O interior do lugar engolia a luz, banhado em um all black opulento. Um vasto salão se descortinava, adornado por um bar elegante com um bartender solitário em um canto.
A música, carregada de sensualidade latente, pairava no ar, envolvendo as mesas e cadeiras dispostas em antecipação. A ausência de outros naquele momento criava uma atmosfera de expectativa, como se o público estivesse a segundos de desaguar ali. Era inegavelmente um ambiente estiloso, com uma aura de forte personalidade, não fosse a sombria razão que nos havia trazido àquele antro.
A escassez de luminosidade se somava ao peso visual da paleta monocromática, conferindo ao espaço uma opressão palpável. Enquanto meus olhos ainda percorriam os detalhes, um palco discreto chamou minha atenção. Fomos conduzidas para os bastidores daquela plataforma improvisada, onde um espelho amplo refletia nossas figuras tensas. Ao lado, itens de maquiagem repousavam inertes, e um banheiro acenava com uma promessa vã de privacidade. Vários frascos de óleos lubrificantes completavam a cena, um lembrete cru do que nos esperava.
Carmen postou-se à nossa frente, a postura carregada de uma autoridade fria.
Carmen: Vamos, meninas. Para as novatas — sua voz era firme, percorrendo cada rosto, evitando, porém, o meu e o de Sara —, aqui funciona assim: eu dou as ordens. Em breve, os homens chegarão e todas vocês, exceto Sara e Lupi, circularão pelo salão, entre eles.
Guadalupe: — E nós? O que temos que fazer? — Minha voz saiu carregada de uma hostilidade mal disfarçada. Eu tentava projetar uma fachada de força, talvez por Sara, mas um turbilhão de nervosismo agitava meu interior diante da ideia repugnante de ter que me deitar com aqueles homens abjetos.
Carmen: Vocês tirem a roupa! — A ordem de Carmen cortou o ar, seca e desprovida de qualquer resquício de humanidade. Adina lançou-me um olhar petulante, como se saboreasse meu desconforto.
Sara: Essa história de posar nua é... literalmente nua mesmo? — A voz da pobre Sara vacilou, carregada de uma indignação que ecoava a minha.
Adina: Claro, querida. Ou você acha que o sinônimo de "nua" é "com pouca roupa"? — Ela gesticulou as aspas com os dedos, um sorriso zombeteiro curvando seus lábios.
Dei um passo à frente, fixando meus olhos nos dela, a raiva fervilhando em minhas veias.
Guadalupe: Você cala essa boca imunda pelo menos uma vez, ou eu vou te mostrar qual o verdadeiro sinônimo de "quebrar seus dentes" — retruquei, imitando seu gesto de aspas com um sarcasmo venenoso.
Carmen: Tá legal! — Carmen interveio, percebendo a iminente explosão entre mim e Adina. — Vocês podem posar de roupa íntima.
Adina: O quê? Não acredito que você está dando essa colher de chá para elas! Você não pode! Todas nós passamos por isso. Por que com elas seria diferente? — Sua revolta era palpável, cada palavra carregada de rancor.
Carmen: Por favor, Adina — Carmen fechou os olhos, respirando fundo em uma tentativa visível de manter a compostura. — Eu já deixei você se intrometer demais. Aqui, quem organiza sou eu, ou melhor, os cafetões. Então, por favor, fique calada e me deixe fazer o meu trabalho. Vocês podem entrar de calcinha e sutiã! — Naquele instante fugaz, seus olhos encontraram os nossos. E foi naquele único momento que ela fez algo genuinamente gentil por mim e Sara, talvez movida por um resquício de culpa pelo mal que já nos havia causado.
Guadalupe: Obrigada — murmurei em um tom baixo, desviando o olhar. Ela não conseguia nos encarar pela culpa que a corroía, e eu não conseguia encará-la pelo rancor que me consumia. Embora sua mente provavelmente tecesse justificativas para suas ações, para mim, nada atenuava o erro, especialmente sua antipatia visceral por nós, em particular por Sara.
Juntas, nos afastamos para um canto isolado e despi-nos, restando apenas a fina barreira da lingerie.
Hoje, minha insegurança com meu corpo parecia estranhamente diminuída. O desconforto que me invadia era puramente pela humilhação de estar quase nua diante de estranhos, homens que me olhariam como um mero objeto de prazer. Para Sara, a situação era ainda mais dolorosa, exacerbada por suas próprias inseguranças corporais.
Guadalupe: — Você é linda, Sara. E infelizmente, todos esses porcos imundos também vão perceber, porque é algo evidente. Não se deixe abalar por mais essa — sussurrei, mais como um apelo do que uma constatação. Era angustiante ver o desespero estampado em seu rosto, o terror de se expor diante daqueles homens, tão fragilizada por suas próprias dúvidas. E havia ainda a questão da sua virgindade, a ideia de ter que entregá-la a um deles... Não! Na verdade, não era uma entrega. ELES estavam roubando isso dela. E essa constatação só acendia em mim uma sede ainda maior de fazê-los sofrer também, de tirar deles tudo o que estavam nos tirando: nossa dignidade.
Sara: Eu nunca senti tanta vontade de que eles me achassem feia e brega — sua tentativa de humor era tênue, e forcei um sorriso, ao qual ela respondeu com um esboço hesitante.
Guadalupe: Lamentavelmente, isso é impossível, Sara — respondi, e ela respirou fundo, repetindo o ritual silencioso que eu lhe havia ensinado ao entrarmos naquele inferno — Tenta não perder o controle desse exercício, tá bom? Você não pode entrar em desespero lá na frente. Você não vai! Você é forte, nasceu mulher! — Tentei infundir-lhe coragem com palavras de empoderamento. E então, saímos. As outras meninas nos observaram de cima a baixo, e senti o olhar acolhedor de todas elas, com a óbvia exceção de Adina.
Seus olhos transmitiam força, um apoio silencioso e visível.
Aruna: — Vai acabar rápido — a indiana sussurrou para mim e Sara, oferecendo um sorriso encorajador que retribuímos.
Poucos minutos depois, murmúrios indistintos começaram a ecoar, anunciando a chegada deles: os homens.
Carmen: Outra coisa que preciso que saibam — ela se dirigiu a nós duas, a voz agora carregada de uma seriedade sombria. — Todos esses homens que estão lá fora não são pessoas comuns. São indivíduos com muito poder e influência na sociedade. Desde um delegado até um chefe de máfia, um filho de um chefe de máfia, um empresário renomado. Todos, sem exceção, têm dinheiro e poder. — Eu sabia que essa informação era um aviso, talvez para nossa própria segurança. — E vocês, em hipótese alguma, podem pedir ajuda a eles. — Estreitei os olhos, sem entender, e ela percebeu minha confusão. — Alguns acham que estamos aqui por escolha, que trabalhamos como profissionais do sexo. Sei que é difícil de acreditar, mas alguns lá fora até nos respeitam. Então, se vocês disserem que estão aqui obrigadas, alguns não se importarão, mas os caras decentes que nos respeitam e não sabem a verdade com certeza tentarão ajudar. E, dessa forma, ele nunca mais verá vocês, ou vocês nunca mais o verão. — A informação era alarmante, mas a desesperança me impedia de descartar completamente a ideia de arriscar.
Poderia ser nossa única saída. Contudo, eu sabia que precisava ser cautelosa, agir com inteligência. Embora meu desejo de escapar fosse avassalador, qualquer passo em falso poderia anular minhas chances para sempre.
Se ela estava nos alertando, era porque certamente alguém já havia tentado pedir ajuda e as consequências foram terríveis. E Carmen sabia que éramos capazes dessa ousadia. — Não os façam chegar ao nível de ameaçar a família de vocês — a advertência final fez os olhos de Sara se arregalarem, um som de surpresa escapando de seus lábios.
Sara: O quê? Eles sabem das nossas famílias? — Sua voz era um fio de desespero. Aquela revelação me atingiu como um soco no estômago. Pensei na minha mãe, a única família que eu tinha. Será que ela estava preocupada com meu desaparecimento? Estaria me procurando? Provavelmente não! Ela sempre cagou para mim, absorta em seu mundo que girava em torno daquele verme do Bruno. Contudo, ela ainda era minha mãe, e eu não queria que aqueles filhos da puta a machucassem por minha causa.
Carmen: Eles têm acesso às nossas vidas antes mesmo de nos trazerem para cá. Eles só esperam a hora certa para poder ameaçar.
Adina: Normalmente no início, quando a gente costuma ser mais rebelde — ela disse, fixando seus olhos venenosos em mim. E, naquele instante, uma certeza sombria se instalou em meu peito: mais cedo ou mais tarde, eu colocaria minhas mãos naquela garota.
GuadalupeGinevra: Volta aqui agora, sua garota mal-educada! — a voz estridente da minha mãe ecoou pelo corredor enquanto eu arremessava a porta do meu quarto com um estrondo raivoso, trancando-a em seguida.— Eu odeio essa merda de vida! — rosnei para o vazio, antes de me jogar na cama e afogar as lágrimas no travesseiro. Do outro lado da porta, a torrente de insultos maternos não cessava, cada palavra uma farpa afiada cravando em minha alma: insignificante, imprestável, um peso morto que só lhe trazia desgraça.Tapei os ouvidos com força, tentando abafar aquela avalanche de crueldade. Eu sei, não sou flor que se cheire. Mas também não nasci em um lar de comercial de margarina, onde se poderia dizer com falsa indignação: "Ah, não consigo entender por que essa menina é assim, sempre lhe demos uma boa educação."Não, meus caros. Longe disso.Minha família é um pandemônio, um reflexo sombrio do caos que se instalou em minha existência. Moro em Catânia, essa cidade siciliana sufocante,
: Menina novaaa! — o cara grita uns quatro segundos depois de entrar, e logo após, os dois homens que me trouxeram para cá empurram outra garota para dentro.Ela se debatia e xingava sem parar, até que a jogam de qualquer jeito no chão. O impacto ecoa no ambiente tenso.Guadalupe: Que tipo de brincadeira é essa? — pergunto, a voz saindo rouca entre dentes. Uma onda de descrença me atinge. Eu me recuso a aceitar que fui de fato traficada.No meu bairro, histórias de meninas desaparecendo eram sussurros constantes, sombras nos nossos pensamentos. Mas a gente nunca imagina que a escuridão pode nos engolir. E, de verdade, cada fibra do meu ser se rebela contra a ideia de estar aqui.Um silêncio pesado se instala. As outras meninas trocam olhares rápidos entre mim e os homens, um medo silencioso estampado em seus rostos, como se soubessem o prenúncio de algo terrível. Os três homens nos encaram com uma frieza cortante, impassíveis. De repente, uma risada rouca e cruel ecoa entre eles, enqu
Fui vestida para o meu batismo na boate. Descobri que estou na Cidade do México e hoje serei exibida, junto com Sara, como as novatas da casa.Dizem que os homens apreciam a inocência. A ideia de que esses predadores de casas noturnas sabem do nosso sequestro, da nossa total falta de escolha, e mesmo assim não se importam, ferve meu sangue. São cúmplices dos traficantes, nos oprimem, nos violentam como se o nosso cativeiro sexual fosse uma trivialidade. É doentio, abjeto, e jamais me resignarei a isso. Não faz parte da minha essência aceitar a desgraça de cabeça baixa. Sou uma lutadora, e enfrentarei essa tormenta com unhas e dentes.Mesmo que a fuga pareça uma miragem arriscada, se o preço da liberdade for a morte, que seja! Morrerei lutando.Em breve, começarei a urdir planos para escapar e farei com que o império desses vermes, desses traficantes desprezíveis, desmorone o mais rápido possível.Sara: Foi ela! —Sara sussurra, enquanto nos vestimos no banheiro exíguo do quarto que nos
Os olhos de Carmen estavam marejados, a dor das palavras de Sara era palpável.Adina avançou, a fúria estampada no rosto. Adina: Escuta aqui, sua insignificante vadiazinha! – Sua voz era carregada de veneno, cada passo em direção a Sara era uma ameaça. Instintivamente, me coloquei entre elas. Adina parou bruscamente, e um silêncio tenso se instalou no ar. Nossos olhares se encontraram, o meu e o dela, faiscando uma hostilidade pronta para explodir. Adina: Sara... – Adina começou, os olhos fixos em mim por um instante, antes de se desviarem para a garota atrás de mim. – Você deveria lavar essa boca imunda antes de falar do que não sabe.Guadalupe: Do que ela não sabe? – a indignação colorindo minha voz. – Que vocês ajudam esses vermes nojentos, isso já ficou claro para todas nós. Chegamos ontem e já vimos como você nos entrega. Disse que a Sara era virgem e só piorou as coisas para ela. Poderíamos ter resolvido isso lá embaixo, ela poderia ter escolhido com quem perderia a virgindad
: repita!! — ele ordena, e só então percebo que realmente falei em voz alta.Merda, merda, merda!Os olhos de Sara se arregalam em pavor. Carmen e as outras meninas enrijecem, a tensão palpável no ar. A piranha da Adina mantém um meio sorriso perverso dançando no canto da boca. O rosto do homem permanece sério, mas seus olhos também carregam uma malícia fria, e um sorriso vil paira em seus lábios. — Repita, Little Angel — ele pede agora, a voz surpreendentemente tranquila, quase um sussurro aveludado.Mas que droga! Minha garganta se fechou, as palavras se recusavam a sair. O pânico me paralisava.Ele esboça um sorriso torto, um brilho lascivo em seus olhos, e então me lança um olhar sujo, mordiscando os lábios inferiores de forma provocadora.— Mais tarde, quando seu horário de trabalho terminar, quero que visite meus aposentos — ele declara, a voz firme e objetiva, como se não me desse sequer a opção de protestar. Em seguida, começa a caminhar em direção à porta, pronto para partir