Humana.
Nem mesmo nos meus piores pesadelos imaginei que minha parceira predestinada poderia ser uma humana. Duas noites atrás, quando entrei na taverna de Eddie — um beta —, fui invadido pelo cheiro mais doce e um sentimento avassalador. Procurei pelo recinto até que meus olhos a encontraram. Alta, esbelta e loira. Seus olhos verdes marcantes, boca sensual repuxada em desgosto, parecendo querer estar em qualquer lugar, menos ali, servindo um bando de brutamontes bêbados. E o detalhe mais importante: totalmente humana. Seu cheiro não escondia isso, mesmo que diferente dos outros humanos, já que seu aroma doce me parece tão malditamente atraente. — Pare de encarar. — Kiran rosna ao meu lado. Estamos sentados no fundo da taverna. — Não consigo. — Retruco, irritado. Desde que entrei aqui novamente, recebendo um olhar de desdém de Elise, meus olhos se recusam a desviar. Ela é hipnotizante, movendo-se com eficiência atrás do balcão, servindo bebida atrás de bebida. Cerro os punhos quando mais um filho da puta olha para o corpo dela com visível desejo. A maioria são humanos, mas há alguns betas que, sabiamente, abaixaram a cabeça quando cheguei. — Nem mesmo pense em arrumar confusão. — Kiran avisa, cruzando os braços. — Se mais um olhar... — Ela aceitou um emprego em uma taverna frequentemente visitada por homens. Não acredito que ela tenha tempo para se importar com alguns olhares sujos. — Eu me importo. — Digo, nervoso. — Ela nem mesmo o conhece, ou sabe quem você é. — Ele aponta, e entendo o que quer dizer. A cidade de Valmont é considerada diferente. Dizem que, anos atrás, foi lar de um poderoso clã de bruxas, ou que vampiros já tomaram as rédeas da liderança. O fato é que, agora, esta cidade é território dos lobos de Fenrir, minha alcateia. Estamos aqui há quase 500 anos, desde que o primeiro alfa colocou as patas neste lugar. Ele pode ter ou não mijado em volta da cidade, marcando o território como seu e de seus descendentes, porque não pretendemos sair daqui tão cedo. Parte dos lobos vive entre os humanos na cidade. O restante ainda prefere o vilarejo entre a floresta e o rio. Mantenho uma casa em cada lugar. Como alfa, preciso me dividir em dois: lidar com os problemas do vilarejo enquanto cuido da Madeireira Fenrir, que gera os lucros e sustento para a alcateia. Muitos lobos trabalham e têm suas próprias vidas, mas os que cuidam da segurança do vilarejo e de tudo que o mantém em perfeito funcionamento ficam sob meus cuidados. Para tudo há uma divisão: as tarefas, os treinamentos, a segurança. Fora as questões do vilarejo e da alcateia, cada um vive como quiser, desde que isso não me traga problemas. Desde que meu pai se aposentou e saiu, indo conhecer outros territórios, essa tem sido minha vida. Ele passou a liderança para mim, seu primogênito alfa. Kiran é meu irmão caçula e também um alfa, mas jogue o assunto "liderança" sobre ele e o verá fugir para o mais longe possível. Ele está feliz sendo meu segundo em comando e um dos meus conselheiros. Os outros três são nossos melhores amigos: Bren, Kieran e Aiden. Mas o diferencial de Valmont é que os humanos sabem que estamos aqui. Desde que chegamos, sempre souberam. Há um acordo rígido com o líder da cidade, que se renova sempre que um novo assume o comando. Os lobos vivem suas vidas sem machucar ou matar humanos, e eles nos deixam em paz. Há nuances nesse acordo, um monte de baboseira que visa mais a proteção deles, mas funciona. E espero muito não quebrar esse acordo matando um imbecil qualquer que coloque os olhos nojentos na minha mulher. — Ela não é sua, Malachi. — Kiran diz, olhando-me com uma sobrancelha arqueada. — Eu não disse nada, porra. — Murmuro, irritado, virando o restante da cerveja. — Nem precisa. Sua expressão possessiva e o olhar que promete morte e sangue já fizeram tudo. Lembre-se do seu dever para com seu povo. — Você não precisa falar. Sou o alfa há cinquenta anos. — Então é melhor pensar em como lidera com essa merda. O pai ligou mais uma vez para saber se você já escolheu uma esposa. Uma ômega, de preferência. — Olho para Kiran, e ele ergue as mãos. — Estou apenas dizendo. — Você sabe que essa merda não vai acontecer agora. — Declaro. — Ela é uma humana, Malachi. — Aponta o óbvio. — E? — E não nos envolvemos com humanos. — Quando as palavras saem de sua boca, solto uma risada. Ergo uma sobrancelha e cruzo os braços, desafiando-o a seguir com essa merda de pensamento hipócrita. — Não nos envolvemos abertamente com humanos. — Reformula, e eu bufo. — É por isso que você fica na casa da sua humana todas as noites? Para ninguém os ver abertamente? — Ironizo. — Você sabe o que quero dizer. — Resmunga, desviando o olhar. — Se está disposto a ficar com ela, terá que lidar com mais de um problema. — Eu sei. — Falo e volto a observar a linda mulher no balcão. Fico obcecado ao vê-la sorrir para Eddie. Minha. Elise vai ser minha. Meu peito se aperta, aquele sentimento me dizendo que a conexão está ficando mais forte com nossa recém-proximidade. Não sei como será para ela; é uma humana, e nunca vi isso acontecer. Parceiros predestinados não são encontrados a cada esquina. A maioria dos lobos nem mesmo encontra uma parceira. Sempre dei a desculpa de que não tomaria uma ômega porque esperaria minha parceira. Mas depois que me tornei alfa, a cobrança virou uma exigência do meu pai. Um alfa precisa de um herdeiro, e ele já estava cansado de me esperar tomar uma atitude. Lisa, uma ômega bonita do vilarejo, ter ficado na minha cola ontem é prova disso. Mas ela nunca foi uma opção. Nunca será. Não com Elise tão próxima, tão inalcançável, mas inegavelmente minha. Meu peito vibra com um rosnado baixo quando vejo Eddie se aproximar demais, um sorriso amigável demais no rosto. Elise responde com um sorriso contido, e isso já é suficiente para me fazer querer atravessar o salão e arrancar aquele beta dali. — Controle-se. — Kiran alerta mais uma vez, embora sua voz já carregue um tom resignado. — Não estou fazendo nada. Ainda. — Respondo, a tensão clara em cada palavra. Meu irmão suspira, mas não diz mais nada. Ele sabe que qualquer tentativa de me dissuadir será inútil. Meu destino foi traçado no momento em que entrei nesta taverna, no momento em que o cheiro doce dela invadiu meus sentidos e tornou impossível ignorá-la. Elise ainda não sabe quem eu sou, o que sou. Não sabe que sua vida está prestes a mudar de uma forma que nenhum de nós pode prever. Mas ela vai saber. Porque, seja por escolha ou pelo destino, ela é minha. Me levanto e pego as duas canecas vazias. — Malachi... — Cale a boca, Kiran. — Rosno. — Já volto. Sigo para o balcão e o olhar fulminante de Elise me encontra, me fazendo querer sorrir. Será interessante conquistar essa mulher.O nome do homem rude.Ele está aqui outra vez. Caminha até o balcão com uma expressão indecifrável, mas os olhos brilham de um jeito perigoso.Aquele puxão que senti na primeira vez que o vi parece ainda mais forte. Irritante e impossível de ignorar.Quero dar as costas e fingir que ele não existe, que nem mesmo o conheço, mas não consigo esquecer como foi rude na primeira vez.Meu turno está chegando ao fim, e hoje não vou ficar até tarde, nem que me obriguem. Meu ciclo está por vir, e o desconforto da cólica já começa a se manifestar.Eddie percebe minha expressão desgostosa, mas o atende, enchendo as canecas. Ainda assim, ele não vai embora.— É nova na cidade? — Ouço a pergunta e quase admiro a falta de vergonha dele.Primeiro, me humilha. Agora, quer saber da minha vida.— Se não me responder, perguntarei a Eddie — pressiona.— É assim que manipula as pessoas para conseguir o que quer? Parece coisa de valentão.— Estou tentando conversar com você — se defende, e eu solto
Uma mão amiga. É sexta-feira, e Eddie me deu o dia de folga. Coincidentemente, Ana também está em casa. — Então, ele foi um babaca ao te conhecer e, depois, quis puxar assunto? — Ana pergunta, tentando entender. Apenas confirmo com a cabeça. — Homens nascem com uma falha de comunicação e uma inclinação para desvio de caráter, mas isso a gente já sabe. — Ah, sim. Não me surpreende. A maior parte do tempo, ignoro. Todo mundo me encara como se eu fosse um pedaço de carne. Ele é só... Insistente. — Você disse que o nome dele é Malachi Fenrir? — Pergunta, enquanto olha a tela do celular. — Foi o que ele disse — Respondo, bebendo o café forte na minha xícara, apreciando o sabor que desliza pela minha língua. — Caramba, ele é o dono da madeireira da cidade. Um dos homens mais ricos daqui. — Ana me mostra a tela do celular, exibindo a foto do mesmo homem que vi duas vezes na Taverna. — Bonito, gostoso e rico. O sonho de muitas mulheres. — Acrescente arrogante, prepotente e baba
Um ousado problema.Giro a caneta entre os dedos enquanto a lembrança de Elise rindo com a amiga, enquanto passeava pela cidade, se repete na minha cabeça. Senti sua presença antes mesmo que me notasse, e me divertiu a forma como ficou apressada ao me ver.Já aceitei que pressioná-la não vai funcionar. Conquistar sua atenção vai levar tempo, e, embora isso me irrite, terei que ter paciência.No escritório da vila, termino de revisar os últimos pedidos e contratos da madeireira. A disputa pelos serviços está acirrada, e isso infla meu ego. Tenho dado duro para levar esse negócio onde está hoje. Meu pai foi bom administrador, mas não chega perto do que estou fazendo agora.A alcateia e a vila nunca mais terão problemas com dinheiro.A porta se abre de repente, e nem me surpreendo ao ver Kiran entrando como se fosse o dono do lugar. Esse garoto não tem um pingo de educação. Meus pais estavam ocupados demais o mimando para se importarem com mais nada. Minha mãe é uma ômega gentil e am
A decisão de um Alfa.— Filho, finalmente me ligou. Às vezes penso que se esqueceu de seus pais. Um alfa também precisa ter um tempo para a família…— O que está pensando alimentando as fantasias de Lisa? Nunca concordei em tomá-la como minha ômega! — Esbravejo, e meu pai suspira. — Ela invadiu minha casa e se deitou na minha cama sem um convite. Sabe que eu poderia puni-la publicamente por isso, certo?— Não faça isso, Malachi. Lisa foi influenciada pela conversa que tive com o pai dela. Tenho insistido há anos para arrumar uma esposa, uma ômega da nossa alcateia, mas você sempre dá uma desculpa.— E você insiste em desrespeitar minha decisão.— Precisa de um herdeiro. — Insiste, frustrado.— Encontrei minha parceira. — Solto de uma vez.— Não seja teimoso… O quê?Sinto vontade de gargalhar pelo choque evidente em sua voz.— Minha parceira predestinada… eu a encontrei. — Repito, e ele exala audivelmente.— É de outra alcateia? — Questiona, e me sento em minha cama, temeroso.— Ela se
Uma dor e um cartão misterioso. O barulho de alguém batendo na porta da frente me desperta. Eddie tinha me dispensado depois que contei sobre minha cólica. O mais surpreendente foi ele pedir para eu voltar só quando meu período acabasse. Nem tive como discutir, por mais que quisesse. Ele parecia constrangido ao dizer aquilo, e eu preferi não piorar uma situação que já estava longe de ser boa. Ana está no trabalho, como sempre. Estou preocupada com as diárias que estou perdendo. Sem conseguir um segundo emprego, ficar sem pagamento é uma merda. Levanto com o estômago se revirando. Essa cólica tá diferente de todas as outras. Mais intensa, mais cruel. No primeiro dia, cheguei a considerar ir pro hospital. A dor me deixava à beira de desmaiar. Só apaguei depois de tomar três analgésicos e, graças a isso, consegui ignorar o tormento por algumas horas enquanto dormia. Arrasto os pés até a porta, com o corpo sensível e dolorido. — Senhorita Elise? Entrega para você. — Um rapaz ruivo me
Black Card e problemas. “Não quero nada de você, seu maldito! Vou devolver tudo, e se não aceitar, jogo essa merda no lixo! Tá achando o quê? Que vai me comprar com isso? Não achei minha buceta no lixo, porra! Me deixe em paz!” As palavras furiosas se repetem em minha mente. — Não diga nada! — Aviso a Kiran, que sorri e já abre a boca. — Eu preciso dizer, ou vou sufocar e morrer. — Então morra. — Rosno, irritado. — Irmão, você realmente achou que mandar um black card pra ela seria um bom primeiro passo? — Solta, e só não arremesso algo na cabeça dele porque seria perda de tempo. — Ela deve estar pensando que você tá chamando ela de prostituta. — Só quero cuidar dela! — Digo, frustrado. — Depois do que Eddie disse, não pensei muito, só agi. — Bem, você se lascou. Agora vai ter que voltar à estaca zero. Ah, não, espera... você nunca saiu dela! — Provoca, gargalhando. Elise definitivamente foi de me ignorar pra me odiar. Não imaginei que ela levaria o presente como uma ofensa tão
O Recomeço.Reviro os olhos para o segundo bêbado da noite que derruba a caneca parcialmente cheia no chão. O barulho ensurdecedor das vozes misturado ao cheiro forte de álcool e cigarro não me incomoda, mas cada olhar dos homens ao redor, como se eu fosse um pedaço de carne, me faz querer sacar o pequeno canivete preso ao meu tornozelo.O que diabos há com esses caras?Não é a primeira vez que me faço essa pergunta hoje. Minha primeira noite no novo emprego, nessa cidade estranha, tem sido... peculiar. Ana havia me alertado que havia algo de diferente nesse lugar, mas ainda não tinha descoberto o quê.Eu sinto essa diferença no ar. Algo indefinível, mas presente. Até eu, com minha percepção pouco aguçada, consigo notar a estranheza que parece impregnar o ambiente.— Mais uma! — Berra outro bêbado, batendo a caneca vazia no balcão. Eu sei o que ele quer sem precisar perguntar, e me viro para servir, ignorando o jeito nojento com que ele percorre meu corpo com os olhos.Todo homem