorava ou eram apenas gotas de chuva. Se sente culpado, temendo que algo aconteça a Letícia. Foi por causa dele que ela estava na fazenda. Nunca devia ter contado a verdade para ela. Nunca deveria ter a tirado da normalidade que a pertencia. Foi egoísta demais por querer tudo para si. Está amaldiçoado a não ter ninguém. Não é mais, e nunc
Falando com os Mortos. — Como você fez aquilo? — questiona Sabrina — Eu nunca vi algo desse tipo. Michelle encara a garota vidente. Isso não fazia o menor sentido para a garota. Para ela, todo aquele poder e coragem surgiu por conta do cântico mágico de Sabrina. — Pensei que fosse você com suas bruxarias que me deram força. — Que bruxarias? — estranha Sabrina — Eu não sei fazer... Magias tão fortes como a que vi você reger. Michelle olha ao redor toda a destruição que causou. De onde teria vindo tudo isso?
O Chamado. — Acorda. — A jovem chacoalha o irmão. — Anda, seu preguiçoso, acorda. A luz do sol já entrava pelas frestas da madeira do galpão. Sabrina, já acordada, ria de Michelle. A garota parecia bem, para uma pessoa que serviu de oráculo. Em suas mãos, a menina segura umsmartphone, provavelmente o dela, e o cartão de memória de Michelle. — O que você quer? — diz o rapaz, acordando. — Você tem razão — diz Michelle — Eu sou fraca, mas se eu encontrar as respostas certas posso aprender a ser útil. Pelo menos uma