SIMON
Por algum motivo, acabei escapando de Lori e tendo o final de semana livre e sem qualquer castigo. Era um alívio, mas também sabia que na semana seguinte eu pagaria o preço. Lori não era má. Ela era boa para mim, o único adulto que realmente se preocupou comigo durante a minha vida toda. Eu tinha respeito e carinho por ela, mas a última parte eu dificilmente admitiria algum dia.
Quando a segunda-feira chegou, Lori me chamou no escritório dela assim que voltei da escola. Eu tinha certeza que era para falar sobre as minhas notas.
— Entre, querido. Sente-se. — Seu tom não era de alguém que estava bravo ou preocupado. Sentei e fiquei tentando entender o sorriso que se formava em seu rosto.
— Como tem passado, Simon?
— Bem — respondi simplesmente, começando a me sentir desconfortável com o seu sorriso esquisito.
Será que ela e Tito, o policial que tratava de ocorrência dos meninos baderneiros do Lar, finalmente assumiram que estavam querendo um ao outro e estavam saindo?
— Bom! — Pausou por um momento e cruzou suas mãos em cima da sua mesa. — Vou direto ao ponto: Lembra-se do casal da semana passada? — perguntou.
Como diabos eu saberia de qual casal ela estava falando? O orfanato era uma feira de domingo. Sempre havia casais no Lar olhando as crianças. Levantei minha sobrancelha para ela que entendeu na mesma hora a minha dúvida sobre qual casal ela estava falando.
— Claro, temos muitos casais aqui o tempo todo. Eu falo dos Hartnett... O jovem casal? Estiveram aqui na sexta-feira? — Tentou me fazer lembrar. Mas eu já sabia quem era.
— Os que viram você ameaçando a minha única forma de entretenimento para os finais de semana? — brinquei, fazendo ela rolar os olhos para mim.
— Sim, eles mesmo. — Sorriu parecendo satisfeita com a minha memória.
Por que diabos ela estava sorrindo tanto?
E o que tinha aquele casal em específico?
Oh! Porra!
— Não — disse duramente no momento em que percebi o que ela estava tentando me dizer. — Não! Não! E não! — Continuei a dizer, apavorado. — Você prometeu, Lori!
— Eles querem você, Simon.
Por que ela dizia aquilo como se fosse algo legal?
— Para quê? Um ménage? — Minha voz desafinou um pouco quando respondi. O nervosismo estava tomando conta de mim. O que um casal jovem como aquele poderia querer comigo? Provavelmente iam me fazer de escravo sexual. Sei lá!
— Onde você aprendeu sobre isso? — O engraçado foi que a sua pergunta também saiu desafinada. Senti minhas bochechas quentes pelo rubor de ter deixado escapar a minha declaração.
— Eu leio — respondi dando de ombros. Foi bom que eu não tivesse falado a parte do “escravo sexual” também.
— Preciso dar uma olhada no que você anda lendo, rapaz — resmungou. — De qualquer forma, não é isso. Eles querem dar um futuro a você.
— Eu já vou fazer dezoito. Já meio que tenho um futuro — retruquei, sabendo que minha declaração era no mínimo uma piada.
Já tinha um futuro?
— Você vai fazer dezoito em um ano ainda, Simon, e você acha mesmo que tem um futuro, querido? — Dei de ombros novamente. O que ela queria que eu dissesse?
— Por que não fazem um filho? São jovens.
— Ela não pode ter filhos — Lori respondeu com piedade em seu tom de voz.
— Hum... Isso pode ser bom para ela — constatei. — Talvez se contarmos o quanto filhos podem atrapalhar a vida de uma pessoa, eles desistam. Por que não compram um cão?
— Simon!
Ela odiava quando eu falava que era melhor nunca ter existido ou me comparava com um animal. Mas, sério, qual a relevância de povoar o mundo se os pais não têm interesse de ficar com os filhos?
— Lori, eles podem ficar com qualquer criança — falei, frustrado. — Uma criança pequena, eles podem realmente ajudar alguém, mas não precisa ser eu.
— Querido, não cabe a mim contar-lhe o motivo para terem escolhido você, é muito particular para eles, mas suas intenções são reais e honradas.
— Mas só ficarei um ano. Eu farei dezoito e vou cair no mundo, você sabe — eu sempre dizia isso a ela. No momento em que eu fizesse dezoito, ia para onde eu quisesse, ninguém mais decidiria minha vida, onde eu dormiria, comeria ou iria. Eu mandaria em mim.
— Ou você pode ficar... — A solução dela não era viável e ela sabia.
— O que eles vão querer comigo? Sério! Eles precisam de um caseiro para a casa de campo?
— Simon, não seja amargo. Já falei para você que é melhor do que isso.
— Por favor? Deixe-me ficar. — Implorei — Eu ajudo aqui. Não ajudo? Eu sou bom aqui, sou útil.
— Eu juro, querido, juro para você que se não fosse para o melhor, não estaria deixando você ir.
— Você disse isso outras vezes — resmunguei, magoado.
— Eu sei, Simon, mas as coisas realmente mudaram. E você não irá simplesmente, coloquei uma exigência de um mês para fazermos averiguações e vocês se conhecerem. Para saberem se realmente querem essa convivência.
Então nem tudo estava perdido. Eles poderiam mudar de ideia.
**
O mês que se seguiu foi utilizado para eu conhecer o senhor e senhora H, como gostava de chamá-los.
Eles iam ao orfanato para me visitar quase todos os dias. Mais a senhora H. do que o marido. Ela contava que ele era promotor público e estava em um processo muito importante contra o crime organizado e por isso não podia ir todos os dias. Mas o homem era esforçado. Sempre que podia estava lá, por vezes ele chegava correndo, faltando cinco minutos para acabar o nosso tempo juntos, mas ele dava um jeito. Quando não aparecia, ligava para a esposa, perguntava como tudo estava indo e mandava um abraço para mim. Envergonhado, eu assentia em agradecimento, mas não passava disso.
Eles eram sempre muito comunicativos e sorridentes, a mulher mais do que o homem, ele, na verdade, me analisava um pouco mais. Parecia menos envolvido na névoa romântica da adoção. Eu me analisaria também se tivesse uma mulher jovem e bonita em casa e estivesse levando um garoto em plena puberdade que sequer conhecia para a minha família.
Eu não era assim, é claro.
A senhora H. poderia ser uma bela mulher, mas eu tinha respeito e sequer a via desta forma. A repulsa depois de ver Ralf e a escrota da última “mãe” adotiva fazendo sexo sujo me fez ver exatamente o que não queria e nunca faria na minha vida. Eu não seria usado. Ou escravizado. E talvez, por ver a degradação das mulheres que passaram por minha vida ou as histórias que ouvi do destino de muitas crianças adotadas, eu simplesmente não tinha aquilo em mim. Eu respeitava as mulheres. A senhora H. não era diferente. E, para ser honesto, ela era uma pessoa difícil de não gostar. Bem, ele também era. O fato de ele ser cauteloso comigo, precisava ser compreendido e respeitado. E eu fazia isso.
O primeiro encontro foi um tanto silencioso e desconfortável. Até o senhor H. perguntar algo que realmente me chamou a atenção.
— Simon? Você gosta de livros? — E então a minha atenção era deles.
Ele contou que sua esposa gostava de livros e que tinha vários. Muitos mesmo. Tipo uma parede cheia.
A porra de uma parede de livros? Sim, eles tinham a minha atenção. Então o gelo foi sendo quebrado conforme os dias naquele mês iam passando.
ALEXANDERNo momento em que Caterine viu o garoto, a emoção em seus olhos se transformou em algo que eu não sabia identificar. Mas eu podia dizer com convicção uma coisa: Era o mesmo olhar de quando ela me contou que estava grávida. Bem, era o olhar depois que ela me contou sobre a gravidez e viu que eu não ia surtar com um bebê.O mesmo do dia em que nos casamos.Não tinha outra alternativa.Nós tentaríamos adotar um menino de dezessete anos.— Onde paramos? Ah! Sim, as crianças até cinco anos voltaram e... — Lori voltou a falar, mas Caterine continuava me fitando com aquela expressão determinada e apaixonada.— Na verdade, Lori — Interrompi. —, gostaríamos de saber mais sobre Simon, é possível? — Lori olhou para o menino por um momento e olhou para nós com certa dúv
SIMONAs visitas se fizeram muito mais fáceis depois que descobri que os H. tinham uma parede enorme de livros em sua casa, passávamos a maior parte do tempo falando sobre os livros que gostávamos. Contei que gostava de fantasia e terror.— Quais livros você tem? — senhora H. perguntou entusiasmada.— Eu não tenho muitos — respondi sem graça.— Ah! — disse também sem graça. — Você lê na escola, então?— E às vezes vou à livraria e sento lá para ler os livros. — Dei de ombros, como se não fosse grande coisa. Depois disso, os Hartnett passaram a aparecer com sacolas de livros. Lori chamou a atenção deles, dizendo que não era saudável e podia ser interpretado como suborno para eu aceitar ir com eles. Mas a senhora Hartnett tinha algo nela que fazia as pes
SIMONA casa dos Hartnett ficava em Tribeca. Era um bairro legal. Bem diferente dos lugares que eu havia frequentado.Os H. são ricos? Pensei comigo enquanto olhava para os prédios e ruas bem cuidadas do bairro.Eles moravam em um loft, era impressionante, para ser honesto, parecia casa de revista. Era grande e com decoração legal. Tinha uma cozinha imensa, sem contar o número de janelas.— Vamos subir, depois você vê tudo com calma — senhora H. disse pegando a minha mão e subindo para o segundo andar comigo sendo praticamente arrastado por ela. Eu podia ouvir o seu marido resmungando e rindo atrás de nós, mas não consegui entender bem o que ele dizia. Ela parou em frente a uma porta e engoliu em seco, quando me olhou, percebi que havia uma pontada de tristeza em seus olhos, mas rapidamente se apagaram e a tristeza deu lugar ao entusiasmo. E no
SIMONA primeira semana de aula foi ignorada por mim e os Hartnett, eles alegaram que queriam que eu me familiarizasse com o novo lar antes de ingressar, então durante a semana Alexander e Caterine trabalharam em casa, enquanto eu lia e passava tempo com eles. No final de semana iríamos a Jérsei para eu conhecer toda a família. E na próxima semana seria sujeitado à tortura do High School [1] para mauricinhos.Pela manhã, sempre havia café na mesa para nós três. Ao menos não foram servidos na janela, embora eu tenha gostado de comer lá na primeira noite.A mesa era sempre repleta de waffles, pães variados, iogurte, cereal e panquecas. Caterine e Alexander se esforçavam ao máximo e eu conseguia ver aquilo. A preocupação deles em me incluir, em preencher o ambiente com conversa toda vez, contar sobre sua
SIMONNa sexta-feira à noite estávamos seguindo para Nova Jérsei. Eu gostei do carro dos H, eles geralmente usavam apenas táxis para andar por Nova Iorque, o que era totalmente compreensível, mas quando iam para Jérsei, Alexander tirava seu Jeep maneiro da garagem.Eles passaram um bom tempo falando do caso em que Alexander estava trabalhando, o caso Hoffman. Foi um caso que o senhor H. aceitou quando ele e a senhora H. passaram por uma crise, eu não sabia detalhes, mas KitCat, como eu gostava de chamar Caterine, me contou sobre o caso e deixou escapar que foi no meio de um momento complicado para os dois. Tinha pelo menos um ano que ele trabalhava neste caso na promotoria. Caterine trabalhava em casos muito menores e era em defesa e não na acusação como o seu marido, mas era maneiro ouvi-los falando sobre os casos.— Alex, essa música é digna de fazer qualq
SIMON— Mas eu quero dormir com Simon. — Joselie chorou enquanto Josh a pegava no colo.— Mas você não vai, Jo. — Revirou os olhos. — Dá para acreditar? Nem um dia inteiro e ela já está apaixonada pelo Simon aqui.Josie esteve pendurada em mim a noite toda até que finalmente deixou escapar que me amava e que se casaria comigo. Eu engasguei com o refrigerante na minha boca e todos os outros riram da situação, eu era bom com crianças, mas não tinha ideia de que era um destruidor de corações de nove anos de idade.Quando Jojo finalmente se entregou ao sono, Josh voltou.— Agora os homens da casa irão tomar uma bebida forte e conversar sobre coisas de homem no jardim, senhoras — anunciou forçando uma voz autoritária para todos na sala.— Papo machista! — Mary provocou.
SIMONMeu estômago estava pulando para fora do meu corpo no momento em que Carter me deixou em frente à escola Warden High School. Olhei nervosamente para a entrada da imponente escola onde vários alunos já subiam a escadaria e entravam no prédio, mas não saí do carro, nem me movi.— Quer que eu entre com você? — Caterine perguntou devagar, como se estivesse testando o meu humor.— Não, tudo bem, eu consigo. Obrigado. — Engoli nervoso, tentando convencer a mim mesmo que conseguiria.— Não há necessidade de ter medo, querido. Alex e eu já providenciamos tudo — avisou, dando um tapinha no saco marrom do lanche que havia preparado para mim. Eu quase ri lembrando daquela manhã quando ela preparou o sanduíche de peito de peru para o meu almoço e o entregou para mim.Alex havia sido, com
ALEXANDER— É bom falar com você também, Mel. Mande meus cumprimentos a Bennett, por favor. Diga que nos encontramos em breve para o julgamento.— Claro, diga a Carter que enviei as fotos que ela me pediu e que mandei um abraço para ela e parabéns novamente pelo novo membro na família, aguardo fotos de Simon.— Enviaremos. Até mais, Mel!Desliguei o telefone e me joguei na cadeira tentando descansar. Os últimos acontecimentos estavam me deixando exausto. O caso Hoffman estava tomando boa parte de meu tempo e eu queria dar atenção para Simon, precisávamos que ele entendesse que estávamos nessa para valer. Conhecendo o seu histórico, era compreensível que ele estivesse reticente conosco. Parte dele se recusava a acreditar que não seria abandonado. Esta parte estava se preparando para ir embora na primeir