Fui vestida para o meu batismo na boate. Descobri que estou na Cidade do México e hoje serei exibida, junto com Sara, como as novatas da casa.
Dizem que os homens apreciam a inocência. A ideia de que esses predadores de casas noturnas sabem do nosso sequestro, da nossa total falta de escolha, e mesmo assim não se importam, ferve meu sangue. São cúmplices dos traficantes, nos oprimem, nos violentam como se o nosso cativeiro sexual fosse uma trivialidade. É doentio, abjeto, e jamais me resignarei a isso. Não faz parte da minha essência aceitar a desgraça de cabeça baixa. Sou uma lutadora, e enfrentarei essa tormenta com unhas e dentes.
Mesmo que a fuga pareça uma miragem arriscada, se o preço da liberdade for a morte, que seja! Morrerei lutando.
Em breve, começarei a urdir planos para escapar e farei com que o império desses vermes, desses traficantes desprezíveis, desmorone o mais rápido possível.
Sara: Foi ela! —Sara sussurra, enquanto nos vestimos no banheiro exíguo do quarto que nos aprisiona. Entramos duas por vez nesse cubículo, já que é o único disponível. Sara e eu nos aproximamos rapidamente. Talvez a novidade da nossa situação, em contraste com a resignação das outras, tenha nos feito buscar conforto uma na outra. Ambas jogadas nessa lama no mesmo instante, descobrindo juntas as atrocidades que nos aguardam.
Uma pergunta lancinante ecoa em minha mente: será este o meu destino inexorável, o sofrimento sem fim? Que outras provações me aguardam nas sombras do futuro?
Guadalupe: O quê? —pergunto, franzindo a testa, enquanto aperto o corset moderno e vulgar que me vestem à força.
Sara: A Carmen! Ela confidenciou a alguém lá fora que eu sou virgem. Você não percebe que estou sendo vestida de forma ainda mais explícita que vocês? Quando chamaram ela e Adina, foi para isso, para colherem informações sobre nós. É o trabalho delas, elas servem tanto a eles quanto fingem nos ajudar. —A revelação me atinge como um golpe.
Guadalupe: Mas como você sabe disso?
Sara: A costureira… deixou escapar sem querer —ela se volta para mim, o rosto contorcido em desespero. —Eu preciso fazer alguma coisa, Lupe, eu não posso ir —me chama pelo apelido que inventou, a voz embargada pelo choro iminente.
Guadalupe: Você pode dizer que está menstruada… quando for para a… cama… —a palavra soa estranhamente profana em meus lábios —… com algum deles. Você tem que tentar.
Sara: É horrível saber que minha primeira vez será um estupro, nada parecido com o que eu sempre imaginei —a dor em sua voz é um punhal no meu coração.
Guadalupe: Sinto tanto por você, Sara —digo com sinceridade, envolvendo-a em um abraço apertado.
Sara: Você parece tão calma! Como consegue? —ela questiona, os olhos marejados fixos nos meus. Levo um instante para encontrar as palavras.
—É tudo uma máscara —confesso, a voz embargada. Não era difícil imaginar que qualquer semblante de normalidade em uma situação como a nossa era pura fachada. Mas eu me recusava a exibir fraqueza, medo. Mesmo que esses sentimentos me consumissem por dentro, mostrá-los me faria parecer ainda mais vulnerável. —Estou tão devastada quanto você. Compartilhamos a mesma infâmia! Mas a vontade de escapar daqui, a esperança, é um farol colossal em minha alma. —Encaro-a nos olhos, buscando transmitir minha fé através do olhar. —Seremos nós as responsáveis por derrubar o maior clã de tráfico humano do México! —Percebo o tremor em seu peito, a súbita elevação e queda. Acredito ter despertado algo adormecido nela. E é isso que preciso: reacender essa chama não só em Sara, mas em todas as outras.
Contudo, as histórias que ouvi ecoam como um prenúncio sombrio. Elas já tentaram antes, perderam muitas companheiras nessa busca desesperada pela liberdade. O fracasso as deixou ainda mais inseguras, a resignação estampada em seus rostos. Adina e Carmen, por exemplo, aprisionadas há mais tempo, viram sua fé esvair-se diante de tantas perdas. Resolveram, então, aceitar essa realidade brutal como um palco de sobrevivência, onde apenas os mais fortes prosperam.
Tanto que agora é evidente sua conivência com eles, buscando migalhas de benefícios dentro dessa prisão.
Assim que saímos do banheiro, um dos cafetões surge e nos informa que Sara e eu não precisamos nos arrumar tanto, pois desfilaremos sem roupa por ordem de um tal de Alejandro, que presumo ser o líder dessa escória.
Ordinário, desgraçado.
Lágrimas escorrem pelo rosto de Sara.
Sara: Não, por favor, eu não vou ficar nua na frente de vários homens! —ela implora, a voz carregada de desespero.
: Você ainda não entendeu, sua rameira burra? Aqui você faz tudo o que mandamos se não quiser morrer. E não fará diferença nenhuma, porque de um jeito ou de outro você vai ficar nua diante de vários homens. A diferença é que será um por vez, em um quarto, sozinhas —o homem rosna, sua crueldade cortando o ar. Abraço Sara, sentindo o desespero me envolver ao imaginar a humilhação de me exibir nua para aqueles velhos repulsivos. Contudo, algo mais forte, mais visceral, cresce em meu interior: raiva! Sinto um ódio profundo por esses vermes. —Vocês têm trinta minutos para estarem prontas. O espetáculo hoje serão vocês duas —ele sibila, referindo-se a mim e a Sara. —E você —ele aponta para Sara, avaliando seu corpo com um olhar lascivo —trate de estar impecável. Você será a atração da noite. Os homens adoram carne fresca, e ainda mais quando é zero-bala como você. —Meu coração se aperta por Sara, sua expressão oscilando entre o desespero e o choque.
O cafetão asqueroso se retira, e Sara se vira rapidamente, encontrando o olhar de Carmen.
Sara: Como você pôde? Não passou pela sua cabeça que já seria difícil demais para mim ir para a cama com um estranho? E você ainda decide contar que eu sou virgem para que eles me exponham nua diante de todos? Você é tão repugnante quanto eles! —as palavras de Sara são cuspidas com fúria.
Carmem: Você ainda é muito nova! Tanto em idade quanto nesse meio. Talvez ainda não entenda, mas aqui, a gente precisa lutar e usar as armas que temos —Carmen responde, sua voz fria e calculista.
Sara: Colocando outras meninas em uma situação como essa? Meninas que, assim como você um dia, eram novas demais para entender tudo isso? Não, isso não é lutar, é aceitar essa merda! É ainda pior, é se tornar um deles! —a voz de Sara treme, carregada de indignação.
Um silêncio pesado se instala no quarto. As outras meninas trocam olhares furtivos, surpresas com a ousadia de Sara. Talvez porque idolatrem Carmen demais para conceberem tal afronta, ou talvez porque as palavras de Sara tenham despertado uma fagulha de verdade em suas mentes.
Talvez, pela primeira vez, a máscara de confiança de Carmen tenha s
e rachado, expondo sua aliança com os opressores.
Os olhos de Carmen estavam marejados, a dor das palavras de Sara era palpável.Adina avançou, a fúria estampada no rosto. Adina: Escuta aqui, sua insignificante vadiazinha! – Sua voz era carregada de veneno, cada passo em direção a Sara era uma ameaça. Instintivamente, me coloquei entre elas. Adina parou bruscamente, e um silêncio tenso se instalou no ar. Nossos olhares se encontraram, o meu e o dela, faiscando uma hostilidade pronta para explodir. Adina: Sara... – Adina começou, os olhos fixos em mim por um instante, antes de se desviarem para a garota atrás de mim. – Você deveria lavar essa boca imunda antes de falar do que não sabe.Guadalupe: Do que ela não sabe? – a indignação colorindo minha voz. – Que vocês ajudam esses vermes nojentos, isso já ficou claro para todas nós. Chegamos ontem e já vimos como você nos entrega. Disse que a Sara era virgem e só piorou as coisas para ela. Poderíamos ter resolvido isso lá embaixo, ela poderia ter escolhido com quem perderia a virgindad
: repita!! — ele ordena, e só então percebo que realmente falei em voz alta.Merda, merda, merda!Os olhos de Sara se arregalam em pavor. Carmen e as outras meninas enrijecem, a tensão palpável no ar. A piranha da Adina mantém um meio sorriso perverso dançando no canto da boca. O rosto do homem permanece sério, mas seus olhos também carregam uma malícia fria, e um sorriso vil paira em seus lábios. — Repita, Little Angel — ele pede agora, a voz surpreendentemente tranquila, quase um sussurro aveludado.Mas que droga! Minha garganta se fechou, as palavras se recusavam a sair. O pânico me paralisava.Ele esboça um sorriso torto, um brilho lascivo em seus olhos, e então me lança um olhar sujo, mordiscando os lábios inferiores de forma provocadora.— Mais tarde, quando seu horário de trabalho terminar, quero que visite meus aposentos — ele declara, a voz firme e objetiva, como se não me desse sequer a opção de protestar. Em seguida, começa a caminhar em direção à porta, pronto para partir
O interior do lugar engolia a luz, banhado em um all black opulento. Um vasto salão se descortinava, adornado por um bar elegante com um bartender solitário em um canto. A música, carregada de sensualidade latente, pairava no ar, envolvendo as mesas e cadeiras dispostas em antecipação. A ausência de outros naquele momento criava uma atmosfera de expectativa, como se o público estivesse a segundos de desaguar ali. Era inegavelmente um ambiente estiloso, com uma aura de forte personalidade, não fosse a sombria razão que nos havia trazido àquele antro.A escassez de luminosidade se somava ao peso visual da paleta monocromática, conferindo ao espaço uma opressão palpável. Enquanto meus olhos ainda percorriam os detalhes, um palco discreto chamou minha atenção. Fomos conduzidas para os bastidores daquela plataforma improvisada, onde um espelho amplo refletia nossas figuras tensas. Ao lado, itens de maquiagem repousavam inertes, e um banheiro acenava com uma promessa vã de privacidade. Vár
GuadalupeGinevra: Volta aqui agora, sua garota mal-educada! — a voz estridente da minha mãe ecoou pelo corredor enquanto eu arremessava a porta do meu quarto com um estrondo raivoso, trancando-a em seguida.— Eu odeio essa merda de vida! — rosnei para o vazio, antes de me jogar na cama e afogar as lágrimas no travesseiro. Do outro lado da porta, a torrente de insultos maternos não cessava, cada palavra uma farpa afiada cravando em minha alma: insignificante, imprestável, um peso morto que só lhe trazia desgraça.Tapei os ouvidos com força, tentando abafar aquela avalanche de crueldade. Eu sei, não sou flor que se cheire. Mas também não nasci em um lar de comercial de margarina, onde se poderia dizer com falsa indignação: "Ah, não consigo entender por que essa menina é assim, sempre lhe demos uma boa educação."Não, meus caros. Longe disso.Minha família é um pandemônio, um reflexo sombrio do caos que se instalou em minha existência. Moro em Catânia, essa cidade siciliana sufocante,
: Menina novaaa! — o cara grita uns quatro segundos depois de entrar, e logo após, os dois homens que me trouxeram para cá empurram outra garota para dentro.Ela se debatia e xingava sem parar, até que a jogam de qualquer jeito no chão. O impacto ecoa no ambiente tenso.Guadalupe: Que tipo de brincadeira é essa? — pergunto, a voz saindo rouca entre dentes. Uma onda de descrença me atinge. Eu me recuso a aceitar que fui de fato traficada.No meu bairro, histórias de meninas desaparecendo eram sussurros constantes, sombras nos nossos pensamentos. Mas a gente nunca imagina que a escuridão pode nos engolir. E, de verdade, cada fibra do meu ser se rebela contra a ideia de estar aqui.Um silêncio pesado se instala. As outras meninas trocam olhares rápidos entre mim e os homens, um medo silencioso estampado em seus rostos, como se soubessem o prenúncio de algo terrível. Os três homens nos encaram com uma frieza cortante, impassíveis. De repente, uma risada rouca e cruel ecoa entre eles, enqu