Capítulo 2

ROMA – QUARTO ESCURO

Perla

Segredo, mistério, sofrimento. Essa é a minha vida, uma vida que não escolhi para mim. Sou obrigada a viver uma mentira, uma mentira que me faz prisioneira dentro da minha própria casa.

Não me reconheço mais, não sei quem sou.

Sorrisos, casamento. A vida que levo a vista dos outros é perfeita, mas mal sabem que é pura falsidade. Que sou falsa, que tudo em mim é falso. Fiquei muito boa nisso, são muitos anos fingindo ser quem não sou, se é que ainda tenha algo em mim daquela garota de dezoito anos que foi retirada de sua casa, da sua família, que acordou casada com um desconhecido em outro país. Que, com esse homem, formou uma “família”. Depois

desses cinco anos, ainda não sei o verdadeiro motivo e o que há por trás disso tudo.

Não posso fazer perguntas, não posso chorar, não posso sequer abrir a boca sem que meu marido permita. Levei apenas um dia para entender isso. A primeira e única vez que o questionei, fiquei uma semana trancada em um quarto escuro onde me era servido apenas pão e água. Meu rosto e minha boca ficaram ensanguentados, inchados e doloridos, resultado de dois socos que ele havia me dado.

O quarto escuro faz parte da minha vida. Se Salvatore não gostar do jantar, é para lá que vou. Se eu apenas respirar na hora errada, o quarto escuro é o meu castigo. A quantidade de tempo depende do meu juiz. Já fiquei trancada por horas, dias. Muitas vezes, não sei dizer com precisão, pois quando estou dentro daquele quarto perco a noção do tempo.

Na frente dos seus comandados e suas famílias, meu captor é um excelente marido, porém, quando estamos apenas nós dois, não tenho permissão para ficar próxima a ele sem ser solicitada. E, quando isso acontece, são raros os momentos em que ele não me agride com suas duras palavras, ou algumas vezes

fisicamente. Os únicos momentos que essa distância não existe é quando, sem uma prévia permissão, ele quer usar meu corpo. É nojento, eu odeio suas mãos sobre mim. Não se trata de sexo, muito menos de fazer amor.

Salvatore me estupra, me bate, sente prazer com a minha dor, com meu sofrimento.

Sorrio sem atuar somente quando estou com minha filha, quando Salvatore viaja, principalmente quando ele se ausenta por muitos dias, ou quando ele não me usa sexualmente. Por diversas vezes, ele trouxe prostitutas para nossa casa. Nessas ocasiões, ele se deita com elas em nossa cama. No intuito de me humilhar. Depois de usar e abusar dessas mulheres, ele as esfrega na minha cara, faz questão de dizer que elas o dão mais prazer do que eu. Se ele soubesse que fico feliz quando ele dorme com essas mulheres…

Elas escolheram essa vida, já eu não tive opção. Sou obrigada a me deitar com um homem que não escolhi, que não sei a origem. Que, antes daquele maldito jantar, nunca tinha visto. Até hoje não sei como vim parar nessa casa, nessa vida, nem se meus pais ainda estão vivos.

Quando Salvatore está acompanhado, o quarto da Donna é o meu refúgio, o único lugar desta casa em que me sinto bem. Minha filha é o meu sopro de vida. Às vezes reflito sobre minha gestação e o nascimento da minha pequena. Lembro o quanto fui rejeitada e humilhada. Meu coração dói, porque Donna não é fruto do amor, mas de uma violência. Salvatore a rejeitou quando ela nasceu, por ser menina. Quando completou um ano de idade, Donna conseguiu "conquistar" o coração do monstro, pois a sua primeira palavra foi papai.

Nossa enorme casa é uma fortaleza. Homens armados por todos os lados, não vou a nenhum lugar sem os soldados do Salvatore no meu encalço, sem ser monitorada. Foi difícil aceitar que minha vida não seria mais a mesma. Antes de ser capturada, estava finalizando o segundo período no curso de direito, tinha amigos, família, uma vida como qualquer jovem na minha idade. De repente, um jantar e tudo mudou.

Quando me vi nessa casa, só tive duas opções. Continuar lutando, não aceitar a triste realidade de estar casada com um

 homem bem mais velho do que eu, nos seus quarenta anos, e continuar sendo castigada por isso. Ou me render à minha nova vida. Em qualquer outro cenário, eu teria lutado por meus direitos, mas o que fazer quando seu marido é o chefe da máfia? Como escapar de algo assim?

Numa tentativa fugaz da minha mente, influenciada pelos tolos romances que li, cheguei a me iludir que Salvatore poderia se apaixonar por mim, e eu por ele, já que estamos casados. Meu tolo e romântico coração se encheu de esperança. Como protagonista da minha própria história, imaginei que aqueles homens armados estavam aqui para me proteger, que o amor do meu marido era tão grande que ele tinha medo de me perder.

Tolice.

Controle.

Salvatore controla a tudo e a todos. Controla nossas vidas como peças de xadrez.

Faz exatamente cinco anos que deixei de existir, sou apenas uma sombra de uma vida que não pedi, de uma vida que mais parece morte.

Minha morte.

Estou cansada de ser a dona de casa perfeita, a mulher impecável que oferece jantares para homens poderosos e mafiosos como ele. A mulher que tem que sorrir para as outras mulheres enquanto tudo o que mais quer é chorar, se descabelar, gritar, pedir ajuda.

Tenho quase certeza que essas mulheres têm em seus rostos um sorriso tão falso quanto o meu. Vejo, através do olhar de cada uma, medo, insegurança e tristeza. Mas nenhuma se atreve a dizer uma sequer palavra, ou demostrar com algum gesto, o menor que seja, que entendemos nossas dores.

Ao mesmo tempo, penso que é somente no que quero acreditar, pois não pode ser possível que todos esses homens sejam como Salvatore.

Frio.

Salvatore manda e desmanda, ele é o Don dos Bazzoti. O poderoso chefão. Parece até nome de filme, mas é a mais pura realidade. Sou casada com o chefe da máfia, o que me resta é obedecer, por minha vida e por amor a Donna.

Todos o obedecem. Nunca o questionam. Os que já tentaram não estão mais entre nós.

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