No Cair da Noite - Predestinados
No Cair da Noite - Predestinados
Por: DC RIBEIRO
Capítulo 1 - Elise

O Recomeço.

Reviro os olhos para o segundo bêbado da noite que derruba a caneca parcialmente cheia no chão. O barulho ensurdecedor das vozes misturado ao cheiro forte de álcool e cigarro não me incomoda, mas cada olhar dos homens ao redor, como se eu fosse um pedaço de carne, me faz querer sacar o pequeno canivete preso ao meu tornozelo.

O que diabos há com esses caras?

Não é a primeira vez que me faço essa pergunta hoje. Minha primeira noite no novo emprego, nessa cidade estranha, tem sido... peculiar. Ana havia me alertado que havia algo de diferente nesse lugar, mas ainda não tinha descoberto o quê.

Eu sinto essa diferença no ar. Algo indefinível, mas presente. Até eu, com minha percepção pouco aguçada, consigo notar a estranheza que parece impregnar o ambiente.

— Mais uma! — Berra outro bêbado, batendo a caneca vazia no balcão. Eu sei o que ele quer sem precisar perguntar, e me viro para servir, ignorando o jeito nojento com que ele percorre meu corpo com os olhos.

Todo homem aqui parece ter dois metros de altura e uma tonelada de músculos. Talvez eu seja louca por ter aceitado este trabalho, mas a necessidade falou mais alto.

— Aqui. — Entrego a bebida. Ele dá mais uma encarada antes de se afastar e se juntar a outros três que jogam cartas em uma mesa.

— Mais uma hora e você pode ir. Te pago a diária assim que o expediente acabar — Diz Eddie, meu novo chefe, parando ao meu lado.

— Entendido — Concordo, tentando soar tranquila, mas por dentro já estou comemorando.

Cinquenta pratas. Isso significa que poderei comprar mantimentos para dois dias. Dois dias sem me preocupar com o que vou comer no almoço ou no jantar. Talvez eu compre café. Não, com certeza vou comprar café!

Ana me chamou para dividir o aluguel, e, gentil como é, disse que eu poderia pagar minha parte no fim do mês. Não quero me aproveitar da boa vontade dela. Já me incomoda o fato de ter chegado há dois dias e estar comendo às custas dela. Não vou ser um peso morto para minha melhor amiga.

Ela está nessa cidade há três meses e ainda está se estabilizando. Trabalha como garçonete em um restaurante durante o dia e serve bebidas numa boate de vez em quando. Eu também pretendo arrumar um segundo emprego. Quero me reerguer, deixar para trás tudo que passei com Alec.

Quando faltam vinte minutos para o fim do meu turno, a porta pesada da taverna se abre. Cinco homens entram juntos. Cinco armários, porque não tem outro jeito de descrever aqueles caras. Ombros largos, pernas grossas, jeans, camisas apertadas e botas pretas. Cada um com uma aparência distinta, mas todos com a mesma presença imponente e intimidadora.

Meus olhos pousam no primeiro que entra. Cabelos negros, bagunçados de um jeito sexy, lábios bonitos e marcantes. Seus olhos, tão escuros quanto a noite, me prendem. Sem querer, reparo no nariz reto e bem definido, nos movimentos lentos quando ele inspira o ar. Suas narinas se dilatam levemente, como se estivesse farejando algo. Estou hipnotizada.

Alguma coisa nele me atrai. Não é só a beleza. Tem algo mais, e nem mesmo consigo explicar.

Ele olha ao redor da taverna até que seus olhos encontram os meus. O olhar se estreita, e ele murmura algo inaudível para os outros, que parecem surpresos. Enquanto os quatro seguem para uma mesa no fundo, o homem bonito caminha direto para o balcão. Para mim.

— Boa noite. O que vai querer? — Minha voz sai trêmula, para minha vergonha.

Ele me encara em silêncio, e quase me contorço sob o peso daquele olhar. Seus braços são enormes, musculosos, cobertos de tatuagens e algumas cicatrizes. Quero me dar um tapa por me sentir tão atraída por um completo estranho.

— Qual o seu nome? — Sua voz é grossa, rouca, quase um trovão que reverbera em meu peito.

— O que... Não vejo como isso é da sua conta. — Balbucio, as palavras saindo desordenadas.

O estranho desvia o olhar para Eddie, que até então permanecia calado.

— Qual o nome dela?

— Elise. Minha nova funcionária — Eddie responde, e quase caio para trás ao ver meu chefe inclinando levemente a cabeça, quase num gesto de submissão.

— Quero que ela nos sirva esta noite — Ele ordena.

— Meu turno está quase no fim... — Começo a dizer, mas ele me corta.

— Não dou a mínima. Cinco canecas da melhor cerveja. — Sem esperar resposta, ele se vira e vai até a mesa onde estão os outros.

— Desculpe, Elise. Pode me fazer esse favor? Pago 150 hoje pela diária — Eddie diz, e seus olhos quase imploram para que eu aceite.

Ainda sem entender o que acabou de acontecer, sinto pena do meu chefe e aceno em concordância. Mas por dentro, estou furiosa.

O cretino pode ser o homem mais bonito que já vi, mas também é o mais arrogante e mal-educado.

Bufo e seguro a língua para não xingar. Encho as cinco canecas com a m*****a melhor cerveja e Eddie se oferece para levá-las até a mesa. Tento ignorar aqueles homens enquanto continuo a servir os outros clientes. Pelo menos agora terei mais dinheiro para sobreviver por quatro dias.

Ainda assim, sinto-me observada durante todo o tempo em que continuo trabalhando.

Quando a madrugada chega, começo a me preocupar com o caminho de volta para casa. A cidade ainda é um mistério para mim, e Ana me mostrou o trajeto até aqui apenas duas vezes, tentando garantir que eu não me perdesse.

Vai ser um milagre se eu conseguir voltar sem me perder. E, claro, meu celular nem tem internet para usar o GPS.

Caralho de vida...

A taverna vai esvaziando, e o grupo dos cinco é o último a sair. Continuo secando um copo quando o idiota do líder paga a conta para Eddie. Sinto seus olhos me queimando, mas permaneço de costas, ignorando-o.

Quando eles finalmente saem, solto um suspiro de alívio.

— Vai pedir demissão? — Eddie brinca, encostado no balcão.

— Não está nos meus planos. — Respondo sinceramente. Mal sabe ele que estou mais do que acostumada com as merdas que a vida j**a no meu colo.

— Aqui. Eu já limpei tudo e vou fechar. Pode ir para casa, garota. — Ele me entrega o pagamento, que enfio no bolso sem hesitar. — Tome cuidado. Qualquer coisa, use aquele canivete que você carrega no tornozelo.

Aceno automaticamente, mas de repente paro.

Como ele sabe sobre o canivete?

Olho para Eddie, que me encara de volta como se nada estivesse fora do comum. Balanço a cabeça, incrédula, e decido não perguntar. Já chega de estranhezas por hoje.

Uma coisa eu sei: essa cidade é realmente peculiar.

— Até amanhã — Murmuro. Ele assente com um aceno de cabeça.

Pego minha bolsa, que mais parece um trapo com alças, e saio antes que algo mais bizarro aconteça e me faça ficar até o amanhecer.

O combinado era o turno terminar à meia-noite, mas já passam das três. Não há ninguém na rua, e tenho uma caminhada de três quarteirões pela frente. Apresso o passo, mantendo os olhos atentos a qualquer movimento suspeito.

A sensação de estar sendo observada me acompanha o caminho inteiro, e eu só consigo culpar aquele cretino. Ter sido encarada por quase três horas, como se ele fosse um psicopata, me deixou paranoica.

Quando chego em casa, meus pés estão em frangalhos. Três bolhas novas no tênis apertado de segunda mão. Arranco os sapatos o mais rápido possível e solto um suspiro ao sentir o ar gelado na pele.

A casa está em silêncio. Ana deve estar dormindo.

Ignoro a reclamação do meu estômago e vou direto para o chuveiro, tomando um banho rápido antes de me jogar na cama.

Apesar de tudo, o dia não foi tão ruim. Não posso reclamar.

Recomeços são difíceis, mas, no final, valem a pena. É o que repito para mim mesma todos os dias, até que isso se torne verdade.

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