: Menina novaaa! — o cara grita uns quatro segundos depois de entrar, e logo após, os dois homens que me trouxeram para cá empurram outra garota para dentro.
Ela se debatia e xingava sem parar, até que a jogam de qualquer jeito no chão. O impacto ecoa no ambiente tenso.
Guadalupe: Que tipo de brincadeira é essa? — pergunto, a voz saindo rouca entre dentes. Uma onda de descrença me atinge. Eu me recuso a aceitar que fui de fato traficada.
No meu bairro, histórias de meninas desaparecendo eram sussurros constantes, sombras nos nossos pensamentos. Mas a gente nunca imagina que a escuridão pode nos engolir. E, de verdade, cada fibra do meu ser se rebela contra a ideia de estar aqui.
Um silêncio pesado se instala. As outras meninas trocam olhares rápidos entre mim e os homens, um medo silencioso estampado em seus rostos, como se soubessem o prenúncio de algo terrível. Os três homens nos encaram com uma frieza cortante, impassíveis. De repente, uma risada rouca e cruel ecoa entre eles, enquanto as meninas permanecem paralisadas, o espanto visível em cada traço.
: Isso aqui tem cara de brincadeira, por acaso? — o grandão, de pele quase translúcida, debocha. — As novatas sempre são as mais patéticas — completa, e os outros dois homens de terno se juntam ao escárnio, seus sorrisos predatórios.
Carmen: Não se desespere... só vai piorar para você — ela sussurra, a voz carregada de uma resignação sombria, as palavras atingindo-me como um calafrio.
: O quê? Isso é um prostíbulo? — a garota que acabaram de jogar aqui dentro pergunta, a voz embargada pelo choro e pela raiva. Seus olhos marejados faiscam indignação. — Vocês me enganaram, seus infelizes? — Não posso julgá-la por seu escândalo. Sinto o mesmo nó na garganta, a mesma revolta borbulhando em minhas veias. — Eu tenho família, seus porcos imundos! — ela começa a soluçar desesperadamente, e lágrimas quentes ameaçam transbordar dos meus próprios olhos. — Me deixem sair daqui! — sua voz agora é um rosnado desesperado, e o olhar gélido do homem transparente me faz temer por ela. Ele caminha lentamente em sua direção, cada passo carregado de ameaça. Algumas das meninas se viram, outras encontram qualquer distração para não testemunhar o que está prestes a acontecer, como se já conhecessem o roteiro macabro.
: Você não tem opções aqui, nenhuma de vocês tem, entendeu, mulher? — ele pergunta em um tom surpreendentemente calmo, mas a frieza em seus olhos gela o sangue nas minhas veias. A garota, porém, exibe uma coragem desesperada. Ela se levanta de repente, encarando-o com desafio.
: Você não pode me obrigar a ficar aqui! — ela quase grita em seu rosto, e o estalo seco de um tapa ecoa repentinamente pelo quarto, cortando o ar como um raio.
O homem acertou um tapa violento em sua face esquerda.
Um som de susto escapa da minha boca antes que eu consiga sequer processá-lo. Meu corpo todo estremece.
: Você, aqui, como todas as outras, não passa de uma prostituta. Pra te batizar como tal, sua putinha afrontosa... — ele sibila, enquanto começa a afrouxar o cinto das calças. Gotas de suor brilham em sua testa, sua respiração é ofegante e pesada. Meu estômago se revira em um misto de náusea e pavor. O que ele vai fazer?
Carmen: Não faça isso, Chinchurreta. Ela vai aprender, logo. Ainda é nova — pede, e entre as meninas era visível que sua voz tinha mais peso, talvez mais coragem. Era ela quem parecia exercer alguma influência sobre as outras, além de aparentar ser a mais velha.
Chinchurreta: ...Coloque na boca — ele ordena, expondo o membro e forçando-a a obedecer, ignorando o apelo de Carmen. A menina balançava a cabeça freneticamente em negação, o choque estampado em seus olhos. Mas ele a subjugou mesmo assim. Depois daquela cena nauseante, vomitei horrores quando eles finalmente saíram.
Carmen: Sinto muito por isso — diz, ajudando a moça que estava no chão, soluçando, enquanto me lançava um olhar de compaixão.
Éramos treze meninas, quatorze comigo.
: Levante e limpe isso — a mesma que me mostrara insensibilidade na minha chegada ordena, apontando para um canto onde havia um balde, panos de chão e uma pia com torneira. Lancei-lhe meu olhar mais obstinado. Imaginava que ela também fora uma novata um dia, deveria ter um pouco mais de empatia, menos crueldade.
No entanto, me levanto e vou até a pia. Encho o balde com água, molho o pano e adiciono produtos de limpeza, tentando também desinfetar o ar pesado. O silêncio reina, a menina continua chorando convulsivamente, e a angústia me sufoca. Preciso que digam algo.
Guadalupe: Ok — digo, encarando todas. — Já entendi que fomos traficadas. — Engulo em seco, a constatação me invade com uma onda de horror, uma vontade selvagem de me desesperar. Mas me recuso a ceder. — Mas podem, por favor, me dizer que há um jeito de fugir daqui? — quase imploro. A menina que Chinchurreta havia ultrajado me olha com urgência, depois volta seu olhar para as outras, compartilhando minha ânsia por uma resposta.
: Que boba — debocha a mesma mulher, e uma risada áspera escapa de sua garganta enquanto balança a cabeça em negação. — Você realmente acha que, se houvesse um jeito, ainda estaríamos aqui? — Minha antipatia por ela cresce a cada segundo, paralela ao ódio visceral que sinto por essa pocilga.
Carmen lhe lança um olhar de reprovação antes de me dirigir um olhar acolhedor.
Carmen: Eu sei que é difícil para vocês, foi para nós também. Cada uma aqui tem uma história diferente, que creio que não se importam de contar. — Ela queria que compartilhássemos nossas experiências, talvez para que nós, as novatas, entendêssemos que não éramos as únicas a ter passado por algo terrível para parar aqui, que todas ali também carregavam suas cicatrizes. Mas naquele momento, a última coisa que eu queria era um festival de desgraças. — A primeira noite será a pior, vocês vão chorar durante a noite inteira. Mas nada se compara ao primeiro programa, à primeira boate, ao primeiro cliente... — ela diz com um peso palpável na voz, e a menina chora com mais intensidade. — Então, meninas, eu preciso saber... Vocês ainda são virgens? — Tenho vinte anos e perdi a minha no auge dos dezessete, então a resposta é um sonoro não. E imagino que nenhuma das outras ali seja. A novata nos olha, desconcertada, tentando em vão controlar os soluços.
: Eu ainda sou! — Algumas meninas a olham com uma ponta de pena, assim como eu.
Carmen: Você vale mais para eles. — Balanço a cabeça negativamente, sentindo a bile da revolta subir à garganta diante de tamanha aberração.
Guadalupe: Alguma de vocês já tentou fugir? — Essa é a única pergunta que ecoa na minha mente.
: Óbvio! Algumas morreram por tentar. Éramos vinte fora vocês duas — outra voz se manifesta, vinda de um canto mais escuro. A dona era uma mulher de pele negra e cabelos lisos e negros, com uma aura quase indígena. — Três eles mataram por tentar fugir. Uma delas, eles fizeram questão que nós víssemos, para que não tentássemos também. — Meu Deus, que horror. — Duas se mataram, uma conseguiu fugir, mas nenhuma de nós sabe se ainda está viva. E duas eles venderam.
Guadalupe: Venderam?
: Sim! Às vezes, alguns traficantes, chefes de máfia, acabam comprando para nos fazer de suas mulheres — a moça que parecia indígena falou novamente.
: Às vezes pode ser o melhor caminho. Se você der sorte, eles serão maridos bons — uma outra, que ainda não tinha se pronunciado, disse enquanto prendia o cabelo, oferecendo-me um sorriso sem mostrar os dentes.
Carmen: Essa aqui é Anninka — ela começa a nos apresentar as meninas. Essa era bem bonita, parecia ter a minha idade e era extremamente calada. Estava encolhida em um canto, com uma expressão constante de medo. — Ela está conosco há cinco meses e é polonesa, tem dezenove anos. Anninka ainda não conseguiu se acostumar com tudo isso — diz, e eu observo aquela figura pequena, encolhida e visivelmente traumatizada. — Essa aqui — ela aponta para a mulher que me tratou mal e foi tão indelicada — é Adina, canadense, e foi a terceira a chegar aqui, tem vinte e quatro anos. Eu fui a primeira, e outras duas vieram depois, foram as que morreram tentando fugir. — O olhar de Carmen se turva naquele instante, carregado de mágoa e profunda tristeza.
Ela apresentou todas as meninas. A que parecia indígena e havia falado comigo se chama Aruna, veio da Índia e tem vinte e dois anos. As outras seis não se comunicam muito, são todas muito quietas e inseguras, seria difícil memorizar seus nomes. Mas todas têm entre dezenove e vinte e cinco anos. A menina nova se chama Sara e é colombiana, tem vinte anos. E Carmen é venezuelana, a mais velha e respeitada ali, com vinte e nove anos.
Todas compartilharam como vieram parar ali. A maioria foi enganada, trazida com promessas de trabalho que se desvaneceram ao cruzar a soleira daquele inferno. Sara e eu fomos sequestradas, chegamos quase juntas, e eu sentia uma pontada de pena por ela, por mim e por todas as outras almas aprisionadas ali.
Minutos arrastados se passaram, e eu já havia perdido a noção do tempo, até que um homem entra, trazendo uma bandeja de comida, seguido por outro com mais uma. Eles depositam as bandejas no chão e chamam Carmen e Adina. Elas se levantam, e eu me pergunto o motivo daquela distinção. Ao que parece, elas gozam de mais "crédito" com aqueles homens do que o restante de nós.
Segundos tensos se esvaem até que elas retornam. O rosto de Carmen está sombrio, carregado de apreensão. Adina mantém sua expressão habitual, fria e indecifrável. Então, os homens nos chamam: eu e Sara. Nossos olhares se cruzam por um instante, antes que eu desvie o meu para Carmen, que parece incapaz de encarar a mim e Sara. Mas Adina me olha, sem alegria, mas também sem uma emoção clara que eu pudesse decifrar.
Fomos. O medo era uma garra gelada apertando meu peito. Eles nos guiam por um corredor estranho, escuro e estreito. Entramos em uma sala onde uma mulher está rodeada por pilhas de roupas jogadas no chão. Deduzo que seja a costureira.
: Olá, meninas, que lindas vocês são! — ela nos avalia com um sorriso que não alcança os olhos. Mais parecia uma hiena dissimulada. — Vocês farão um sucesso absurdo aqui. — Ela se aproxima e caminha ao nosso redor, nos examinando como peças de carne. — Se forem espertas e souberem usar isso a seu favor, serão respeitadas. Tudo o que precisam é ser boas garotas! — Uma fúria silenciosa me invade, a vontade de estrangular aquela criatura é quase física. — Meu nome é Tirra, e eu sou responsável pelas roupas de vocês. — Ela sorri falsamente. — Não se preocupem, vou preparar algo lindo para a primeira vez de vocês em uma casa noturna, será inesquecível! — Seu entusiasmo me causa ânsia.
Sara: Casa... casa noturna? — ela gagueja, o terror visível em seus olhos arregalados.
Tirra: Sim. — Tirra a encara com um sorriso forçado. — Não se preocupe, você vai se acostumar depois que começar a ganhar dinheiro. Dinheiro vicia, minhas jovens — fala sem parar de sorrir. — Ah, vinte por cento do que vocês ganham vem para mim, e cinquenta por cento é para Alejandro, nosso chefe, caso ainda não o conheçam. — Olho para ela e depois para Sara, completamente revoltada com a perspectiva de ficarmos com míseros trinta por cento, dinheiro esse que provavelmente será usado para alguma necessidade dentro dessas paredes, já que a liberdade nos foi roubada. Não é à toa que tantas desistiram da vida.
Fui vestida para o meu batismo na boate. Descobri que estou na Cidade do México e hoje serei exibida, junto com Sara, como as novatas da casa.Dizem que os homens apreciam a inocência. A ideia de que esses predadores de casas noturnas sabem do nosso sequestro, da nossa total falta de escolha, e mesmo assim não se importam, ferve meu sangue. São cúmplices dos traficantes, nos oprimem, nos violentam como se o nosso cativeiro sexual fosse uma trivialidade. É doentio, abjeto, e jamais me resignarei a isso. Não faz parte da minha essência aceitar a desgraça de cabeça baixa. Sou uma lutadora, e enfrentarei essa tormenta com unhas e dentes.Mesmo que a fuga pareça uma miragem arriscada, se o preço da liberdade for a morte, que seja! Morrerei lutando.Em breve, começarei a urdir planos para escapar e farei com que o império desses vermes, desses traficantes desprezíveis, desmorone o mais rápido possível.Sara: Foi ela! —Sara sussurra, enquanto nos vestimos no banheiro exíguo do quarto que nos
Os olhos de Carmen estavam marejados, a dor das palavras de Sara era palpável.Adina avançou, a fúria estampada no rosto. Adina: Escuta aqui, sua insignificante vadiazinha! – Sua voz era carregada de veneno, cada passo em direção a Sara era uma ameaça. Instintivamente, me coloquei entre elas. Adina parou bruscamente, e um silêncio tenso se instalou no ar. Nossos olhares se encontraram, o meu e o dela, faiscando uma hostilidade pronta para explodir. Adina: Sara... – Adina começou, os olhos fixos em mim por um instante, antes de se desviarem para a garota atrás de mim. – Você deveria lavar essa boca imunda antes de falar do que não sabe.Guadalupe: Do que ela não sabe? – a indignação colorindo minha voz. – Que vocês ajudam esses vermes nojentos, isso já ficou claro para todas nós. Chegamos ontem e já vimos como você nos entrega. Disse que a Sara era virgem e só piorou as coisas para ela. Poderíamos ter resolvido isso lá embaixo, ela poderia ter escolhido com quem perderia a virgindad
: repita!! — ele ordena, e só então percebo que realmente falei em voz alta.Merda, merda, merda!Os olhos de Sara se arregalam em pavor. Carmen e as outras meninas enrijecem, a tensão palpável no ar. A piranha da Adina mantém um meio sorriso perverso dançando no canto da boca. O rosto do homem permanece sério, mas seus olhos também carregam uma malícia fria, e um sorriso vil paira em seus lábios. — Repita, Little Angel — ele pede agora, a voz surpreendentemente tranquila, quase um sussurro aveludado.Mas que droga! Minha garganta se fechou, as palavras se recusavam a sair. O pânico me paralisava.Ele esboça um sorriso torto, um brilho lascivo em seus olhos, e então me lança um olhar sujo, mordiscando os lábios inferiores de forma provocadora.— Mais tarde, quando seu horário de trabalho terminar, quero que visite meus aposentos — ele declara, a voz firme e objetiva, como se não me desse sequer a opção de protestar. Em seguida, começa a caminhar em direção à porta, pronto para partir
O interior do lugar engolia a luz, banhado em um all black opulento. Um vasto salão se descortinava, adornado por um bar elegante com um bartender solitário em um canto. A música, carregada de sensualidade latente, pairava no ar, envolvendo as mesas e cadeiras dispostas em antecipação. A ausência de outros naquele momento criava uma atmosfera de expectativa, como se o público estivesse a segundos de desaguar ali. Era inegavelmente um ambiente estiloso, com uma aura de forte personalidade, não fosse a sombria razão que nos havia trazido àquele antro.A escassez de luminosidade se somava ao peso visual da paleta monocromática, conferindo ao espaço uma opressão palpável. Enquanto meus olhos ainda percorriam os detalhes, um palco discreto chamou minha atenção. Fomos conduzidas para os bastidores daquela plataforma improvisada, onde um espelho amplo refletia nossas figuras tensas. Ao lado, itens de maquiagem repousavam inertes, e um banheiro acenava com uma promessa vã de privacidade. Vár
GuadalupeGinevra: Volta aqui agora, sua garota mal-educada! — a voz estridente da minha mãe ecoou pelo corredor enquanto eu arremessava a porta do meu quarto com um estrondo raivoso, trancando-a em seguida.— Eu odeio essa merda de vida! — rosnei para o vazio, antes de me jogar na cama e afogar as lágrimas no travesseiro. Do outro lado da porta, a torrente de insultos maternos não cessava, cada palavra uma farpa afiada cravando em minha alma: insignificante, imprestável, um peso morto que só lhe trazia desgraça.Tapei os ouvidos com força, tentando abafar aquela avalanche de crueldade. Eu sei, não sou flor que se cheire. Mas também não nasci em um lar de comercial de margarina, onde se poderia dizer com falsa indignação: "Ah, não consigo entender por que essa menina é assim, sempre lhe demos uma boa educação."Não, meus caros. Longe disso.Minha família é um pandemônio, um reflexo sombrio do caos que se instalou em minha existência. Moro em Catânia, essa cidade siciliana sufocante,