capítulo 3

Beatriz

Os últimos dias têm sido como um quebra-cabeça incompleto. Desde o anúncio da aposentadoria dos meus pais, há uma semana, sinto que a dinâmica familiar mudou. Eles estão radiantes, planejando viagens e entregando gradualmente as rédeas do escritório para Theo e Carlos. Apesar de ainda não terem partido, há uma sensação constante de despedida pairando no ar.

Carlos. Ele parece ser o tema favorito dos meus pais ultimamente. Não importa a conversa, eles sempre encontram uma maneira de elogiá-lo. "Tão educado, tão dedicado, tão gentil... e bonito", eles dizem. Bonito, eu admito. Educado? Gentil? Não. Definitivamente, não, esses adjetivos não se enquadram.

Hoje, vou almoçar com o meu pai. Decidimos nos encontrar no escritório, algo que sempre me deixa nostálgica. Aquela atmosfera séria, as pessoas apressadas, tudo me lembra a infância, quando esperava por horas na sala dele enquanto ele resolvia o mundo.

Chego ao prédio, cumprimento as recepcionistas com um sorriso habitual e sigo em direção ao elevador. Meu celular vibra com uma mensagem de June, minha melhor amiga, e me distraio enquanto respondo. É então que tudo acontece.

Ao tentar apertar o botão do elevador, esbarro em alguém. Levanto os olhos, e é como se o ar à minha volta congelasse. Carlos está ali. Impecável como sempre, com aquele terno alinhado e o ar arrogante que faz meu sangue ferver.

— Sempre distraída e sem prestar atenção por onde anda. — Sua voz é um misto de provocação e ironia, como se esperasse a oportunidade de me colocar no meu lugar.

Reviro os olhos, já cansada de sua atitude antes mesmo da conversa começar.

— Sempre mal-educado e mau-humorado.

Ele cruza os braços, observando-me como quem estuda uma presa.

— Além de distraída, também é bocuda e respondona. Pelo menos hoje não está carregando sorvete para jogar em mim.

— Sorvete é para momentos especiais e pessoas especiais. E você não se encaixa em nenhuma dessas categorias. Quanto ao terno, mande o valor para minha secretária. Eu pago, e ficamos quites.

Ele dá um passo à frente, diminuindo a distância entre nós. Seus olhos escuros encontram os meus, e há algo neles que me deixa inquieta.

— Não se preocupe com isso. Mas quanto ao sorvete... — Ele inclina levemente a cabeça, os lábios curvados em um sorriso provocador. — Tenho certeza de que saberia usá-lo de uma forma bem mais interessante. No caso, sem a roupa no caminho.

Meu rosto arde de vergonha e indignação. Antes que eu consiga responder, ele faz algo que me pega completamente desprevenida. Com um movimento quase casual, passa o dedo pelo meu lábio inferior. Um calor percorre meu corpo, e antes que perceba, ele me beija.

O mundo ao nosso redor desaparece. É intenso, avassalador, e, contra todas as minhas objeções, eu retribuo. O som do elevador chegando ao andar nos traz de volta à realidade. Ele se afasta, ajeita o terno com calma e sai como se nada tivesse acontecido.

Fico parada, atordoada. Minha mente gira, tentando entender o que acabou de acontecer. Quando finalmente consigo me mover, sigo até a sala do meu pai. Ele me recebe com um sorriso, mas logo percebe algo.

— Está tudo bem, filha? Está com uma cara estranha.

— Tudo ótimo, pai. Só estou um pouco distraída.

Ele não insiste, e logo estamos no restaurante. A conversa flui leve, quase terapêutica. Senti falta desses momentos com ele, mas mesmo ali, em meio ao conforto, minha mente insiste em voltar para o elevador.

De volta ao meu ateliê, tento mergulhar no trabalho. Tenho uma encomenda especial para terminar: um vestido de formatura para uma amiga querida. Costurar sempre foi meu refúgio, mas hoje, nem isso consegue me distrair.

June aparece no meio da tarde, como um furacão de energia positiva, com um café nas mãos.

— Esse vestido está ficando perfeito, Bia! — Ela elogia, e consigo sorrir.

— Está mesmo. Mas me lembra de nunca mais aceitar pedidos assim.

— Impossível, Bia. Você não sabe dizer não.

— Talvez. Mas esse pedido é especial. É muito pessoal.

Ela me olha com curiosidade, mas decide não insistir. Após uma breve conversa, me deixa sozinha novamente.

Minhas mãos continuam trabalhando no tecido, mas minha mente está longe. O beijo de Carlos invade meus pensamentos como um intruso, insistente e incontrolável. Que direito ele tem de me beijar assim? E por que eu gostei?

Prometo a mim mesma que isso não vai se repetir. Não pode.

Mas, no fundo, uma pergunta lateja na minha mente, impossível de ignorar.

Que tipo de confusão Carlos Costa está prestes a trazer para a minha vida? E, pior ainda, estou pronta para enfrentá-la?

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