Riccardo Fiore havia se retirado para a sala de comando, mas o clima que pairava no ar parecia denso, como se uma tempestade estivesse prestes a se formar. Olivia ficou sozinha na sala com Salvatore, sentindo uma mistura de confusão e fascínio por aquele homem que, apesar de sua juventude, emanava uma segurança que ela raramente encontrava.
Ela deu um passo em direção à janela, observando a movimentação do lado de fora da base. O sol da tarde se refletia nas grandes construções militares e nas caminhonetes blindadas estacionadas ao redor, criando um contraste entre a serenidade do momento e a rigidez do ambiente militar. De alguma forma, ela se sentia deslocada, mas ao mesmo tempo conectada àquela paisagem, como se a base fosse uma extensão de sua própria identidade. Olivia não sabia se deveria quebrar o silêncio entre ela e Salvatore. O comportamento dele a intrigava de uma forma desconcertante. Ele não a olhava com desinteresse, mas sua postura rígida e sua atenção inabalável pareciam quase desafiadoras. Ela sentiu uma onda de frustração, não conseguindo entender por que ele estava tão imperturbável diante dela. Ele estava ali, mas ao mesmo tempo parecia distante, como se fosse uma parede de aço em que ela não conseguiria penetrar. Ela se virou, seus olhos encontrando os de Salvatore novamente. Ele estava na mesma posição, com as mãos atrás das costas e os pés firmemente plantados no chão. Não havia sequer um sinal de cansaço em seu rosto. Apenas aquele olhar calculador que parecia medir tudo ao seu redor. Ela quebrou o silêncio, tentando, de alguma forma, aliviar a tensão que crescia entre eles. — Não tem muita conversa para um soldado, não? — Ela disse, forçando um sorriso, tentando provocar uma reação dele. Salvatore a observou, mas sua expressão não mudou nem um pouco. Ele apenas respondeu com sua voz firme e tranquila. — Conversa não é parte do meu trabalho, senhorita. Eu cumpro ordens. E, se for necessário, fico em silêncio. — Ele disse isso sem desviar o olhar. Olivia sentiu um arrepio percorrer sua espinha ao perceber como ele falava com tanta certeza, como se aquelas palavras fossem uma parte intrínseca de quem ele era. Ela sabia que estava lidando com um homem que seguia um código de honra, algo que ela jamais tivera que entender tão profundamente. — Então, é isso? Apenas seguir ordens, sem questionar? — Ela perguntou, sua curiosidade agora tomando a dianteira. Salvatore respirou profundamente, mas não se moveu. Seu olhar continuava fixo nela, como se ela fosse mais uma pessoa a ser observada, sem grande interesse em seus sentimentos. Isso a incomodava de uma maneira inexplicável. — Não se trata de questionar, senhorita. É sobre respeitar o que é necessário para que as coisas funcionem. O exército não é um lugar para incertezas, e eu sou um soldado, apenas isso. — Ele respondeu de forma prática, sua voz sem qualquer tom de emoção. Olivia não soubera o que responder a isso. A ideia de alguém viver apenas para seguir ordens parecia desconcertante, mas ela sabia que Salvatore não estava sendo rude. Ele apenas estava sendo... ele mesmo. Olivia, então, tentou desviar o foco de sua mente, buscando se manter no presente. — Eu… não queria causar nenhum tipo de problema. Só queria ver meu pai, fazer-lhe uma surpresa. — Ela disse, um pouco mais suave, tentando entender o que Salvatore realmente pensava dela. Mas, ao mesmo tempo, a frustração ainda estava ali, borbulhando por dentro. Salvatore parecia não perceber a suavidade da voz dela, ou talvez estivesse apenas focado demais em seu dever. Ele olhou para a porta, como se aguardasse que Riccardo voltasse para a sala. Mas antes que pudesse dizer algo, Olivia se adiantou, ainda sentindo a necessidade de interagir com ele. — Você não me responde de forma mais amigável, não é? — Ela disse com uma leve risada nervosa, tentando quebrar a tensão. Finalmente, Salvatore desviou o olhar, e por um momento, Olivia pensou que ele ia se desarmar. Mas o olhar dele foi rápido e sério. — Ser amigável não faz parte das minhas responsabilidades, senhorita Fiore. Eu estou aqui para garantir que as regras sejam seguidas e que ninguém seja colocado em risco. Olivia não sabia o que responder. Ela ficou em silêncio, tentando processar as palavras dele, e ao mesmo tempo, sentiu uma pontada de algo que poderia ser decepção. Ela estava acostumada a ser tratada com mais gentileza, mais compreensão, mas o comportamento de Salvatore não parecia ser algo pessoal. Ele simplesmente era daquele jeito, e talvez fosse isso o que a atraía ainda mais. Ele não se curvava para ninguém, nem mesmo para ela. Salvatore, vendo que o silêncio estava se estendendo, tomou a iniciativa de se afastar da porta, dirigindo-se a uma mesa próxima onde havia papéis e mapas espalhados. Sua postura era firme, seus movimentos calculados. Olivia o observou em silêncio por alguns momentos, sentindo a tensão crescente dentro de si. Ela não sabia o que exatamente sentia, mas havia algo nele que a desafiava. Algo que fazia com que ela quisesse tentar descobrir mais, entender o que estava por trás daquela fachada impenetrável. Ele era distante, sério, e nada parecia afetá-lo, mas ela começava a perceber que esse comportamento não era indiferença. Era controle. Ele se controlava o tempo inteiro, como se a ideia de se entregar a qualquer emoção fosse uma fraqueza que ele não podia se permitir. Por um momento, Olivia teve vontade de perguntar sobre ele. Perguntar como ele realmente era, o que o motivava. Mas sabia que isso seria impossível. Ele não falaria sobre si mesmo. Ele era o soldado, e ela era apenas mais uma visitante. De repente, a porta se abriu com um estrondo, e Riccardo entrou de volta na sala. O olhar de Salvatore imediatamente se desviou, sua postura mudando de forma instantânea. Olivia observou a transição, notando como ele se colocava em uma posição submissa diante do general, ainda que o respeito fosse claro em seus olhos. — Olivia, me perdoe por ter feito você esperar. — Riccardo disse, com um sorriso amigável. — Há algumas coisas urgentes que eu preciso resolver na base. Vamos jantar juntos depois, se você estiver disposta? Olivia assentiu, embora não pudesse deixar de notar a tensão entre ela e Salvatore. Ele agora estava com a cabeça baixa, cumprindo seu papel como soldado, mas, de alguma forma, ela sentia que algo não estava resolvido entre os dois. Como se um espaço não dito estivesse se expandindo entre eles, algo que ela não sabia como preencher. — Claro, pai. — Ela sorriu, tentando se concentrar em Riccardo, mas sua mente estava, mais uma vez, com Salvatore. Enquanto o general e Olivia conversavam sobre os planos para a noite, Salvatore se manteve em silêncio, mas seus olhos continuavam a seguir cada movimento de Olivia. Ela não sabia, mas ele estava tão atento a ela quanto ela estava a ele, algo que ela não conseguia identificar completamente, mas que a fazia sentir que ele não estava tão indiferente assim. Riccardo, percebendo que a conversa com Olivia estava acabando, levantou-se e indicou a porta. — Salvatore, leve a senhorita Fiore até a saída, por favor. Olivia sentiu um aperto no peito, a sensação de estar sendo empurrada de volta ao mundo real, onde tudo estava distante, rígido e controlado. Mas, ao olhar para Salvatore, ela não pôde deixar de sentir que algo estava prestes a mudar. A tensão entre eles era inegável, e ela não sabia exatamente por quê, mas isso a inquietava. — Sim, senhor. — Salvatore disse, com uma firmeza que não deixava espaço para dúvidas. Ele foi até a porta, abrindo-a para Olivia. Quando ela passou por ele, seu braço quase tocou o dela, e o simples contato fez uma faísca de eletricidade percorrer seu corpo. Ela tentou ignorar, mas não conseguiu. — Até logo, senhorita Fiore. — Ele disse, com um tom suave, mas ainda com aquela frieza característica. Olivia parou na porta por um momento, sentindo a necessidade de dizer algo, mas o que poderia dizer? Ela apenas o olhou e, por um momento, algo em seu olhar parecia mais vulnerável do que ela esperava. — Até logo, Salvatore. — Ela respondeu, tentando manter sua voz estável, mas sabia que sua resposta carregava uma curiosidade que ela não conseguia esconder. Ela saiu da sala, mas a sensação de estar sendo observada o tempo todo permaneceu com ela. Algo estava acontecendo entre eles, e Olivia sabia que não poderia simplesmente ignorar.Salvatore estava em seu posto, a postura rígida e os olhos atentos, como sempre. Nada escapava de sua vigilância. A base estava tranquila naquela manhã, e a sua única missão era garantir que tudo funcionasse como deveria. Ele não tinha tempo para distrações. Como soldado, ele foi treinado para focar, para não se deixar levar por sentimentos ou fraquezas. A guerra não perdoa, e ele sabia disso melhor do que ninguém. O treinamento, as batalhas, a disciplina; tudo o moldara. A partir do momento em que vestiu o uniforme, sua vida havia se resumido a uma única missão: cumprir sua função sem vacilos. O conceito de misericórdia nunca fizera parte do seu vocabulário. Quando ouviu os passos se aproximando, o instinto o alertou antes mesmo de os ver. Nada passava despercebido em seu campo de visão. Ele estava posicionado na entrada da base, o portão imponente à sua frente, seu olhar firme como sempre. Mas algo, naquela manhã, pareceu mexer com o ar. A jovem que se aproximava caminhava com a p
Olivia entrou em casa com a cabeça fervilhando de pensamentos. Ela mal havia dado dois passos na entrada quando parou, o olhar perdido, como se estivesse tentando entender o que acabara de acontecer. A porta se fechou atrás dela, mas o som do fechamento parecia distante, abafado. Tudo o que ela podia ouvir era o ritmo acelerado do seu próprio coração, o eco das palavras que não saíram da sua boca, o silêncio pesado de um encontro que parecia ter deixado marcas que ela não conseguia apagar. Salvatore. O nome dele, o rosto dele, o modo como ele a olhou… tudo parecia girar em sua mente de forma incontrolável. Ela tirou os sapatos com um movimento automático, ainda sem desviar os olhos da parede à sua frente. Seus pensamentos estavam longe, muito longe, em um lugar onde ele estava constantemente presente. "Por que ele me deixou tão... confusa?" Olivia se sentou no sofá, mas a sensação de que a base, o portão, aquele homem sério e impassível, ainda estavam ali, a observando, não desapa
Olivia acordou no dia seguinte sentindo o peso de uma noite mal dormida. Seu corpo estava cansado, sua mente exausta. As palavras de Salvatore ecoavam em sua cabeça como um mantra cruel e imutável: "Eu nunca amarei ninguém. Nunca me apaixonarei." Ela rolou na cama, tentando afastar o aperto no peito, mas era inútil. Cada palavra dita por ele na noite anterior perfurava seu coração como lâminas afiadas. Ela sabia que ele não era um homem fácil, que carregava seus próprios fantasmas e cicatrizes. Mas ouvir aquilo da boca dele, com uma frieza quase cruel, foi mais doloroso do que imaginava. Mas por que aquilo a afetava tanto? Olivia não deveria sentir nada disso por ele. Conhecia Salvatore há poucos dias, ele era um completo desconhecido. Ainda assim, algo nele a puxava para mais perto, a fazia questionar seus próprios sentimentos e a lógica que sempre seguiu. Respirou fundo, sentindo a brisa da manhã entrar pela janela entreaberta. O sol já iluminava o quarto, mas para Olivia, tudo p
Olivia caminhava pelo pátio da base militar quando avistou Salvatore. Ele estava encostado em uma pilastra, os braços cruzados, observando os soldados em treinamento. Seu olhar era frio e distante, como sempre, mas havia algo na forma como sua mandíbula estava travada que denunciava um resquício de tensão. Respirando fundo, ela se aproximou determinada. — Salvatore, precisamos conversar. Ele virou o rosto lentamente para ela, expressão impassível, mas os olhos escuros brilharam com um relance de irritação. — Não temos nada para conversar, senhorita. — Você sempre diz isso, mas— — Porque é a verdade. Agora volte para dentro. A rispidez no tom dele fez algo dentro dela se contrair, mas Olivia manteve-se firme, cruzando os braços. — Por que você age assim? O que está tentando esconder? Ele riu de leve, sem humor, e desviou o olhar para o campo de treinamento. — Nada. Apenas não quero problemas. — Problemas? — Olivia estreitou os olhos, estudando cada detalhe da expressão dele.
Salvatore entrou na sala do general Riccardo, batendo continência. — Senhor, pediu para me ver? O general o encarou com olhar analítico e assentiu. — Sim, Salvatore. Preciso discutir a nova leva de recrutas. Alguns dos superiores estão preocupados com o desempenho dos mais jovens. Salvatore manteve a postura rígida. — Sim, senhor. Tenho observado o progresso deles e há alguns que precisam de treinamento intensivo. Especialmente em táticas de combate corpo a corpo. O general cruzou os braços, refletindo. — E quanto à disciplina deles? — Ainda precisa ser reforçada, mas estamos trabalhando nisso. O senhor pode confiar que até o final do mês teremos um esquadrão mais preparado. Riccardo assentiu, satisfeito. — Ótimo. Continue assim. Preciso de soldados fortes e leais. Salvatore fez uma breve continência. — Sim, senhor. O general o observou por um instante antes de dispensá-lo. Salvatore saiu da sala, ciente de que seu foco deveria estar no trabalho, não em distrações desnece
Olivia observou Salvatore se afastar com passos firmes e postura impecável. Ele não olhou para trás, não hesitou, apenas seguiu seu caminho como se nada além de sua rotina importasse. Ela sentiu uma mistura de frustração e curiosidade. Desde que chegou à base, percebeu que ele era diferente dos outros soldados. Não era apenas rígido ou disciplinado – Salvatore era um homem que se recusava a permitir qualquer tipo de proximidade. Mas Olivia não era o tipo que desistia fácil. Respirou fundo e acelerou o passo, saindo do pátio de treinamento e seguindo na mesma direção que ele. Não tinha certeza do que esperava com aquilo. Talvez apenas uma conversa, uma troca de palavras que não fosse tão distante e fria. Salvatore estava a poucos metros à frente quando ela chamou seu nome. — Salvatore. Foi a segunda vez que o chamou assim, sem formalidades. A palavra saiu naturalmente, mas carregada de intenção. Ele parou no mesmo instante. Por um momento, Olivia pensou que ele não fosse s
O despertador tocou suave, mas Olivia já estava com os olhos abertos antes mesmo do primeiro som ecoar. A luz da manhã invadia o quarto pelas frestas da cortina, e um leve vento balançava as folhas da árvore do lado de fora da janela. Ela se sentou na cama, prendeu o cabelo com uma presilha simples e bocejou baixinho. Ainda sonolenta, mas com uma estranha sensação de propósito naquela manhã. Levantou-se e seguiu até a cozinha em passos lentos, de meias. O chão frio contrastava com o calor gostoso do sol batendo pelas janelas. — Acho que vou fazer algo pro papà comer... — murmurou para si mesma, abrindo a geladeira. — Ele deve estar atolado de trabalho na base, como sempre. Separou os ingredientes com cuidado: pão italiano, queijo, presunto, tomate e folhas frescas de manjericão. Enquanto montava os sanduíches, pensou em como o pai sempre esquecia de comer quando estava imerso nos relatórios ou inspecionando os pelotões. Com os sanduíches prontos, empacotou tudo com cuidado,
Salvatore permaneceu parado por longos segundos, os olhos fixos na sacola como se esperasse que ela desaparecesse. Seu peito ainda subia e descia com o esforço do treino, mas agora, era como se o esforço maior estivesse dentro dele. O que ela queria com aquilo? Aquilo era um gesto simples, sim. Comida. Um agrado qualquer. Mas vindo dela, tinha um peso diferente. Tinha intenção. Tinha presença. E isso... isso o incomodava. Com a mandíbula travada, ele caminhou até o banco de concreto ao lado da parede do pátio e se sentou. Tirou as ataduras das mãos com movimentos lentos, tentando ignorar o que sentia. Quando abriu a sacola, sentiu o aroma do café, do pão fresco, do tiramisù ainda frio — e o estômago roncou antes que ele pudesse se conter. Resistência era seu forte. Mas nem sempre se tratava de não ceder à fome. Ele comeu em silêncio, o olhar distante. Não era só a comida que aquecia. Era a lembrança dela o preparando, dela decidindo levá-lo também em mente, quando poderia ter fei