Capítulo 4 - Elise

Uma mão amiga.

É sexta-feira, e Eddie me deu o dia de folga. Coincidentemente, Ana também está em casa.

— Então, ele foi um babaca ao te conhecer e, depois, quis puxar assunto? — Ana pergunta, tentando entender. Apenas confirmo com a cabeça.

— Homens nascem com uma falha de comunicação e uma inclinação para desvio de caráter, mas isso a gente já sabe.

— Ah, sim. Não me surpreende. A maior parte do tempo, ignoro. Todo mundo me encara como se eu fosse um pedaço de carne. Ele é só... Insistente.

— Você disse que o nome dele é Malachi Fenrir? — Pergunta, enquanto olha a tela do celular.

— Foi o que ele disse — Respondo, bebendo o café forte na minha xícara, apreciando o sabor que desliza pela minha língua.

— Caramba, ele é o dono da madeireira da cidade. Um dos homens mais ricos daqui. — Ana me mostra a tela do celular, exibindo a foto do mesmo homem que vi duas vezes na Taverna. — Bonito, gostoso e rico. O sonho de muitas mulheres.

— Acrescente arrogante, prepotente e babaca. — Murmuro, desviando o olhar. Meu coração dispara, e aquela mesma sensação estranha me domina outra vez.

É um misto de adrenalina e necessidade, como se algo me faltasse, mas eu não sei o quê exatamente.

— Enfim! Ele provavelmente se sentiu atraído por você e acha que pode te comer. Deve pensar que é uma mulher fácil por estar trabalhando naquele lugar. — Ana ironiza, largando o celular.

— Deixe-o sonhar — Resmungo.

— Falando em idiotas, Trevor parou de te perturbar?

O nome dele é suficiente para um arrepio percorrer meu corpo, como um presságio ruim.

— Desativei todas as redes sociais e troquei meu número quando saí — respondo. Sair, claro, era apenas outra forma de dizer fugir. — Faz dois meses que não o vejo.

Tudo terminou em desastre entre Trevor e eu. Entrei naquele relacionamento iludida, perdida e apaixonada pela ideia de uma pessoa que não existia. A máscara caiu em apenas três meses. Demorei mais um ano para conseguir sair daquele inferno.

Foi uma luta entender que amor não machuca, nem manipula. Quando finalmente consegui me libertar, abandonei tudo: minha vida, meu trabalho, até meus pertences. Não tinha ninguém. Fui criada em lares temporários e, aos dezoito, quando não fui adotada, jogaram-me no mundo para me virar.

— Espero que ele nunca mais apareça. Você merece ser feliz — diz Ana, seu rosto suavizando.

— Espero que ele apodreça e nunca mais ouse pensar em mim. — Respiro fundo, tentando afastar as lembranças. Ainda carrego alguns hematomas, mesmo dois meses depois de ter saído. — Nunca vou poder te agradecer o suficiente, Ana. Eu estava perdida antes de receber sua ligação. Não tinha nem onde dormir.

— É para isso que amigas servem, Elise. Aquele merda te obrigou a cortar contato com todo mundo. Ainda bem que você lembrou de me mandar uma mensagem antes de desinstalar as redes sociais.

Ana sorri, mas por um momento, vejo uma sombra de preocupação em seu rosto. Afinal, fugir é uma solução temporária, e ambas sabemos que fantasmas como Trevor não desaparecem tão facilmente.

— O que acha de sairmos para almoçar? Talvez tomar um sorvete em seguida, conhecer um pouco da cidade. — Sugere Ana, empolgada, os olhos brilhando de animação.

— Ana... — Começo a negar, sem jeito.

— Eu pago, Elise. Considere meu presente de boas-vindas. — Insiste, me olhando com um sorriso caloroso. Sinto um nó na garganta, e meus olhos se enchem de lágrimas. Não estou acostumada com gestos assim. A vida sempre me tratou com crueldade, e essa generosidade inesperada me desarma.

— Não tenho roupas para sair. — Murmuro, quase como uma desculpa, o rosto aquecendo de vergonha.

— Empresto as minhas. Vem, vamos nos trocar juntas. Vou te levar ao meu restaurante favorito. — Diz ela, já puxando minha mão, como se não aceitasse nenhuma objeção.

Seu entusiasmo é contagiante, e pela primeira vez em muito tempo, sinto uma pontinha de esperança. Talvez hoje não seja ruim, me permitir esse momento com minha amiga.

Almoçamos em um lugar incrível, com comida saborosa e fresca. O clima acolhedor tornou tudo ainda mais especial. Caminhamos pelas ruas movimentadas enquanto saboreamos o sorvete na casquinha. Um gesto tão simples, mas que me emociona. Nunca tive muitas oportunidades para aproveitar momentos assim.

De repente, uma voz grave e irritada corta o som da cidade, me fazendo parar no meio da calçada. Instintivamente, olho para a esquerda.

— O que foi, amiga? — Ana pergunta, curiosa.

— Ah, não! — Murmuro, reconhecendo a voz. Começo a andar mais rápido. — Vamos, Ana. Rápido!

Estávamos em frente à madeireira de Malachi, e, claro, a voz sensual só podia ser dele.

— Aquele é ele, não é? — Ana pergunta, com um sorriso travesso. Confirmo com um aceno rápido.

— Elise, não seja tola. O homem é uma delícia.

— A beleza dele não compensa a falta de caráter. — Resmungo, sentindo um arrepio ao lembrar da última vez que o vi.

Ana gargalha, debochada.

— Coloque uma mordaça na boca dele e sente no homem. Problema resolvido.

Apesar de mim mesma, a provocação me arranca um sorriso.

— Você não presta, Ana.

— Eu sei. — Responde ela, piscando, enquanto me puxa pela mão para continuarmos nossa caminhada.

Nos afastamos da madeireira, mas minha mente insiste em voltar àquela voz. Era como se ele tivesse o poder de fazer meu corpo reagir antes mesmo que eu quisesse.

— Elise, está ouvindo o que eu disse? — Ana pergunta, interrompendo meus pensamentos.

— Hã? Desculpa, estava distraída.

— Imaginei. Estava pensando no gostoso, né? — Provoca, rindo.

— Nem um pouco. — Minto, mas minha expressão provavelmente me entrega.

— Sei. Não precisa negar, mas, sério, Elise. Se ele está tão interessado, por que não se dá a chance de ao menos descobrir qual é a dele?

— Porque sei exatamente qual é a dele. — Digo, tentando soar firme. — Um cara acostumado a ter tudo do jeito que quer, sem se importar em pisar em quem for necessário.

Ana apenas ergue a sobrancelha, como quem diz que minha análise é um tanto exagerada, mas não insiste no assunto.

Chegamos a uma praça pequena, com bancos espalhados e crianças correndo ao redor de uma fonte. Ana se senta, ainda segurando o restinho do sorvete, e me faz companhia enquanto o movimento tranquilo da cidade começa a diminuir.

— É um lugar bonito. — Digo, tentando mudar o foco da conversa.

— Sim. Por isso gosto de morar aqui. Tem uma energia boa, diferente daquela loucura da cidade grande.

Concordo, observando as crianças brincando. Por um momento, quase esqueço as complicações que me cercam.

Meus pensamentos não conseguem se afastar das breves interações com Malachi, e, por mais que tente ignorar, uma obsessão distorcida começa a se formar em minha mente. Não posso negar que ele tem algo que me atrai: sua beleza, sua masculinidade, e essa força que transparece. As tatuagens em seu corpo me hipnotizam, e se eu deixar meus pensamentos vagarem, sei que vou ter um problema molhado entre as pernas.

Talvez eu esteja o julgando pelo seu jeito rude da primeira vez que nos vimos, mas é difícil não compará-lo aos outros homens. Malachi Fenrir parece o tipo de cara que faz o que for preciso para alcançar seus objetivos, e no momento, parece que eu sou esse objetivo.

Eu poderia me sentir lisonjeada pela atenção dele, afinal, eu me acho bonita, embora um pouco descuidada às vezes. Talvez um pouco mais de cuidado me ajudasse, mas ainda assim, sei que não sou de todo desagradável aos olhos. Mas a questão é: o que exatamente chamou a atenção dele em mim? Será que ele está realmente interessado, ou é só mais uma jogada?

Ver ele me observar daquela maneira, com tanta intensidade, já me diz o suficiente para que eu tenha um alerta ligado. Preciso tomar cuidado.

Não posso me machucar mais uma vez.

É sábado, e a tarde está mais quente do que o habitual. O barulho das ruas ecoa em minha mente enquanto caminho em direção ao trabalho. Cada passo parece mais pesado que o anterior, como se algo estivesse me puxando para uma direção que eu não quero seguir. E, inevitavelmente, meus pensamentos voltam para Malachi.

Ele aparece na minha mente, com aquele olhar intenso, quase predatório, como se estivesse me estudando, me desafiando. Sua presença tem algo de impossível de ignorar, algo que me incomoda e me atrai ao mesmo tempo. Tento afastar o pensamento, mas ele persiste, como uma sombra que se recusa a desaparecer.

Entro na taverna e o cheiro familiar de madeira e bebida mistura-se com o som das conversas ao fundo, mas a sensação de inquietude não vai embora. Tento me concentrar no trabalho, mas algo em mim sabe que, de alguma forma, ele está por perto. Não sei se é apenas minha imaginação ou se é o peso daquela atração que começo a não conseguir mais controlar. Mas a verdade é que, quando penso em Malachi, é como se ele já tivesse tomado conta de minha mente e não houvesse mais como escapar disso.

Só espero não estar enlouquecendo.

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