Noiva por contrato
Noiva por contrato
Por: M Souza
Capítulo 1

Lara

Eu nunca imaginei que, aos 23 anos, a vida me faria carregar o peso de uma responsabilidade tão grande. Quando os pais morreram, o mundo, de repente, se transformou em uma espécie de pesadelo do qual não havia como acordar. Eles partiram em um acidente de carro, e, embora eu tenha tentado me preparar para a dor, nada poderia me preparar para o vazio que se formou no lugar onde antes existia uma família.

Eu não tinha noção do quanto minha vida mudaria em um único segundo. Um telefonema. Uma ligação para informar que tudo o que eu conhecia, tudo o que me dava segurança, tinha acabado. O impacto do acidente foi tão forte que, quando eu vi o carro amassado nas imagens do noticiário, nem parecia possível que eles haviam estado ali. A imagem ficou gravada na minha mente, como se ainda estivesse vendo tudo em câmera lenta. Não havia mais dúvidas, não havia mais pais. Eu estava sozinha.

Mas não completamente. Meus irmãos estavam comigo. Thiago, com 11 anos, e Júlia, com 14, estavam tão perdidos quanto eu. Eles não entendiam direito o que estava acontecendo, mas vi o medo nos olhos deles. O medo de perder mais uma coisa. O medo de ficar desamparados.

E foi isso que aconteceu. Ficamos desamparados. A primeira coisa que senti foi a necessidade de me tornar alguém mais forte, alguém que não podia chorar, alguém que não podia mostrar fraqueza. Eu era a mais velha, e agora eu precisava ser a mãe deles, o porto seguro. Mesmo sem saber como fazer isso, fui obrigada a encontrar uma forma de seguir em frente.

A casa que antes era cheia de vida, com a risada dos meus pais e os gritos das crianças, agora era um espaço vazio e cheio de ecos. As paredes pareciam testemunhar a nossa dor, e o silêncio se tornava cada vez mais ensurdecedor. Eu era a responsável por manter as luzes acesas, por garantir que nada mais se quebrasse. Mas eu também estava quebrada, sem saber como lidar com as dívidas que surgiram de repente, com as contas que acumulavam e com a responsabilidade de ser a única pessoa adulta da casa.

A vida de modelo parecia tão distante nesse momento. O brilho das passarelas, as campanhas publicitárias, o dinheiro fácil, tudo isso se desvanecia diante do peso das dificuldades que se acumulavam. Eu mal tinha tempo para cuidar de mim mesma, quanto mais para cuidar de uma carreira que sempre foi vista como uma válvula de escape para mim. Não que eu tivesse escolhido essa vida, mas ela me escolheu, me colocando sob os holofotes e me dando uma falsa sensação de controle. Naquele momento, as câmeras e os flashes não faziam sentido algum. O que eu precisava era de algo muito mais concreto.

Eu tentava ser forte, mas não conseguia. A cada vez que me sentava com as contas na mesa, sentia a pressão se intensificando. E lá estavam elas: as dívidas dos meus pais, as contas de coisas que nem sabíamos que existiam. O banco, a seguradora, os impostos devidos… Tudo estava caindo sobre mim de uma só vez. E minha avó, a pessoa que eu mais amava depois dos meus pais, não conseguia compreender o que estava acontecendo. Ela estava velha, frágil, e, embora quisesse me ajudar, não tinha forças para isso. A memória dela estava falhando, e eu me vi tendo que cuidar de tudo, sem ninguém para me ajudar. Ela sempre fora uma mulher generosa, mas, agora, o peso da idade a tornava mais distante de tudo o que acontecia à nossa volta.

Eu odiava o fato de que a vida parecia estar me desafiando o tempo todo. Não só com a dor da perda, mas também com as consequências de ter que assumir o lugar que os meus pais deixaram vago. Ter que ser responsável por duas crianças, por uma avó que precisava de cuidados e, ao mesmo tempo, tentar encontrar uma forma de manter a minha própria sanidade. Eu não podia desistir. Eu não tinha esse luxo. Minha família não podia ser mais uma vítima da tragédia. Eu tinha que me manter de pé.

Mas, mesmo quando me fechava no quarto e olhava para o espelho, me perguntava quem eu era agora. O que restava de mim quando tudo que eu conhecia havia desaparecido? A solidão se tornou minha companheira, e, por mais que tentasse disfarçar, sentia o peso da responsabilidade apertando cada vez mais.

As noites eram as mais difíceis. Era quando a dor parecia mais insuportável. Eu acordava no meio da madrugada com o coração apertado, pensando no que poderia ter sido diferente, me perguntando o que meus pais fariam agora, se estivessem aqui. Eu tentava segurar as lágrimas, mas, às vezes, não conseguia.

E, ao mesmo tempo, havia o Thiago e a Júlia, tentando entender tudo aquilo. Eu sentia uma necessidade enorme de ser a adulta da casa, de mostrar para eles que tudo ficaria bem, mas como fazer isso quando tudo ao meu redor estava desmoronando? Eu não sabia, mas eu tinha que tentar. Não podia falhar com eles. Eles eram a única coisa que eu tinha agora, e eu não iria deixar que a dor os destruísse também.

Eu cuidava deles com o que restava de energia em mim. Tentava manter a casa em ordem, fazia os deveres de casa com Júlia, brincava com Thiago para que ele não se sentisse perdido. Eu queria que, ao menos por alguns minutos, eles esquecessem a dor da perda. Mas eu não podia esconder de mim mesma o quanto eu estava cansada. O quanto eu estava perdida também.

Eu não tinha mais tempo para ser a Lara que as pessoas viam nas revistas ou nas campanhas publicitárias. Agora, eu era apenas uma jovem mulher tentando sobreviver, tentando proteger quem mais amava. O mundo da moda, os flashes, as câmeras, tudo isso parecia tão pequeno diante da realidade que eu estava enfrentando. E, ainda assim, eu sabia que não podia parar. Eu precisava continuar. Para eles. Para mim.

A vida, como se fosse uma cruel piada, não tinha piedade. Tudo o que restava para mim era manter a rotina, ir para os desfiles, fazer as campanhas e, ao mesmo tempo, tentar ser forte. Não havia mais espaço para ser vulnerável. Não havia mais espaço para o lamento.

Eu já não sabia o que mais poderia acontecer. Cada novo obstáculo parecia maior que o anterior, mas a única coisa que eu sabia era que eu não podia cair. Eu tinha que levantar. Porque, no fim das contas, eu era tudo o que eles tinham.

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