A frase cai como uma bomba.Viro o rosto devagar. Meus olhos arregalados, o corpo congelado.— Senhorita, por favor, você precisa sair daqui. Não é seguro — diz o policial ao meu lado.— N-não… — a palavra escapa como um soluço. — Mas… meu namorado… o Tristan… ele…Minhas pernas falham. Me agarro ao policial por instinto.— Eu sinto muito — ele diz, baixo. — Mas… aparentemente… não há sobreviventes.Não há sobreviventes.Essa frase se repete como um eco insuportável dentro da minha cabeça. Como se cada sílaba cravasse uma faca diferente em meu peito.Então vem. Um grito. Um som que dilacera o silêncio, que faz as pessoas se calarem, que rasga o ar.Sou eu.Sou eu gritando como nunca gritei. Como se o universo precisasse sentir a dor que me rasga. Como se gritar fosse a única maneira de impedir meu coração de explodir dentro do peito.Caio de joelhos. O mundo gira, mas eu fico ali. Com a terra sob os dedos e o peito em carne viva. O policial tenta me erguer. Me diz algo.
Foram as semanas mais difíceis da minha vida, eu tive que lidar, com o fato de que ele jamais voltaria, tive que lidar com a mídia, com a internet e pessoas. Tristan estava com o rosto estampado em todos os jornais. Todo Brasil, se lamentou pela sua morte. Um jovem, com futuro promissor pela frente, um pintor talentoso, morto em um incêndio pelo próprio pai. Daniel, que foi condenado a trinta e três anos de prisão. Tive que lidar com audiências e a condenação de seu próprio pai. Depois, tive que lidar com a miséria que me seguiu. Eu havia me formado, graças a Tristan, mas agora não havia ele. E eu não sabia o que fazer. Tive que procurar uma casa, mas as circunstâncias não estavam favoráveis. E eu novamente estava sozinha em um limbo de má sorte. Por muito tempo, eu não tive opções, eu não tive saída. A não ser procurar quem eu jurei que jamais procuraria: Stevan, meu algoz e minha taboa de salvação. Eu odiava o homem com toda a minha força. Odiava de verdade, mas, por mais que do
Ele disse que voltaria. Que aquela viagem pra Rússia era só o começo. Que quando tivesse um lugar no mundo, viria me buscar. Nós tínhamos um plano. Nós tínhamos um amor. E ele… ele simplesmente nunca voltou.Sem cartas. Sem mensagens. Sem notícias.Eu achei que ele tinha morrido. Chorei por ele até minha garganta ficar ferida. Me encolhi tantas vezes lembrando do cheiro dele, da voz dele, da pele quente dele contra a minha..Mas agora ele está vivo. Rico. Dono de uma mansão de revista. Com um quadro meu pendurado na parede como se eu tivesse sido uma lembrança bonita de um verão qualquer.Como ele pôde?Os olhos dele encontraram os meus, e naquele instante eu soube: ele me reconheceu. Ele sabia. Soube assim que me viu. Não houve dúvida, não houve hesitação.E isso doeu.Porque isso provava que o que a gente viveu foi real. Ele me amou. Com cada fibra do corpo. Com cada traço que desenhou de mim.E ainda assim… me deixou.Me largou pra morrer naquela merda de vida. Enquanto e
Por quem nunca poderia saber onde eu passei essa noite.— Rodrigo, eu… preciso sair daqui. Não posso passar o dia presa.— Se tiver alguém que possa depor a seu favor, alguém que comprove endereço fixo ou vínculo familiar…— Não — cortei rápido demais. — Não tem ninguém.Ele me olhou com mais atenção. Mas não perguntou. Inteligente da parte dele.— Tudo bem. Vou acompanhar de perto. Se Stevan não se manifestar até às oito, eu entro com pedido próprio.Assenti, em silêncio. Mas dentro de mim, uma bomba relógio já contava os segundos.O amanhecer chegou sem aviso. A luz alaranjada filtrou pelas grades altas da cela como um insulto. E então, outra vez, a chave girou. Outro policial abriu a cela, me olhando desinteressado.— Catarina. Outro advogado quer falar com você.Outro? Franzi a testa. Me levantei devagar. Rodrigo já tinha vindo. Quem mais viria?Na sala de visitas, um homem elegante, de cabelos grisalhos e um olhar clínico me esperava. O terno dele era caro demais para
— Algum empresário recluso. Russo, talvez. Discreto demais. Não lida diretamente com ninguém. O documento está com ele. É o que me importa.Então era verdade. Ele não sabia. Não fazia ideia de que Tristan estava vivo. De que ele era o homem que eu vi naquela noite, parado na escada, com o mesmo olhar que me dava quando me via chegar. O mesmo olhar que agora me dilacerava.— Você é nojento, Stevan — sussurrei, entre os dentes.— E você é linda quando tenta me odiar. — Ele sorriu, malicioso. — E mesmo assim sempre volta. Sempre vem voando pro ninho.— Eu volto porque você me prendeu nesse jogo. Porque eu não tenho escolha.Ele se levantou e caminhou até mim com calma, como quem se aproxima de uma gaiola aberta. Pousou os dedos no meu queixo e me forçou a encará-lo.— Todo mundo tem escolhas, passarinho. A sua foi minha. Lembra disso da próxima vez que pensar em me desafiar.Me afastei com um impulso, como se os dedos dele queimassem. Porque queimavam. Porque eu estava fervendo p
— Dormi na casa da Tereza, ela me deixou comer biscoito no café da manhã! — disse todo orgulhoso, os óculos escorregando um pouco no nariz.— É mesmo? — sorri, apertando ele contra mim, sentindo o cheirinho doce de shampoo infantil e travesseiro alheio. — E você se comportou?— Eu fui ótimo! Pergunta pra ela!Dona Tereza riu com aquele jeito maternal que me confortava sempre. Seus olhos se prendendo na minha aparência. Aparência de quem chorou. Ela me deu um sorriso mais contido, triste. E continuou. — Ah, ele foi um anjo, como sempre. Quando você não apareceu no horário ontem à noite, achei melhor levar ele comigo. Ele ficou tranquilo. Só perguntava de você antes de dormir. Mas eu disse que logo estaria em casa.Engoli em seco. Por pouco eu não fico presa. — Obrigada… por tudo. Eu não sei o que faria sem você.Ela me olhou nos olhos, com aquela ternura silenciosa de quem sabe que há mais por trás, mas não exige explicações.— Vocês são minha família agora, Catarina. E famíl
Desde aquela noite, desde que vi o rosto no quadro, desde que o advogado da mansão me tirou da prisão… algo dentro de mim não se aquietava. O mundo parecia girar devagar demais, como se estivesse prestes a cair sobre mim.E eu sabia que, por mais que doesse, por mais que mexesse em feridas antigas… eu precisava saber.O meu coração batia acelerado, como se já soubesse o que me esperava. A mente gritava para que eu desistisse. Para que não abrisse velhas portas.Mas eu não podia.Não depois de tudo.Não depois dele.Respirei fundo, enxuguei o suor da testa e comecei a andar. Cada passo me levava mais perto da verdade.E talvez… do fim da minha paz*Voltar ali todos os dias estava me consumindo. Eu sabia. E mesmo assim, eu voltava.Aquela mansão, escondida no coração da Floresta da Tijuca, parecia me engolir viva. Era como se cada passo naquela estrada de pedra batesse junto com meu coração no peito — pesado, barulhento, insistente. As árvores eram altas demais, fechadas demais,
O caminho até a porta principal parecia maior do que eu lembrava. Cada passo ecoava na entrada silenciosa, e meus sapatos simples soavam deslocados contra o chão de pedra limpa. A mansão estava diferente — mais rica, mais viva, mais intocável. E eu, ao lado daquele homem de preto, me sentia pequena. Invadida por uma mistura sufocante de lembrança e vergonha. Por um momento, me perguntei se ele sabia quem eu era. Se sabia que, algumas noites atrás, eu entrei ali escondida, como uma ladra. Agora, eu entrava pela porta da frente… mas continuava me sentindo uma intrusa.A estrada interna era calçada com pedras limpas e cercada por jardins impecáveis. O cheiro de mata se misturava ao de grama molhada, flores caras. E ali estava a mansão. Branca, imponente, com colunas enormes e janelas espelhadas que escondiam tudo. Nenhum som. Nenhum movimento. Apenas o calor do sol queimando minha pele e a sensação de que eu estava prestes a reencontrar um fantasma.Porque eu ainda não sabia se era el