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Nosso Destino.
Nosso Destino.
Por: Jaqueline Morais
cap 1. Estou sendo traficada

Guadalupe

Ginevra:  Volta aqui agora, sua garota mal-educada! — a voz estridente da minha mãe ecoou pelo corredor enquanto eu arremessava a porta do meu quarto com um estrondo raivoso, trancando-a em seguida.

— Eu odeio essa merda de vida! — rosnei para o vazio, antes de me jogar na cama e afogar as lágrimas no travesseiro. Do outro lado da porta, a torrente de insultos maternos não cessava, cada palavra uma farpa afiada cravando em minha alma: insignificante, imprestável, um peso morto que só lhe trazia desgraça.

Tapei os ouvidos com força, tentando abafar aquela avalanche de crueldade. Eu sei, não sou flor que se cheire. Mas também não nasci em um lar de comercial de margarina, onde se poderia dizer com falsa indignação: "Ah, não consigo entender por que essa menina é assim, sempre lhe demos uma boa educação."

Não, meus caros. Longe disso.

Minha família é um pandemônio, um reflexo sombrio do caos que se instalou em minha existência. Moro em Catânia, essa cidade siciliana sufocante, um labirinto de ruas estreitas e perigos espreitando a cada esquina. Ser mulher aqui é carregar uma sentença de medo constante, a sombra do estupro pairando como um espectro nauseabundo.

Recém-saída do ensino médio, a urgência de escapar desse inferno, dessa casa onde respiro o ar viciado da opressão, me consome. Divido o teto com minha mãe e meu padrasto. Meu pai é uma figura fantasmagórica, um silêncio ensurdecedor no passado da minha mãe, um tema proibido que ela varre para debaixo do tapete a cada pergunta minha.

A verdade é que diálogo entre nós duas é uma miragem. Às vezes, sinto que para mim ela é apenas isso: a mulher que me pariu, um mero acidente biológico, desprovida de qualquer laço afetivo genuíno. E, em seus piores momentos, percebo o mesmo eco em mim. Sinto-me um objeto, manipulado conforme seus humores e as vontades abjetas do seu companheiro.

Ela vive subjugada ao meu padrasto, um verme que se deleita em me assediar, e a culpa, segundo ela, recai sobre mim. Afinal, quem mandou eu "desfilar" de roupas curtas pela casa? Ele é homem, coitado, incapaz de controlar seus instintos bestiais. Essa inversão nauseante me enche de repulsa e revolta. 

Preciso de um emprego, qualquer um, para cavar minha fuga dessa prisão.

Visto qualquer trapo – uma calça jeans rasgada e um moletom com capuz – e me atiro na chuva torrencial, buscando na fúria do tempo algum alívio para a mente em frangalhos. Sei que as ruas aqui são um território hostil, mas às vezes anseio por um encontro sombrio, qualquer coisa que me arranque desse limbo de sobrevivência.

Enfio os fones de ouvido, escondo o celular no bolso para protegê-lo da água e começo a correr assim que mergulho em uma rua mal iluminada, um corredor escuro como tantos outros. Foi então que dois faróis rasgaram a escuridão atrás de mim.

"Que droga!", pensei, a paranoia gelando minhas veias. Um carro me seguia. Senti o pânico me encurralar entre o muro úmido do beco e o veículo preto fosco que se aproximava lentamente. Um olhar rápido ao redor revelou uma lixeira. Instintivamente, comecei a procurar algo afiado, uma arma improvisada para me defender.

A sorte, por um instante cruel, me agraciou com uma barra de ferro enferrujada, provavelmente descartada ali. Empunhei-a com firmeza, o metal frio na minha mão trêmula, e parei, encarando a escuridão de onde os faróis emanavam. Estava pronta para apanhar, mas também para lutar. Se aqueles miseráveis achavam que iriam me violentar sem resistência, estavam redondamente enganados.

Do carro, emergiram dois homens de terno preto, altos e com uma presença intimidante. Caminhavam em minha direção com uma determinação fria, como predadores experientes.

Recuei alguns passos, a barra de ferro erguida como um escudo precário.

Guadalupe: Não se aproximem! Estou armada! — a voz me saiu embargada, quase um sussurro. Que merda eu estou tentando fazer? — PAREM! — gritei, o desespero tingindo minhas palavras quando vi que eles não hesitavam. — Tudo bem, eu avisei. — E, num ato de loucura desesperada, corri em direção a eles, brandindo a barra de ferro como uma arma primitiva. Antes que eu pudesse sequer levantá-la, um dos homens desferiu um soco brutal no meio do meu rosto. Cambaleei para trás, a dor lancinante explodindo em meu crânio, o gosto metálico do sangue invadindo minha boca, enquanto miríades de pontos luminosos dançavam diante dos meus olhos.

— Não tente resistir, anjinho. Você será nossa agora — sibilou um deles, a voz carregada de uma ameaça fria e calculada.

Guadalupe: Por favor, não me machuquem — implorei, a consciência esvaindo-se como areia entre os dedos. Lutei para não sucumbir à escuridão quando senti uma mão agarrar meus cabelos e puxá-los para trás, não com brutalidade, mas com uma possessividade fria. Em seguida, um pano úmido e com um cheiro adocicado foi pressionado contra meu nariz. O torpor invadiu meu corpo, minhas pálpebras pesaram e a escuridão me engoliu por completo.

Acordei em um lugar estranho, um quarto bizarro adornado com manequins vestindo roupas vulgares. Fui recebida por olhares curiosos de outras garotas, seus semblantes carregando uma mistura de desalinho, roupas curtas que paradoxalmente pareciam confortáveis.

Algumas me fitavam com interrogação estampada no rosto, outras com uma pena silenciosa, enquanto algumas pareciam mais interessadas em suas unhas.

Guadalupe: Onde eu estou? — perguntei, a voz rouca e embargada pelo medo. Levei instintivamente a mão ao nariz, esperando encontrar o rastro pegajoso do sangue. Mas não havia nada. Estava limpa, vestindo roupas novas e baratas, um perfume enjoativo impregnando o ar ao meu redor.

— Não se desespere — disse uma das meninas, aproximando-se e sentando ao meu lado. Seus olhos castanho-claros, apesar da juventude aparente – talvez uns vinte anos –, carregavam a marca de um sofrimento precoce. Ela falava em espanhol, um idioma estrangeiro que soava como um prenúncio sombrio.

— Como ela não vai se desesperar, Carmen? Deixa ela se desesperar de uma vez. Todas nós passamos por essa merda — interrompeu outra, de cabelos volumosos e um tom de voz áspero, enquanto massageava as pernas com um hidratante de cheiro doce e artificial.

Antes que a tal Carmen pudesse me dirigir outra palavra, a porta do quarto se abriu com violência. Um homem alto, musculoso e de pele pálida como cera surgiu no umbral, empunhando uma arma grande e ameaçadora. Meu corpo estremeceu de pavor, mas tentei disfarçar meu terror observando as outras garotas. Elas fitavam o homem com uma resignação fria, não que seus olhos estivessem desprovidos de medo, mas era como se a cena fosse corriqueira, um ritual macabro ao qual já estavam acostumadas.

As imagens da noite anterior invadiram minha mente em câmera lenta: os homens saindo do carro, seus olhares predatórios, as roupas sumárias das outras meninas, o ambiente carregado de uma tensão palpável, a arma na mão daquele homem.

Foi então, sem nenhum esforço consciente, como se uma chave sombria tivesse virado dentro de mim, que a verdade brutal se impôs.

Eu havia sido traficada.

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