Uma mão amiga.
É sexta-feira, e Eddie me deu o dia de folga. Coincidentemente, Ana também está em casa. — Então, ele foi um babaca ao te conhecer e, depois, quis puxar assunto? — Ana pergunta, tentando entender. Apenas confirmo com a cabeça. — Homens nascem com uma falha de comunicação e uma inclinação para desvio de caráter, mas isso a gente já sabe. — Ah, sim. Não me surpreende. A maior parte do tempo, ignoro. Todo mundo me encara como se eu fosse um pedaço de carne. Ele é só... Insistente. — Você disse que o nome dele é Malachi Fenrir? — Pergunta, enquanto olha a tela do celular. — Foi o que ele disse — Respondo, bebendo o café forte na minha xícara, apreciando o sabor que desliza pela minha língua. — Caramba, ele é o dono da madeireira da cidade. Um dos homens mais ricos daqui. — Ana me mostra a tela do celular, exibindo a foto do mesmo homem que vi duas vezes na Taverna. — Bonito, gostoso e rico. O sonho de muitas mulheres. — Acrescente arrogante, prepotente e babaca. — Murmuro, desviando o olhar. Meu coração dispara, e aquela mesma sensação estranha me domina outra vez. É um misto de adrenalina e necessidade, como se algo me faltasse, mas eu não sei o quê exatamente. — Enfim! Ele provavelmente se sentiu atraído por você e acha que pode te comer. Deve pensar que é uma mulher fácil por estar trabalhando naquele lugar. — Ana ironiza, largando o celular. — Deixe-o sonhar — Resmungo. — Falando em idiotas, Trevor parou de te perturbar? O nome dele é suficiente para um arrepio percorrer meu corpo, como um presságio ruim. — Desativei todas as redes sociais e troquei meu número quando saí — respondo. Sair, claro, era apenas outra forma de dizer fugir. — Faz dois meses que não o vejo. Tudo terminou em desastre entre Trevor e eu. Entrei naquele relacionamento iludida, perdida e apaixonada pela ideia de uma pessoa que não existia. A máscara caiu em apenas três meses. Demorei mais um ano para conseguir sair daquele inferno. Foi uma luta entender que amor não machuca, nem manipula. Quando finalmente consegui me libertar, abandonei tudo: minha vida, meu trabalho, até meus pertences. Não tinha ninguém. Fui criada em lares temporários e, aos dezoito, quando não fui adotada, jogaram-me no mundo para me virar. — Espero que ele nunca mais apareça. Você merece ser feliz — diz Ana, seu rosto suavizando. — Espero que ele apodreça e nunca mais ouse pensar em mim. — Respiro fundo, tentando afastar as lembranças. Ainda carrego alguns hematomas, mesmo dois meses depois de ter saído. — Nunca vou poder te agradecer o suficiente, Ana. Eu estava perdida antes de receber sua ligação. Não tinha nem onde dormir. — É para isso que amigas servem, Elise. Aquele merda te obrigou a cortar contato com todo mundo. Ainda bem que você lembrou de me mandar uma mensagem antes de desinstalar as redes sociais. Ana sorri, mas por um momento, vejo uma sombra de preocupação em seu rosto. Afinal, fugir é uma solução temporária, e ambas sabemos que fantasmas como Trevor não desaparecem tão facilmente. — O que acha de sairmos para almoçar? Talvez tomar um sorvete em seguida, conhecer um pouco da cidade. — Sugere Ana, empolgada, os olhos brilhando de animação. — Ana... — Começo a negar, sem jeito. — Eu pago, Elise. Considere meu presente de boas-vindas. — Insiste, me olhando com um sorriso caloroso. Sinto um nó na garganta, e meus olhos se enchem de lágrimas. Não estou acostumada com gestos assim. A vida sempre me tratou com crueldade, e essa generosidade inesperada me desarma. — Não tenho roupas para sair. — Murmuro, quase como uma desculpa, o rosto aquecendo de vergonha. — Empresto as minhas. Vem, vamos nos trocar juntas. Vou te levar ao meu restaurante favorito. — Diz ela, já puxando minha mão, como se não aceitasse nenhuma objeção. Seu entusiasmo é contagiante, e pela primeira vez em muito tempo, sinto uma pontinha de esperança. Talvez hoje não seja ruim, me permitir esse momento com minha amiga. • Almoçamos em um lugar incrível, com comida saborosa e fresca. O clima acolhedor tornou tudo ainda mais especial. Caminhamos pelas ruas movimentadas enquanto saboreamos o sorvete na casquinha. Um gesto tão simples, mas que me emociona. Nunca tive muitas oportunidades para aproveitar momentos assim. De repente, uma voz grave e irritada corta o som da cidade, me fazendo parar no meio da calçada. Instintivamente, olho para a esquerda. — O que foi, amiga? — Ana pergunta, curiosa. — Ah, não! — Murmuro, reconhecendo a voz. Começo a andar mais rápido. — Vamos, Ana. Rápido! Estávamos em frente à madeireira de Malachi, e, claro, a voz sensual só podia ser dele. — Aquele é ele, não é? — Ana pergunta, com um sorriso travesso. Confirmo com um aceno rápido. — Elise, não seja tola. O homem é uma delícia. — A beleza dele não compensa a falta de caráter. — Resmungo, sentindo um arrepio ao lembrar da última vez que o vi. Ana gargalha, debochada. — Coloque uma mordaça na boca dele e sente no homem. Problema resolvido. Apesar de mim mesma, a provocação me arranca um sorriso. — Você não presta, Ana. — Eu sei. — Responde ela, piscando, enquanto me puxa pela mão para continuarmos nossa caminhada. Nos afastamos da madeireira, mas minha mente insiste em voltar àquela voz. Era como se ele tivesse o poder de fazer meu corpo reagir antes mesmo que eu quisesse. — Elise, está ouvindo o que eu disse? — Ana pergunta, interrompendo meus pensamentos. — Hã? Desculpa, estava distraída. — Imaginei. Estava pensando no gostoso, né? — Provoca, rindo. — Nem um pouco. — Minto, mas minha expressão provavelmente me entrega. — Sei. Não precisa negar, mas, sério, Elise. Se ele está tão interessado, por que não se dá a chance de ao menos descobrir qual é a dele? — Porque sei exatamente qual é a dele. — Digo, tentando soar firme. — Um cara acostumado a ter tudo do jeito que quer, sem se importar em pisar em quem for necessário. Ana apenas ergue a sobrancelha, como quem diz que minha análise é um tanto exagerada, mas não insiste no assunto. Chegamos a uma praça pequena, com bancos espalhados e crianças correndo ao redor de uma fonte. Ana se senta, ainda segurando o restinho do sorvete, e me faz companhia enquanto o movimento tranquilo da cidade começa a diminuir. — É um lugar bonito. — Digo, tentando mudar o foco da conversa. — Sim. Por isso gosto de morar aqui. Tem uma energia boa, diferente daquela loucura da cidade grande. Concordo, observando as crianças brincando. Por um momento, quase esqueço as complicações que me cercam. Meus pensamentos não conseguem se afastar das breves interações com Malachi, e, por mais que tente ignorar, uma obsessão distorcida começa a se formar em minha mente. Não posso negar que ele tem algo que me atrai: sua beleza, sua masculinidade, e essa força que transparece. As tatuagens em seu corpo me hipnotizam, e se eu deixar meus pensamentos vagarem, sei que vou ter um problema molhado entre as pernas. Talvez eu esteja o julgando pelo seu jeito rude da primeira vez que nos vimos, mas é difícil não compará-lo aos outros homens. Malachi Fenrir parece o tipo de cara que faz o que for preciso para alcançar seus objetivos, e no momento, parece que eu sou esse objetivo. Eu poderia me sentir lisonjeada pela atenção dele, afinal, eu me acho bonita, embora um pouco descuidada às vezes. Talvez um pouco mais de cuidado me ajudasse, mas ainda assim, sei que não sou de todo desagradável aos olhos. Mas a questão é: o que exatamente chamou a atenção dele em mim? Será que ele está realmente interessado, ou é só mais uma jogada? Ver ele me observar daquela maneira, com tanta intensidade, já me diz o suficiente para que eu tenha um alerta ligado. Preciso tomar cuidado. Não posso me machucar mais uma vez. • É sábado, e a tarde está mais quente do que o habitual. O barulho das ruas ecoa em minha mente enquanto caminho em direção ao trabalho. Cada passo parece mais pesado que o anterior, como se algo estivesse me puxando para uma direção que eu não quero seguir. E, inevitavelmente, meus pensamentos voltam para Malachi. Ele aparece na minha mente, com aquele olhar intenso, quase predatório, como se estivesse me estudando, me desafiando. Sua presença tem algo de impossível de ignorar, algo que me incomoda e me atrai ao mesmo tempo. Tento afastar o pensamento, mas ele persiste, como uma sombra que se recusa a desaparecer. Entro na taverna e o cheiro familiar de madeira e bebida mistura-se com o som das conversas ao fundo, mas a sensação de inquietude não vai embora. Tento me concentrar no trabalho, mas algo em mim sabe que, de alguma forma, ele está por perto. Não sei se é apenas minha imaginação ou se é o peso daquela atração que começo a não conseguir mais controlar. Mas a verdade é que, quando penso em Malachi, é como se ele já tivesse tomado conta de minha mente e não houvesse mais como escapar disso. Só espero não estar enlouquecendo.Um ousado problema.Giro a caneta entre os dedos enquanto a lembrança de Elise rindo com a amiga, enquanto passeava pela cidade, se repete na minha cabeça. Senti sua presença antes mesmo que me notasse, e me divertiu a forma como ficou apressada ao me ver.Já aceitei que pressioná-la não vai funcionar. Conquistar sua atenção vai levar tempo, e, embora isso me irrite, terei que ter paciência.No escritório da vila, termino de revisar os últimos pedidos e contratos da madeireira. A disputa pelos serviços está acirrada, e isso infla meu ego. Tenho dado duro para levar esse negócio onde está hoje. Meu pai foi bom administrador, mas não chega perto do que estou fazendo agora.A alcateia e a vila nunca mais terão problemas com dinheiro.A porta se abre de repente, e nem me surpreendo ao ver Kiran entrando como se fosse o dono do lugar. Esse garoto não tem um pingo de educação. Meus pais estavam ocupados demais o mimando para se importarem com mais nada. Minha mãe é uma ômega gentil e am
A decisão de um Alfa.— Filho, finalmente me ligou. Às vezes penso que se esqueceu de seus pais. Um alfa também precisa ter um tempo para a família…— O que está pensando alimentando as fantasias de Lisa? Nunca concordei em tomá-la como minha ômega! — Esbravejo, e meu pai suspira. — Ela invadiu minha casa e se deitou na minha cama sem um convite. Sabe que eu poderia puni-la publicamente por isso, certo?— Não faça isso, Malachi. Lisa foi influenciada pela conversa que tive com o pai dela. Tenho insistido há anos para arrumar uma esposa, uma ômega da nossa alcateia, mas você sempre dá uma desculpa.— E você insiste em desrespeitar minha decisão.— Precisa de um herdeiro. — Insiste, frustrado.— Encontrei minha parceira. — Solto de uma vez.— Não seja teimoso… O quê?Sinto vontade de gargalhar pelo choque evidente em sua voz.— Minha parceira predestinada… eu a encontrei. — Repito, e ele exala audivelmente.— É de outra alcateia? — Questiona, e me sento em minha cama, temeroso.— Ela se
Uma dor e um cartão misterioso. O barulho de alguém batendo na porta da frente me desperta. Eddie tinha me dispensado depois que contei sobre minha cólica. O mais surpreendente foi ele pedir para eu voltar só quando meu período acabasse. Nem tive como discutir, por mais que quisesse. Ele parecia constrangido ao dizer aquilo, e eu preferi não piorar uma situação que já estava longe de ser boa. Ana está no trabalho, como sempre. Estou preocupada com as diárias que estou perdendo. Sem conseguir um segundo emprego, ficar sem pagamento é uma merda. Levanto com o estômago se revirando. Essa cólica tá diferente de todas as outras. Mais intensa, mais cruel. No primeiro dia, cheguei a considerar ir pro hospital. A dor me deixava à beira de desmaiar. Só apaguei depois de tomar três analgésicos e, graças a isso, consegui ignorar o tormento por algumas horas enquanto dormia. Arrasto os pés até a porta, com o corpo sensível e dolorido. — Senhorita Elise? Entrega para você. — Um rapaz ruivo me
Black Card e problemas. “Não quero nada de você, seu maldito! Vou devolver tudo, e se não aceitar, jogo essa merda no lixo! Tá achando o quê? Que vai me comprar com isso? Não achei minha buceta no lixo, porra! Me deixe em paz!” As palavras furiosas se repetem em minha mente. — Não diga nada! — Aviso a Kiran, que sorri e já abre a boca. — Eu preciso dizer, ou vou sufocar e morrer. — Então morra. — Rosno, irritado. — Irmão, você realmente achou que mandar um black card pra ela seria um bom primeiro passo? — Solta, e só não arremesso algo na cabeça dele porque seria perda de tempo. — Ela deve estar pensando que você tá chamando ela de prostituta. — Só quero cuidar dela! — Digo, frustrado. — Depois do que Eddie disse, não pensei muito, só agi. — Bem, você se lascou. Agora vai ter que voltar à estaca zero. Ah, não, espera... você nunca saiu dela! — Provoca, gargalhando. Elise definitivamente foi de me ignorar pra me odiar. Não imaginei que ela levaria o presente como uma ofensa tão
O Recomeço.Reviro os olhos para o segundo bêbado da noite que derruba a caneca parcialmente cheia no chão. O barulho ensurdecedor das vozes misturado ao cheiro forte de álcool e cigarro não me incomoda, mas cada olhar dos homens ao redor, como se eu fosse um pedaço de carne, me faz querer sacar o pequeno canivete preso ao meu tornozelo.O que diabos há com esses caras?Não é a primeira vez que me faço essa pergunta hoje. Minha primeira noite no novo emprego, nessa cidade estranha, tem sido... peculiar. Ana havia me alertado que havia algo de diferente nesse lugar, mas ainda não tinha descoberto o quê.Eu sinto essa diferença no ar. Algo indefinível, mas presente. Até eu, com minha percepção pouco aguçada, consigo notar a estranheza que parece impregnar o ambiente.— Mais uma! — Berra outro bêbado, batendo a caneca vazia no balcão. Eu sei o que ele quer sem precisar perguntar, e me viro para servir, ignorando o jeito nojento com que ele percorre meu corpo com os olhos.Todo homem
Humana.Nem mesmo nos meus piores pesadelos imaginei que minha parceira predestinada poderia ser uma humana.Duas noites atrás, quando entrei na taverna de Eddie — um beta —, fui invadido pelo cheiro mais doce e um sentimento avassalador. Procurei pelo recinto até que meus olhos a encontraram.Alta, esbelta e loira. Seus olhos verdes marcantes, boca sensual repuxada em desgosto, parecendo querer estar em qualquer lugar, menos ali, servindo um bando de brutamontes bêbados. E o detalhe mais importante: totalmente humana.Seu cheiro não escondia isso, mesmo que diferente dos outros humanos, já que seu aroma doce me parece tão malditamente atraente.— Pare de encarar. — Kiran rosna ao meu lado. Estamos sentados no fundo da taverna.— Não consigo. — Retruco, irritado.Desde que entrei aqui novamente, recebendo um olhar de desdém de Elise, meus olhos se recusam a desviar. Ela é hipnotizante, movendo-se com eficiência atrás do balcão, servindo bebida atrás de bebida.Cerro os punhos q
O nome do homem rude.Ele está aqui outra vez. Caminha até o balcão com uma expressão indecifrável, mas os olhos brilham de um jeito perigoso.Aquele puxão que senti na primeira vez que o vi parece ainda mais forte. Irritante e impossível de ignorar.Quero dar as costas e fingir que ele não existe, que nem mesmo o conheço, mas não consigo esquecer como foi rude na primeira vez.Meu turno está chegando ao fim, e hoje não vou ficar até tarde, nem que me obriguem. Meu ciclo está por vir, e o desconforto da cólica já começa a se manifestar.Eddie percebe minha expressão desgostosa, mas o atende, enchendo as canecas. Ainda assim, ele não vai embora.— É nova na cidade? — Ouço a pergunta e quase admiro a falta de vergonha dele.Primeiro, me humilha. Agora, quer saber da minha vida.— Se não me responder, perguntarei a Eddie — pressiona.— É assim que manipula as pessoas para conseguir o que quer? Parece coisa de valentão.— Estou tentando conversar com você — se defende, e eu solto