Nunca mais dizer adeus - Livro 3
Nunca mais dizer adeus - Livro 3
Por: Carol Moura
Prólogo

Não é carne da minha carne,

Nem osso dos meus ossos,

Mas ainda milagrosamente

Meu

Nunca se esqueça

Por um só minuto;

Você não nasceu em meu coração,

Mas dentro dele.

Poema — A resposta[1]

PRÓLOGO

[1] O poema A resposta (a um filho adotivo) foi extraído da Fanfiction Parachute de autoria de KitsuShel e traduzido com autorização pelas tradutoras do Perva’s Place. Não foi encontrado o nome do autor e no texto de KitsuShel também não há menções de quem é a autoria do poema, desta forma registro que embora se encaixe perfeitamente em minha história, este poema, lindo como é, não me pertence.

SIMON

 

A primeira vez que alguém me disse adeus eu não tinha idade o suficiente para entender.

Dizem que eu tinha apenas três anos de idade quando minha mãe foi assassinada pelo seu próprio traficante, que também era meu pai, enquanto a vizinha cuidava de mim, excepcionalmente, naquele dia.

Aparentemente eu testemunhava muitas coisas absurdas como violência, drogas e sexo, mas meu pai imaginou que seria demais presenciar um assassinato, então pediu para que a vizinha me cuidasse.

 Ele fugiu com a minha tia que o ajudou a se livrar do corpo de minha mãe e eu fiquei com a mulher estranha até que ela chamasse o serviço social e me mandasse embora com eles por não poder me sustentar junto com os seus outros quatro filhos.

De qualquer forma, eu não me lembro de nada. Aos três anos é difícil lembrar das coisas e Lori diz que é bom que eu não consiga me lembrar desta época.

Sinceramente não posso dizer, pois o que lembro da minha vida depois disso não chega a ser muito diferente.

Eu era uma pequena coisa loira de olhos verdes escuros que imediatamente fora adotada quando fui entregue ao serviço social. Meus primeiros pais adotivos ficaram comigo por três anos. Deste tempo eu me lembro bem, foram os únicos realmente bons para mim.

 Moravam em um pequeno e aconchegante apartamento, eu ficava em um sofá cama na sala, mas era limpo e eles me tratavam bem. Lembro dos cookies deliciosos que a mulher fazia, e dos passeios que o homem me levava todos os dias, apenas andávamos por aí e conversávamos sobre qualquer coisa.

Lembro de gostar deles, ainda consigo sentir o gosto dos cookies e do espaguete com almôndegas. No dia em que eu completaria sete anos de idade eles morreram em um acidente de carro enquanto eu estava na escola aguardando que fossem me buscar para comemorarmos em um restaurante. Lembro de esperar ansiosamente pelo bolo.  No lugar do seu velho carro, estacionou em frente à escola a van do serviço social. Eles foram rápidos. Ouvi-os dizendo que nenhum outro membro da família queria ficar comigo, por isso os chamaram. Bem, ao menos não esperei por quatro dias na escola. Então eu voltei para o St. Francis. Voltei para os braços de Lori. Ela sempre foi minha amiga.

Acontece que crianças crescidinhas, por mais que sejam bonitas e branquinhas, não são a primeira opção depois do segundo ano de vida. Logo percebi que o tempo passava e ninguém se dava ao trabalho de me dar um segundo olhar.

Criei aquela expectativa que todas as crianças criam quando não têm ninguém, quando estão prestes a perder a esperança de que serão adotadas. Sonhava com o momento em que algum casal legal chegaria no Lar para escolher o seu filho, eles me perguntariam algo e a minha resposta espertinha os fariam se apaixonar por mim e me levariam com eles. Então, assim que aprendi a ler, comecei a devorar cada livro à minha volta para parecer inteligente.

Yeah!

Coitado.

Logo esse lindo delírio deu lugar a apenas decepção e um pouco de revolta contra as pessoas, não que eu fosse agressivo ou desagradável, eu não gostava delas em silêncio, era mais prudente assim.

Aos nove, eu já não sonhava mais.

Ninguém me queria, afinal de contas. Então por que eu iria querer ficar com alguém também? Não faz sentido você ficar correndo atrás de algo ou alguém que não é para você.

É estúpido e uma miserável perda de tempo.

Porém, aos dez fui adotado por um casal que eu gosto de chamar de sanguessuga. Pessoas que adotam várias crianças para conseguir subsídios do governo e que gastam esta verba com tudo, menos com as crianças que levaram para casa. Geralmente essas crianças são feitas de empregados e precisam brigar por um pedaço de pão.

 Estes eram os Lincoln.

Vivi com esta família por cinco anos. Não foi diferente do orfanato se considerarmos a quantidade de crianças dentro de uma casa de três quartos. Eu ainda lembrava o nome de cada uma delas:

Havia Mike, o mais velho, com dezesseis anos e mais baseados escondidos em suas meias do que qualquer pequeno traficante do Queens, só que ele não vendia. O cara vivia chapado, mas não incomodava ninguém.

Ao contrário de Ralf, meu algoz. O cara legal que me dava uma surra de verdade por semana e nos outros dias apenas fazia pressão psicológica e me dava alguns cascudos. Eu passava os dias esperando que ele me batesse.

 A ansiedade e antecipação me fazia mais mal do que a surra propriamente dita. Nunca sabia de onde ela, a surra, vinha ou quando. Aquilo terminava com os meus nervos. Eu vivia com medo.

 E então vinham os outros: Alice, quinze anos, quieta e introspectiva, eu suspeitava que ela se matinha invisível com medo de que o senhor Lincoln ou um dos meninos mais velhos fizessem algo com ela.  Eu, Pedro, Jenna e Trisha tínhamos entre oito e doze anos. Éramos sete crianças dividindo dois quartos. Meninas para um lado, meninos para o outro. Café da manhã racionado, almoço na escola se conseguíssemos algum dinheiro ou guardar algum alimento, a maioria de nós guardava o café da manhã para comer no meio do dia. E jantar nem pensar. Talvez algo que Alice dividia conosco quando comprava comida com suas economias do trabalho de babá. Fora isso, tínhamos um grande nada.

Algum tempo passou e uma rotina fora criada, às vezes nos divertíamos juntos e até esquecíamos do quanto era ruim viver naquele lugar. Para todos nós. Inclusive para meu algoz. Aos quatorze, eu vi Ralf e a senhora Lincoln transando ao lado do tanque de lavar roupa na área de serviço nos fundos da casa, ela gemia e falava coisas obscenas para ele enquanto ele simplesmente empurrava para dentro dela e olhava para o outro lado, seu rosto mostrava nada menos do que repulsa. Quando ele percebeu que eu estava assistindo, me olhou com ódio.

Aquela noite ele quebrou duas costelas minhas.

No dia em que estava completando quinze anos, a senhora Lincoln apalpou meu saco e tentou me masturbar dizendo que eu estava me tornando um jovem muito atraente. Dei-lhe um soco na cara. Ela contou para o senhor Lincoln que, por sua vez, me deu um soco na cara seguido de um espancamento digno de UFC e me devolveu para o serviço social dizendo que eu era violento e deveria estar na cadeia.

 Logo eu estava em uma nova família, os Molina. Eram legais, mas sua filha legítima, Philly, era muito mais legal, eles nos pegaram em uma sessão de amassos e me enviaram de volta para o serviço social com medo que eu engravidasse sua filha. Nós nem chegamos a transar.

Foi quando Lori resolveu não me deixar ir mais.

E sob a proteção de Lori, eu finalmente tive um vislumbre do que era carinho. Não que tenha virado um Cocker Spainel, dócil e carinhoso, mas Lori me conquistou e pelos próximos dois anos ela me ensinou sobre respeito, honestidade, educação e incentivou ainda mais a leitura quando viu que era algo que eu gostava. Eu amava quando era mais novo, mas meus lares realmente não me permitiram manter como um hobby, no Lar St. Francis era diferente, os assistentes sociais me queriam em meio aos livros. E não me importei em passar cada minuto que tinha com eles.

Eu amava ler.

Eu lia qualquer coisa.

Nós não éramos autorizados a ter nada como roupas diferentes ou música ou telefones, mas Lori me deu dois presentes quando completei dezessete anos: um cartão da biblioteca do bairro e uma jaqueta de couro surrada que ela disse ter comprado em um brechó.

Os livros devolveram meu interesse pela leitura e me fizeram parecer inteligente na escola, bem, apenas em algumas disciplinas, eu continuava sendo uma negação em matemática e ciências. A jaqueta me fez parecer legal e assustador. Não que eu realmente fosse um ou outro, na maior parte do tempo eu ficava sozinho na escola e não me aproximava de ninguém.  Apenas algumas garotas para dar alguns amassos.

Eu nunca dava uma segunda chance para qualquer uma delas. Eu iria embora em algum momento. Ou o mais provável, elas iriam.

Eu não tinha amigos na escola também. A maioria dos garotos me tratavam como pária, mas não eram maus comigo, eu ficava na minha e eles na deles. Ninguém se incomodava desta forma.  Eu tinha amigos no Lar, por outro lado. Gostava de estar perto das crianças, brincava com elas e ajudava todas em suas tarefas que não envolvessem matemática ou ciências.

Eu tinha um A em literatura. E...

Apenas um A em literatura!

Um B em inglês e história e depois um show de C’s e F’s em todas as outras disciplinas.

Assim que entrei em “casa” naquele dia, Lori parou de conversar com o casal que estava provavelmente escolhendo alguma criança para levar para casa e me chamou, seu tom não me dava alternativa, eu já tinha fugido dela por uma semana inteira, não podia mais protelar. Ela provavelmente me faria participar de reforço escolar para melhorar as minhas notas.

Eu odiava aquelas matérias, reforço só reforçaria o meu ódio por elas.

Mas não podia mais fugir de Lori. Suspirei e andei até ela sabendo o seu objetivo. Se eu escapasse naquele momento, ela não me veria pelo final de semana todo e estaria mais brava na segunda-feira. Minhas notas estavam uma vergonha.

Mas se soubesse o que aconteceria em seguida, teria fugido de Lori novamente.

— Senhor e senhora Hartnett, este é Simon Heyes. Simon, por favor, cumprimente nossos convidados — Lori pediu. O jovem casal me olhou por um momento e a mulher parecia que ia ter um acidente cardiovascular na minha frente. Seu marido de repente estava com os braços em volta dela, como se estivesse pronto para ampará-la.

— Er... olá. — Cumprimentei sem graça, imediatamente comecei a coçar meu pescoço tentando encontrar algo para fazer enquanto todos me analisavam como se eu fosse algum experimento. Olhei para o homem que agora trocava olhares com a esposa e eu poderia dizer que ele era completamente louco por ela.

Tipo, louco mesmo.

Ele ficava em cima dela e analisava cada uma das suas reações. Seus olhos brilhavam e ele tinha uma espécie de sorriso engessado em seu rosto. Era assustador, para dizer a verdade.

— Bem, eu preciso que você fique por aqui, não suba para os dormitórios, pois quero ter uma palavrinha com você antes do final de semana.

— Lori...

— Ou nada de livros... — Seu tom era categórico. Ela sabia ser uma megera quando queria. Era sacanagem me deixar sem livros. O que eu faria o final de semana inteiro?

Porra!

— Tudo bem — disse simplesmente e me sentei na cadeira mais próxima à sala de artes e logo algumas crianças estavam em volta de mim, eles deviam estar voltando da higiene bucal da manhã.  — Hey, galera! — Cumprimentei todos e me preparei para os pedidos.

— Simon, você pode desenhar comigo? — Davis solicitou.

— Eu também quero, Simon! — Benjamin entrou na conversa, fazendo Davis formar uma carranca.

— Claro, homem! Vou desenhar com todo mundo. Vamos lá. — Olhei novamente para Lori e a vi olhando para mim juntamente com o casal. A mulher continuava me olhando de forma esquisita, como se estivesse pronta para desmaiar a qualquer momento. Olhei para ela por um momento tentando entender sua reação, mas não consegui decifrar nada, bem, ela certamente combinava com o marido, pois quando olhei para o homem, ele também me fitava de forma engraçada. Aqueles dois estavam começando a me assustar.

Quando Lori começou a falar e gesticular novamente para o casal, respirei aliviado ao perceber que não era mais o foco da sua atenção.

Ou assim eu pensava.

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