Não é carne da minha carne,
Nem osso dos meus ossos,
Mas ainda milagrosamente
Meu
Nunca se esqueça
Por um só minuto;
Você não nasceu em meu coração,
Mas dentro dele.
Poema — A resposta[1]
PRÓLOGO
[1] O poema A resposta (a um filho adotivo) foi extraído da Fanfiction Parachute de autoria de KitsuShel e traduzido com autorização pelas tradutoras do Perva’s Place. Não foi encontrado o nome do autor e no texto de KitsuShel também não há menções de quem é a autoria do poema, desta forma registro que embora se encaixe perfeitamente em minha história, este poema, lindo como é, não me pertence.
SIMON
A primeira vez que alguém me disse adeus eu não tinha idade o suficiente para entender.
Dizem que eu tinha apenas três anos de idade quando minha mãe foi assassinada pelo seu próprio traficante, que também era meu pai, enquanto a vizinha cuidava de mim, excepcionalmente, naquele dia.
Aparentemente eu testemunhava muitas coisas absurdas como violência, drogas e sexo, mas meu pai imaginou que seria demais presenciar um assassinato, então pediu para que a vizinha me cuidasse.
Ele fugiu com a minha tia que o ajudou a se livrar do corpo de minha mãe e eu fiquei com a mulher estranha até que ela chamasse o serviço social e me mandasse embora com eles por não poder me sustentar junto com os seus outros quatro filhos.
De qualquer forma, eu não me lembro de nada. Aos três anos é difícil lembrar das coisas e Lori diz que é bom que eu não consiga me lembrar desta época.
Sinceramente não posso dizer, pois o que lembro da minha vida depois disso não chega a ser muito diferente.
Eu era uma pequena coisa loira de olhos verdes escuros que imediatamente fora adotada quando fui entregue ao serviço social. Meus primeiros pais adotivos ficaram comigo por três anos. Deste tempo eu me lembro bem, foram os únicos realmente bons para mim.
Moravam em um pequeno e aconchegante apartamento, eu ficava em um sofá cama na sala, mas era limpo e eles me tratavam bem. Lembro dos cookies deliciosos que a mulher fazia, e dos passeios que o homem me levava todos os dias, apenas andávamos por aí e conversávamos sobre qualquer coisa.
Lembro de gostar deles, ainda consigo sentir o gosto dos cookies e do espaguete com almôndegas. No dia em que eu completaria sete anos de idade eles morreram em um acidente de carro enquanto eu estava na escola aguardando que fossem me buscar para comemorarmos em um restaurante. Lembro de esperar ansiosamente pelo bolo. No lugar do seu velho carro, estacionou em frente à escola a van do serviço social. Eles foram rápidos. Ouvi-os dizendo que nenhum outro membro da família queria ficar comigo, por isso os chamaram. Bem, ao menos não esperei por quatro dias na escola. Então eu voltei para o St. Francis. Voltei para os braços de Lori. Ela sempre foi minha amiga.
Acontece que crianças crescidinhas, por mais que sejam bonitas e branquinhas, não são a primeira opção depois do segundo ano de vida. Logo percebi que o tempo passava e ninguém se dava ao trabalho de me dar um segundo olhar.
Criei aquela expectativa que todas as crianças criam quando não têm ninguém, quando estão prestes a perder a esperança de que serão adotadas. Sonhava com o momento em que algum casal legal chegaria no Lar para escolher o seu filho, eles me perguntariam algo e a minha resposta espertinha os fariam se apaixonar por mim e me levariam com eles. Então, assim que aprendi a ler, comecei a devorar cada livro à minha volta para parecer inteligente.
Yeah!
Coitado.
Logo esse lindo delírio deu lugar a apenas decepção e um pouco de revolta contra as pessoas, não que eu fosse agressivo ou desagradável, eu não gostava delas em silêncio, era mais prudente assim.
Aos nove, eu já não sonhava mais.
Ninguém me queria, afinal de contas. Então por que eu iria querer ficar com alguém também? Não faz sentido você ficar correndo atrás de algo ou alguém que não é para você.
É estúpido e uma miserável perda de tempo.
Porém, aos dez fui adotado por um casal que eu gosto de chamar de sanguessuga. Pessoas que adotam várias crianças para conseguir subsídios do governo e que gastam esta verba com tudo, menos com as crianças que levaram para casa. Geralmente essas crianças são feitas de empregados e precisam brigar por um pedaço de pão.
Estes eram os Lincoln.
Vivi com esta família por cinco anos. Não foi diferente do orfanato se considerarmos a quantidade de crianças dentro de uma casa de três quartos. Eu ainda lembrava o nome de cada uma delas:
Havia Mike, o mais velho, com dezesseis anos e mais baseados escondidos em suas meias do que qualquer pequeno traficante do Queens, só que ele não vendia. O cara vivia chapado, mas não incomodava ninguém.
Ao contrário de Ralf, meu algoz. O cara legal que me dava uma surra de verdade por semana e nos outros dias apenas fazia pressão psicológica e me dava alguns cascudos. Eu passava os dias esperando que ele me batesse.
A ansiedade e antecipação me fazia mais mal do que a surra propriamente dita. Nunca sabia de onde ela, a surra, vinha ou quando. Aquilo terminava com os meus nervos. Eu vivia com medo.
E então vinham os outros: Alice, quinze anos, quieta e introspectiva, eu suspeitava que ela se matinha invisível com medo de que o senhor Lincoln ou um dos meninos mais velhos fizessem algo com ela. Eu, Pedro, Jenna e Trisha tínhamos entre oito e doze anos. Éramos sete crianças dividindo dois quartos. Meninas para um lado, meninos para o outro. Café da manhã racionado, almoço na escola se conseguíssemos algum dinheiro ou guardar algum alimento, a maioria de nós guardava o café da manhã para comer no meio do dia. E jantar nem pensar. Talvez algo que Alice dividia conosco quando comprava comida com suas economias do trabalho de babá. Fora isso, tínhamos um grande nada.
Algum tempo passou e uma rotina fora criada, às vezes nos divertíamos juntos e até esquecíamos do quanto era ruim viver naquele lugar. Para todos nós. Inclusive para meu algoz. Aos quatorze, eu vi Ralf e a senhora Lincoln transando ao lado do tanque de lavar roupa na área de serviço nos fundos da casa, ela gemia e falava coisas obscenas para ele enquanto ele simplesmente empurrava para dentro dela e olhava para o outro lado, seu rosto mostrava nada menos do que repulsa. Quando ele percebeu que eu estava assistindo, me olhou com ódio.
Aquela noite ele quebrou duas costelas minhas.
No dia em que estava completando quinze anos, a senhora Lincoln apalpou meu saco e tentou me masturbar dizendo que eu estava me tornando um jovem muito atraente. Dei-lhe um soco na cara. Ela contou para o senhor Lincoln que, por sua vez, me deu um soco na cara seguido de um espancamento digno de UFC e me devolveu para o serviço social dizendo que eu era violento e deveria estar na cadeia.
Logo eu estava em uma nova família, os Molina. Eram legais, mas sua filha legítima, Philly, era muito mais legal, eles nos pegaram em uma sessão de amassos e me enviaram de volta para o serviço social com medo que eu engravidasse sua filha. Nós nem chegamos a transar.
Foi quando Lori resolveu não me deixar ir mais.
E sob a proteção de Lori, eu finalmente tive um vislumbre do que era carinho. Não que tenha virado um Cocker Spainel, dócil e carinhoso, mas Lori me conquistou e pelos próximos dois anos ela me ensinou sobre respeito, honestidade, educação e incentivou ainda mais a leitura quando viu que era algo que eu gostava. Eu amava quando era mais novo, mas meus lares realmente não me permitiram manter como um hobby, no Lar St. Francis era diferente, os assistentes sociais me queriam em meio aos livros. E não me importei em passar cada minuto que tinha com eles.
Eu amava ler.
Eu lia qualquer coisa.
Nós não éramos autorizados a ter nada como roupas diferentes ou música ou telefones, mas Lori me deu dois presentes quando completei dezessete anos: um cartão da biblioteca do bairro e uma jaqueta de couro surrada que ela disse ter comprado em um brechó.
Os livros devolveram meu interesse pela leitura e me fizeram parecer inteligente na escola, bem, apenas em algumas disciplinas, eu continuava sendo uma negação em matemática e ciências. A jaqueta me fez parecer legal e assustador. Não que eu realmente fosse um ou outro, na maior parte do tempo eu ficava sozinho na escola e não me aproximava de ninguém. Apenas algumas garotas para dar alguns amassos.
Eu nunca dava uma segunda chance para qualquer uma delas. Eu iria embora em algum momento. Ou o mais provável, elas iriam.
Eu não tinha amigos na escola também. A maioria dos garotos me tratavam como pária, mas não eram maus comigo, eu ficava na minha e eles na deles. Ninguém se incomodava desta forma. Eu tinha amigos no Lar, por outro lado. Gostava de estar perto das crianças, brincava com elas e ajudava todas em suas tarefas que não envolvessem matemática ou ciências.
Eu tinha um A em literatura. E...
Apenas um A em literatura!
Um B em inglês e história e depois um show de C’s e F’s em todas as outras disciplinas.
Assim que entrei em “casa” naquele dia, Lori parou de conversar com o casal que estava provavelmente escolhendo alguma criança para levar para casa e me chamou, seu tom não me dava alternativa, eu já tinha fugido dela por uma semana inteira, não podia mais protelar. Ela provavelmente me faria participar de reforço escolar para melhorar as minhas notas.
Eu odiava aquelas matérias, reforço só reforçaria o meu ódio por elas.
Mas não podia mais fugir de Lori. Suspirei e andei até ela sabendo o seu objetivo. Se eu escapasse naquele momento, ela não me veria pelo final de semana todo e estaria mais brava na segunda-feira. Minhas notas estavam uma vergonha.
Mas se soubesse o que aconteceria em seguida, teria fugido de Lori novamente.
— Senhor e senhora Hartnett, este é Simon Heyes. Simon, por favor, cumprimente nossos convidados — Lori pediu. O jovem casal me olhou por um momento e a mulher parecia que ia ter um acidente cardiovascular na minha frente. Seu marido de repente estava com os braços em volta dela, como se estivesse pronto para ampará-la.
— Er... olá. — Cumprimentei sem graça, imediatamente comecei a coçar meu pescoço tentando encontrar algo para fazer enquanto todos me analisavam como se eu fosse algum experimento. Olhei para o homem que agora trocava olhares com a esposa e eu poderia dizer que ele era completamente louco por ela.
Tipo, louco mesmo.
Ele ficava em cima dela e analisava cada uma das suas reações. Seus olhos brilhavam e ele tinha uma espécie de sorriso engessado em seu rosto. Era assustador, para dizer a verdade.
— Bem, eu preciso que você fique por aqui, não suba para os dormitórios, pois quero ter uma palavrinha com você antes do final de semana.
— Lori...
— Ou nada de livros... — Seu tom era categórico. Ela sabia ser uma megera quando queria. Era sacanagem me deixar sem livros. O que eu faria o final de semana inteiro?
Porra!
— Tudo bem — disse simplesmente e me sentei na cadeira mais próxima à sala de artes e logo algumas crianças estavam em volta de mim, eles deviam estar voltando da higiene bucal da manhã. — Hey, galera! — Cumprimentei todos e me preparei para os pedidos.
— Simon, você pode desenhar comigo? — Davis solicitou.
— Eu também quero, Simon! — Benjamin entrou na conversa, fazendo Davis formar uma carranca.
— Claro, homem! Vou desenhar com todo mundo. Vamos lá. — Olhei novamente para Lori e a vi olhando para mim juntamente com o casal. A mulher continuava me olhando de forma esquisita, como se estivesse pronta para desmaiar a qualquer momento. Olhei para ela por um momento tentando entender sua reação, mas não consegui decifrar nada, bem, ela certamente combinava com o marido, pois quando olhei para o homem, ele também me fitava de forma engraçada. Aqueles dois estavam começando a me assustar.
Quando Lori começou a falar e gesticular novamente para o casal, respirei aliviado ao perceber que não era mais o foco da sua atenção.
Ou assim eu pensava.
SIMONPor algum motivo, acabei escapando de Lori e tendo o final de semana livre e sem qualquer castigo. Era um alívio, mas também sabia que na semana seguinte eu pagaria o preço. Lori não era má. Ela era boa para mim, o único adulto que realmente se preocupou comigo durante a minha vida toda. Eu tinha respeito e carinho por ela, mas a última parte eu dificilmente admitiria algum dia.Quando a segunda-feira chegou, Lori me chamou no escritório dela assim que voltei da escola. Eu tinha certeza que era para falar sobre as minhas notas.— Entre, querido. Sente-se. — Seu tom não era de alguém que estava bravo ou preocupado. Sentei e fiquei tentando entender o sorriso que se formava em seu rosto.— Como tem passado, Simon?— Bem — respondi simplesmente, começando a me sentir desconfortável com o seu sorriso esquisito.Se
ALEXANDERNo momento em que Caterine viu o garoto, a emoção em seus olhos se transformou em algo que eu não sabia identificar. Mas eu podia dizer com convicção uma coisa: Era o mesmo olhar de quando ela me contou que estava grávida. Bem, era o olhar depois que ela me contou sobre a gravidez e viu que eu não ia surtar com um bebê.O mesmo do dia em que nos casamos.Não tinha outra alternativa.Nós tentaríamos adotar um menino de dezessete anos.— Onde paramos? Ah! Sim, as crianças até cinco anos voltaram e... — Lori voltou a falar, mas Caterine continuava me fitando com aquela expressão determinada e apaixonada.— Na verdade, Lori — Interrompi. —, gostaríamos de saber mais sobre Simon, é possível? — Lori olhou para o menino por um momento e olhou para nós com certa dúv
SIMONAs visitas se fizeram muito mais fáceis depois que descobri que os H. tinham uma parede enorme de livros em sua casa, passávamos a maior parte do tempo falando sobre os livros que gostávamos. Contei que gostava de fantasia e terror.— Quais livros você tem? — senhora H. perguntou entusiasmada.— Eu não tenho muitos — respondi sem graça.— Ah! — disse também sem graça. — Você lê na escola, então?— E às vezes vou à livraria e sento lá para ler os livros. — Dei de ombros, como se não fosse grande coisa. Depois disso, os Hartnett passaram a aparecer com sacolas de livros. Lori chamou a atenção deles, dizendo que não era saudável e podia ser interpretado como suborno para eu aceitar ir com eles. Mas a senhora Hartnett tinha algo nela que fazia as pes
SIMONA casa dos Hartnett ficava em Tribeca. Era um bairro legal. Bem diferente dos lugares que eu havia frequentado.Os H. são ricos? Pensei comigo enquanto olhava para os prédios e ruas bem cuidadas do bairro.Eles moravam em um loft, era impressionante, para ser honesto, parecia casa de revista. Era grande e com decoração legal. Tinha uma cozinha imensa, sem contar o número de janelas.— Vamos subir, depois você vê tudo com calma — senhora H. disse pegando a minha mão e subindo para o segundo andar comigo sendo praticamente arrastado por ela. Eu podia ouvir o seu marido resmungando e rindo atrás de nós, mas não consegui entender bem o que ele dizia. Ela parou em frente a uma porta e engoliu em seco, quando me olhou, percebi que havia uma pontada de tristeza em seus olhos, mas rapidamente se apagaram e a tristeza deu lugar ao entusiasmo. E no
SIMONA primeira semana de aula foi ignorada por mim e os Hartnett, eles alegaram que queriam que eu me familiarizasse com o novo lar antes de ingressar, então durante a semana Alexander e Caterine trabalharam em casa, enquanto eu lia e passava tempo com eles. No final de semana iríamos a Jérsei para eu conhecer toda a família. E na próxima semana seria sujeitado à tortura do High School [1] para mauricinhos.Pela manhã, sempre havia café na mesa para nós três. Ao menos não foram servidos na janela, embora eu tenha gostado de comer lá na primeira noite.A mesa era sempre repleta de waffles, pães variados, iogurte, cereal e panquecas. Caterine e Alexander se esforçavam ao máximo e eu conseguia ver aquilo. A preocupação deles em me incluir, em preencher o ambiente com conversa toda vez, contar sobre sua
SIMONNa sexta-feira à noite estávamos seguindo para Nova Jérsei. Eu gostei do carro dos H, eles geralmente usavam apenas táxis para andar por Nova Iorque, o que era totalmente compreensível, mas quando iam para Jérsei, Alexander tirava seu Jeep maneiro da garagem.Eles passaram um bom tempo falando do caso em que Alexander estava trabalhando, o caso Hoffman. Foi um caso que o senhor H. aceitou quando ele e a senhora H. passaram por uma crise, eu não sabia detalhes, mas KitCat, como eu gostava de chamar Caterine, me contou sobre o caso e deixou escapar que foi no meio de um momento complicado para os dois. Tinha pelo menos um ano que ele trabalhava neste caso na promotoria. Caterine trabalhava em casos muito menores e era em defesa e não na acusação como o seu marido, mas era maneiro ouvi-los falando sobre os casos.— Alex, essa música é digna de fazer qualq
SIMON— Mas eu quero dormir com Simon. — Joselie chorou enquanto Josh a pegava no colo.— Mas você não vai, Jo. — Revirou os olhos. — Dá para acreditar? Nem um dia inteiro e ela já está apaixonada pelo Simon aqui.Josie esteve pendurada em mim a noite toda até que finalmente deixou escapar que me amava e que se casaria comigo. Eu engasguei com o refrigerante na minha boca e todos os outros riram da situação, eu era bom com crianças, mas não tinha ideia de que era um destruidor de corações de nove anos de idade.Quando Jojo finalmente se entregou ao sono, Josh voltou.— Agora os homens da casa irão tomar uma bebida forte e conversar sobre coisas de homem no jardim, senhoras — anunciou forçando uma voz autoritária para todos na sala.— Papo machista! — Mary provocou.
SIMONMeu estômago estava pulando para fora do meu corpo no momento em que Carter me deixou em frente à escola Warden High School. Olhei nervosamente para a entrada da imponente escola onde vários alunos já subiam a escadaria e entravam no prédio, mas não saí do carro, nem me movi.— Quer que eu entre com você? — Caterine perguntou devagar, como se estivesse testando o meu humor.— Não, tudo bem, eu consigo. Obrigado. — Engoli nervoso, tentando convencer a mim mesmo que conseguiria.— Não há necessidade de ter medo, querido. Alex e eu já providenciamos tudo — avisou, dando um tapinha no saco marrom do lanche que havia preparado para mim. Eu quase ri lembrando daquela manhã quando ela preparou o sanduíche de peito de peru para o meu almoço e o entregou para mim.Alex havia sido, com