— E então vocês descobriram ser perfeitos um para o outro e se beijaram. — Gia segurou as mãos entre os seios pequenos e inclinou o corpo para frente no carro blindado.
Ela estava com os cabelos castanhos alisados presos em um coque por cima da cabeça e usando um top azul pastel e uma saia florida azul e rosa colados em seu corpo de modelo. O sorriso em seus lábios grossos e pequenos não escondiam o seu olhar sonhador.
— Quem me dera, mas não foi bem assim. Maestro me deixou no hotel depois do jantar, zero beijos. — Estalei a língua e cruzei os braços. Escolhi uma blusa ciganinha branca e calça jeans das minhas preferidas: rasgadas! Eu estava mais para o conforto depois de uma noite tão difícil.
— Pelo menos vocês deram uma trégua. Aquela briga na piscina foi terrível e Piersanti estava comentando sobre como foi no restaurante. — Surya ergueu as sobrancelhas escuras e bem desenhadas que contrastavam com sua pele branquinha. Ela estava de calça cáqui bege e uma blusinha branca cropped.
— Piersanti é um linguarudo. — Mordi a bochecha revirando os olhos. Como Piersanti não foi conosco, imaginei que a fofoca realmente percorreu pelos soldados.
— Você devia pelo menos pedir desculpas por expô-lo daquele jeito. — Gia deslizou as mãos pelas pernas.
— Ele ganhou uma promoção. — Surya balançou a mão. — Tenho certeza que Maestro não vai deixar nenhum outro homem ser seu guarda-costas por milênios agora que ele sabe que Piersanti é gay e não tem interesse em você.
— Não me interessa o que Maestro pensa ou deixa de pensar, não é como se ele fosse me perguntar alguma coisa. — Suspirei aborrecida. — Não quero pensar nisso agora. — Ergui a mão para frente.
— Melhor pensar no vestido. — Gia inseriu. — É tradição a noiva se casar com o vestido da mãe ou da sogra, tem certeza que tia Vicenza não ficará aborrecida por você descartar o vestido dela?
— Ela usou um lindo modelo corneta! — Surya falou com um suspiro. — Eu vi as fotos. Adoraria usá-lo.
— Deixo o de mamãe para você, Surya! Escolhi usar o de Dona Arminda, mesmo. Eu queria um branco, todo branco e o de minha mãe era um tom champagne por baixo da renda. — Sorri para Surya que abriu aquele sorriso de alegria.
A mãe de Surya é uma brasileira criada em uma ilha que foi para a cidade grande e depois se casou com um português. Embora ela seja muito bem casada, o vestido não é muito tradicional para os padrões italianos e Surya não poderia usá-lo de qualquer forma.
Eu sei que noivas sempre querem o vestido perfeito para o dia de seu casamento, algumas são bem ousadas usando decotes abusados e transparência, mas na famiglia as coisas são bem diferentes. Não podemos mostrar muita coisa e temos que usar estilistas da família.
— Obrigada, Firenze. — Surya agradeceu. — Mal posso esperar para ver o vestido da Dona Arminda e para conhecê-la.
— Ai, eu estou tremendo. — Confessei mostrando as mãos. — Ainda mais que não vi o vestido e o escolhi apenas por ser branco, para agradá-la, entende?
— Você devia ter falado com sua tia Alessa, ela tem os melhores contatos. — Surya disse.
— Quando é para vestidos, eu bem peço, mas para casamento, melhor eu manter a tradição. Além disso, tia Alessa anda encrencada, descobriram que ela estava tendo um caso com um modelo em seu ateliê, quer dizer, é o terceiro. — Contei. Minhas amigas abriram os olhos surpresa. — O marido dela não vai fazer nada, Franco é um corno-manso, mas minha vó ficou irada, teve um infarto, quase bateu as botas!
— Sua tia é terrível, pobre Donna Orsola! — Gianna disse com os olhos arregalados. — Ela deu sorte que o marido não a advertiu.
— Deus me livre. — Benzi fazendo o sinal da cruz.
— Que ela seja mais esperta a partir de agora, ou vai continuar tendo os namorados assassinados pela máfia. — Gia comentou.
— Nossa. — Surya não teve humor para comentar.
O carro estacionou diante de uma portinhola vermelha de madeira. Era um ateliê comum de costura, especializado em vestidos de festa, mas eu sabia que por trás daquela porta estava alguém financiado pela Giostra e que costurava muitos vestidos para as mulheres de Nápoles.
Os guardas-costas de Dona Arminda já estavam no local o que criou um frio no estômago, eu estava com receio de ter me atrasado, por isso, abri a porta e saltei apressada, correndo em saltos agulha até a portinha enquanto minhas amigas me seguiam com calma.
A porta do ateliê se abriu revelando um local abarrotado de prateleiras e anáguas. Uma mulher de cabelos compridos e loiros atendeu. Ela me encarou, mas sorriu, como se me esperasse. Não era muito nova e usava uma roupa esquisita e fora de moda, casual até demais.
— Firenze! — Uma mulher mais elegante saltou na minha direção.
Ela tinha os cabelos lisos e castanhos escuros, olhos verdes e um sorriso grande de dentes pontiagudos. Dona Arminda, eu sabia! Tinha uma certa semelhança com Maestro, é claro. Ela parecia mais velha do que o esperado, com bastante rugas no rosto e a pele queimada do sol na beira da piscina de sua casa. Formal, estava de saltos finos e vestido com paletó.
— Espero não ter me atrasado, Dona Arminda!
— Nem um pouco. — Ela passou os braços magros e pelancudos pelo meu corpo e me abraçou com carinho. Eu me senti bem com ela, recepcionada! — Essa é Regina, minha filha mais nova.
Olhei para a garota gótica de cabelos castanhos raspados em uma das laterais. Ela estava usando uma roupa toda preta e um batom escuro demais para as mulheres da máfia. Sabe, a maioria de nós usa rosinha básico, “boa moça” (por isso Maestro reclamou tanto do vermelho). Eu mesma tinha jogado o batom vermelho no lixo quando voltei do jantar, tive que reconhecer minha derrota, pelo menos por enquanto.
— Muito prazer. — Sorri em sua direção, mas ela continuou de cara fechada mau-humorada e nem me cumprimentou. — Essas são minhas amigas e bestmaids, Gianna Catellani e Surya Bellone. — Indiquei minhas amigas.
— O que são bestmaids? — O sorriso de Dona Arminda parecia um pouco mecânico agora e ela abria os olhos cheios de máscara para cílios de um jeito assustador.
— Madrinhas, mamãe, as madrinhas principais. — Regina olhou as unhas pintadas de esmalte preto.
— São casadas? Tão novas! — Dona Arminda reparou, olhando para Surya e Gianna alternadamente.
— Não, eu sou solteira graças a Deus. — Gia se benzeu. Como se ela aproveitasse o fato de ser solteira para fazer alguma coisa, não é mesmo?
— Ainda estou para me casar, com Andrea, é que os Mantovani irão esperar o casamento de Firenze antes de marcar uma data. — Surya explicou deslizando as mãos em seus cachos.
— Não, isso não é bom. — Dona Arminda me olhou abismada. — Para dar boa sorte é bom que os padrinhos sejam muito bem casados.
— Na máfia, mamãe? — Regina deu uma risada amarga. — Boa sorte preenchendo a solicitação! — Debochou se recostando no balcão.
Engoli em seco e coloquei a mão na garganta, sentindo cada músculo apertado. Eu já tinha aberto mão de muita coisa para que Dona Arminda fizesse no casamento. Eu não sabia como seria a decoração, o local, não escolhi as músicas e nem os convites, além disso nada sabia sobre detalhes como fotógrafos, músicos e a lua de mel. Só veria no dia. E tinha o buquê, que o noivo costuma comprar sem a interferência da noiva, tido como o último presente dele antes de se casarem. Nem preciso dizer que eu estava com uma bomba prestes a explodir.
— Mas bestmaids são a última moda nos Estados Unidos. — Exasperei desesperada para me justificar.
— Você tá bem desatualizada, viu? — Regina soltou um riso debochado.
— Podemos ser apenas damas de honra. — Disse Surya erguendo a mão com delicadeza, sabendo que era hora de recuar naquela ideia.
— Melhor, melhor. Se você não tem nomes de gente bem casada, vou procurar na família. — Disse Dona Arminda batendo as mãos em meus braços. Suspirei resignada. Eu não queria entrar em uma discussão com a minha sogra, não depois do jantar difícil com Maestro, que não deu em nada. — Regina ligue para sua madrinha, Vicenza Mantovani, ela conhece quase todas as mulheres e vai saber o nome de alguém para ficar bonito no altar. — Ordenou.
— Claro, mamãe. — Regina pegou seu celular com a capinha de uma tábua ouija tenebrosa e se afastou um pouco digitando.
— Puxa, mas e minhas amigas? Eu queria um local de destaque para elas. — Pedi alternando o olhar entre Surya e Gia, as duas tentavam mostrar que não ficaram chateadas com isso.
— Vamos dar um jeito de suas amigas participarem de alguma forma, mas convenhamos, Firenze… Não quer que comentem na festa sobre as bênçãos dos padrinhos serem fracas. — Dona Arminda pontuou.
Imaginei Piera Muniro usando aquilo contra meu casamento e falando ao pé do ouvido de Maestro que era um bom sinal.
— Você tem razão. — Segurei na mão de Dona Arminda e larguei um beijo de respeito, me abaixando.
— Ótimo. Agora, me conte, fiquei sabendo que Maestro levou você para jantar ontem à noite? É verdade? — Perguntou-me curiosa, seus olhos me encarando com uma esperança diferente.
— Sim, foi agradável. Quer dizer, depois que nossos temperamentos ficaram menos exaltados e receio ter sido culpa minha, Dona Arminda, não estou acostumada com homens me dizendo o que fazer. — Eu disse. Dona Arminda cruzou o rosto com desgosto. — E Maestro parece ser do tipo que sabe muito bem o que quer e quando quer.
— Ah sim, bambina! Tenha certeza que sim. — Dona Arminda sorriu, mas não de felicidade. — Joyce, Joyce? — Chamou a loira com as mãos e apontou para as escadas. — Podemos entrar para ver o vestido em Firenze?
— Claro! — A loira da recepção abriu um sorriso e contornou o balcão.
Entramos por uma portinha depois dos sofás e uma saleta estava preparada com bolos, chás, sucos e torradas decoradas com patê de cores diversas. Minhas amigas provaram todos, mas eu fui proibida de comer amido para caber no vestido!
Regina ligou para minha mãe e a conversa não durou dez minutos. Rapidamente ela concordou com a sugestão de Dona Arminda e escolheu os nomes:
— Ela disse que Maurizio e Morena Nicastro, pais de Enrico e amigos da família são casados há 25 anos e um casal especialmente bonito. — Regina jogou-se sentada de forma inapropriada para uma moça no sofá, balançando o celular. — E que se você não tiver uma segunda sugestão, Vito e Antonia Palazzo estão disponíveis.
— São meus tios. — Eu disse.
— Hm. — Dona Arminda bebericou o seu espumante cor-de-rosa e cruzou as pernas de maneira elegante. — Tem os tios-avós de Maestro, mas eles são velhos e enfastiantes com comentários impertinentes o tempo todo… O que acha Firenze?
— Se não for nenhum incomodo, eu preferia meus tios. — Sorri simpática.
— Ótimo. — Dona Arminda concordou.
Aquela tinha sido oficialmente a única coisa que escolhi no meu casamento. Foi bom, não que meu tio Vito seja muito próximo, mas lembro de brincar no quintal em sua casa com meus primos e amigos de família, além disso, tia Antonia é irmã da mãe de Gia e do pai de Enrico, ou seja, tudo em família!
— O vestido! — Joyce balançou o vestido de Dona Arminda enrolado em um saco azul e meu corpo inteiro estremeceu. — Venha comigo, Firenze! — Ela me guiou para o banheiro, que não tinha uma privada, era mais um trocador esquisito e com cheiro de mofo, onde deixei toda a minha vestimenta em um armário aberto enquanto Joyce abriu o saco. — Esse é o conjunto de lingerie que usará no casamento? — Contestou, encarando-me.
— Não, não, eu ainda não escolhi.
— Ah, bom, tome essa dica: escolha algo muito sexy! — Riu.
— Eu não quero pensar nisso nesse momento. — Afastei a ideia de que eu teria que perder a virgindade na lua de mel da cabeça. Eu nem estava tão afim de Maestro assim! — Abre logo o vestido, por favor!
Eu juro, meu corpo estava tremendo de medo, já imaginando o tipo de vestido terrível que poderia ter dentro do saco, mas quando Joyce desceu o zíper e tirou o vestido, meu coração quase parou. Era lindo e melhor do que eu poderia esperar, o modelo era de baile, tinha um decote em formato de coração e ombro-ombro com renda e mangas compridas. Dava para ver que a renda era única, costurada a mão por cima do tecido delicado por pessoas muito habilidosas e com pequenas pedrinhas que davam um brilho lindo.
— Não, não, não! — Joyce choramingou e começou a puxar o tecido da saia, foi então que percebi manchas horrorosas como borras de café nas camadas mais para dentro. — Está todo mofado e manchado!
— Oh, não. — Entristeci-me. Meu coração acelerou. Eu não queria usar um vestido todo manchado.
— Vista o roupão, vamos falar com sua sogra. — Ordenou. Esperou apenas eu colocar o roupão por cima do ombro e já abriu a porta. — Sra. di Baroni, o pior aconteceu! — Aproximou-se do centro da sala, entre os sofás e poltronas, onde minhas amigas, cunhada e Dona Arminda estavam, elas pararam imediatamente de conversar. — Está todo manchado!
— Que azar. — Dona Arminda se levantou segurando uma torradinha. — Joyce, e agora? Isso é uma maldição. Firenze?
— Ai. — Coloquei a mão na testa chateada e me sentei com lágrimas nos olhos.
— Ela está gelada! — Gia segurou.
— Tem jeito? Eu vou poder usar o vestido? Meu casamento vai ser um fracasso! — Murmurei.
— Não, nem pensar! — Dona Arminda arregalou os olhos verdes e largou a torrada com Regina que enojada, soltou em cima da mesinha de canto. Ela veio na minha direção, segurou a minha mão preocupada. — Você está pálida, bambina!
— Não pode apenas comprar um novo? — Surya perguntou na maior inocência.
Senti meus olhos ardendo com as lágrimas que queriam sair. Acho que eu estava muito nervosa. O vestido era basicamente a única coisa que eu poderia escolher sozinha em todo o casamento e queria que fosse perfeito aos olhos de toda Giostra, não dava para me casar apenas de lingerie e sapatos! Além disso, usar um modelo novo seria jogar por fora todos os esforços: a tradição mandava que usasse um vestido da famiglia.
— Oh, não! — Gia avisou segurando rapidamente no joelho dela. Como de fora, ela podia se perder nos detalhes facilmente. — Tem que ser com um vestido de família, ou o casamento será banhado de azar, é o que dizem.
— Lenda ridícula. — Regina cruzou os braços e revirou os olhos castanhos escuros cheios de maquiagem. Eu a fulminei com o olhar.
— Deve dar para reformar. — Surya tentou me acalmar. — Ou você pode usar o de sua mãe, não tem problema.
— Mas você quer tanto usá-lo. — Choraminguei, secando as lágrimas que caíram.
— Ah, não chore, per favore. — Joyce se emocionou, enchendo os olhos com lágrimas.
— O que é isso, Firenze, pare. — Dona Arminda segurou a minha mão ainda mais forte. — Joyce, dá para fazer um vestido parecido? O mais próximo possível, para que ninguém perceba que mudamos ele.
— Sim, posso fazer isso. — Joyce garantiu.
— Mas vai dar certo? — Perguntei temerosa, minha voz saiu trêmula e fraca.
— Posso arrancar os brilhantes e devo ter um pano parecido. A renda precisarei costumar, mas se eu contratar mais mão de obra… — Joyce foi falando.
— Contrate quantas pessoas forem necessárias, Joyce, eu pago tudo. — Dona Arminda falou decidida. Eu olhei para ela com surpresa e minhas amigas suspiraram com o mesmo espanto. Minha sogra deu um sorriso de ternura e piscou um olho. — Faça um pouquinho mais cavado o decote, vamos enlouquecer Maestro no altar, ele não se lembra do vestido original, mesmo.
— Com certeza, Dona Arminda! — Joyce abriu um sorriso. Minhas amigas se entreolharam e Regina, como sempre, bufou impaciente e revirou os olhos.
— Cá entre nós, Firenze, meu segredo é que nunca me casei com Domenico realmente, sua família nunca permitiu. — Dona Arminda deu batidinhas em minha mão.
— Mas e o vestido?
— Fizemos uma cerimônia sem a menor validade jurídica em uma capela no campo. Eu era como uma concubina, meus filhos como malditos bastardos até que ele faleceu e em testamento deixou escrito que éramos casados e que reconhecia os filhos. — Dona Arminda sentou-se, Gianna deu espaço para ela se sentar do meu lado. — Ninguém mais pode nos separar.
— Exceto a morte.
— Cale a boca, Regina. — Dona Arminda rosnou em direção da filha que abriu os olhos e se encolheu tomando aquela bronca como uma coisa ruim. — O que quero dizer, bambina, é que meu vestido provavelmente não dá sorte a ninguém, isso não importa! Na verdade o casamento é feito por aqueles que se casam ou se juntam, no amor do dia a dia mesmo. Tenha isso em mente quando colocar a aliança na mão do meu filho no altar.
Engasguei com aquela responsabilidade jogada por inteira para cima de mim. Dona Arminda soltou minha mão e se aproximou de Joyce.
— Eu fiz o seu vestido e sei cada ponto de nó que dei, farei uma réplica a altura. — Disse a dona do ateliê.
— Confio em você, Joyce. — Dona Arminda suspirou. — Vá, Firenze, deixe que Joyce tire suas medidas, vai dar tudo certo.
Sequei as lágrimas, fiquei em pé e fui com a costureira para dentro da saleta novamente, onde ela me mediu em todos os centímetros e disse para eu trazer o sapato na próxima semana, para provar a estrutura. Enquanto fiquei lá dentro, minhas amigas se engajaram em uma conversa com Dona Arminda, que disse que tinha planos para dar destaque a elas no casamento, aproveitou e indicou uma loja onde elas deveriam escolher os vestidos, e que qualquer coisa a chamasse.
Eu estava preocupada, porém feliz, quando me despedi de Dona Arminda e Regina na porta do ateliê, os guardas pareciam ainda mais nervosos quando saímos, olhando para a rua.
— Algum problema, Cesare? — Dona Arminda perguntou a um soldado e reconheci o careca com cara de maníaco.
— Tudo em ordem, senhora! — Cesare estalou os dedos novamente e abriu a porta do carro blindado de luxo.
— Firenze, vou te m****r a agenda, quero que acompanhe as escolhas que estão faltando. — Dona Arminda disse com um sorriso, antes de sentar.
— Grazie, Dona Arminda! Grazie! — Acenei dando pulinhos, Cesare fechou a porta e me encarou sério, daquele jeito de quem está prestes a explodir uma bomba. — Já estou indo para o carro, credo! — Segurei nos braços de minhas amigas, Gia e Surya. — Até que gostei de passar a tarde com Dona Arminda, ela não é tão rígida como pensei que fosse.
— Fortunata, Firenze! Fortunata! — Gianna deu tapinhas no meu braço.
♞♞♞
— Francamente, preciso fazer tudo isso? — Mostrei o meu celular para Piersanti que estava no quiosque. Ele me deu um olhar impaciente, como quem sabia que teria que ir junto e não queria. — Bolo, docinhos e lembrancinhas?
Minha agenda estava cheia, isso que eu tinha marcado o spa e os testes de cabelo antes do casamento, além dos passeios que eu queria fazer por Ischia antes de deixar a cidade e sair de lua de mel surpresa. Qualquer que fosse meu destino seria na Itália, bem tradicional.
— Fique agradecia que no seu caso não envolve lista de presentes, senão você teria que ir em todas as lojas. — Ele acendeu um cigarro e tragou. Empurrei a fumaça abanando a mão. — Scusa. — Pediu. Acenei que sim e ele guardou o maço no bolso frontal do paletó. — Minha irmã quando casou, foi terrível desse jeito.
— Você tem uma irmã? Isso é impressionante. — Desliguei o celular e coloquei em cima da mesa, pegando uma taça de drink feito com limoncello. Olhei para a piscina onde minhas amigas estavam.
— Não vai nadar? — Percebeu meu descontentamento.
— Ah, claro, só se fosse de roupa de mergulho, não é? Maestro não vai me deixar usar nada sem ameaçar a vida de alguém. — Resmunguei e dei um gole na bebida gelada, sentindo meu corpo relaxar.
Voltei para o hotel de cabeça quente. Dona Arminda tinha sido maravilhosa e minhas amigas estavam loucas pela história romântica que envolvia seu casamento. Parece que o irmão de Domenico Baroni, tinha feito o possível para impedir que Dona Arminda se casasse com ele, visto que ela era de fora da máfia; mas não conseguiu impedir que eles criassem uma história de amor juntos.
Tínhamos passado em uma loja de celular para que Surya pudesse substituir o dela que tinha sido molhado (no seu acidente pessoal na piscina). Elas resolveram passar o resto do dia na piscina, para o meu azar.
— Bem feito. — Piersanti resmungou.
Revirei os olhos.
— Desculpe ter exposto você daquela forma. — Eu disse chateada. — E não costumo pedir desculpas, viu? É que fiquei sabendo que te deram apelidos, as pessoas são horríveis.
— Hm. Obrigado, de qualquer forma, Signora. — Ele agradeceu com um olhar enviesado. Fiquei com a impressão que ele estava sendo gentil por obrigação, mas não iria culpá-lo.
— Olhe, se quiser ser dispensado do serviço, posso falar para minha mãe colocar você de volta em Milão. Não precisa ficar por aqui, quer dizer, por Toscana, onde provavelmente irei morar depois de casar. — Avisei com voz de arrependimento, mexendo o canudo nervosamente. Eu realmente queria fazer o melhor por ele.
— Esses bastardos terão que me engolir por mais tempo e lidar com o fato de que sou melhor que todos eles juntos. — Piersanti piscou um olho e sorriu de leve.
— Assim que se fala. — Dei um sorriso orgulhosa. — Admiro sua força.
— Minha força? — Piersanti não levou a sério, mandando o olhar azul desconfiado.
— Bem, se assumir assim em uma organização criminosa é perigoso. A Giostra é bem conservadora. — Eu disse, lembrando de que muitos haviam sofrido os preconceitos no passado.
A máfia tem homens e mulheres decentes, que vão a igreja e vivem pelas regras de Deus. Mas no dia a dia essas mesmas pessoas assassinam e roubam. A organização se tornou desviada dos princípios. Dos de cargo mais altos ainda se exige mais, há muitos que vivem de segredo, com casamentos de fachadas, eu conheço algumas histórias.
Piersanti não respondeu e ergueu as sobrancelhas. Meu celular tocou e atendi, olhando rapidamente para o visor.
— Nossa, finalmente, achei que nunca ia me ligar. Onde você está Benito? — Acenei para Gianna e Surya, chamando-as. — Devia ir me buscar no aeroporto, em vez disso, perdeu dois dias de pura ação do meu casamento! Péssimo amigo você é!
— Seja boazinha, estou sendo o melhor assessor de casamentos que você sonharia em ter. Enrico está comigo, tem sido estressante. — Benito revelou.
— Eu não sabia que estava envolvido com o casamento! — Comentei confusa enquanto minhas amigas deixaram a piscina, se secaram e se aproximaram do quiosque.
— Maestro é um homem exigente e precisava da opinião de quem te conhece para definir algumas coisas. Você não acha que eu viria para Ischia antes de todo mundo se não fosse por isso, acha? — Benito riu. — Além disso, eu estava instalando o sistema de segurança. — Revelou o real motivo de vir a Ischia com antecedência.
— Ah, claro, segurança. — Imaginei as milhares de câmeras na igreja, no salão de festas e onde quer que fosse a lua de mel. Benito é um soldado bem treinado e certamente o homem certo para fazer isso, ele herdou o dom de seus pais. — Espero que não tenha câmeras na minha suíte.
— Não no banheiro. — Revelou. Eu rosnei, ele deu uma gargalhada. — Liguei para avisar você que passaremos às dez horas para pegá-las, estejam magníficas, tá bem?
— Espere, onde vamos? — Perguntei curiosa.
— Enrico escolheu uma boate que vocês vão gostar, é tranquila e da famiglia. — Ele queria dizer um local vigiado, bom, melhor que nada, eu não podia me misturar com pessoas comuns sem colocar o meu traseiro em risco e a oportunidade de dançar e beber era única. — Fica perto daqui.
— Uau e como você conseguiu deixar Maestro me liberar. Espere, ele não sabe, sabe? — Perguntei confusa e enrolando a conversa.
— Bom, agradeça a Enrico que disse que você gosta de dançar. — Benito contou. — Esteja pronta, prima. Até mais tarde.
— Até mais tarde. — Desliguei e olhei para minhas amigas com um sorriso no rosto. — Era Benito, ele vai nos levar para dançar essa noite.
— Maravilha! — Elas se abraçaram, pularam e depois corremos para os quartos nos arrumar.
— Isso é algum tipo de brincadeira de mal-gosto? — Encarei Maestro recostado em seu Bugatti Chiron estacionado na porta do hotel. Embora estivesse de camiseta preta e paletó cinzento, ele estava arrumado de um jeito diferente, como quem realmente passou um tempo escolhendo suas roupas e não pegando qualquer coisa no armário. Vi que estava até de sapatos dessa vez, de bico quadrado, mas continuava de meias estampadas: roxas, com triângulos pretos.— Vamos, pegue logo são para você. — Empurrou o ramalhete de orquídeas
As cortinas brancas flamularam com o vento, a brisa fresca trazia a luminosidade da manhã. Tateei o colchão, percebendo-o vazio e sentei-me na cama assustada, escutando o barulho do chuveiro ligado. Maestro. Podia sentir aquela típica ressaca: tontura, boca seca, dor de cabeça. Aquilo tudo tinha mesmo acontecido? A sensação era de que fazia parte de um sonho maluco.Fiquei na cama encolhida, sentada segurando as pernas com o lençol branco do hotel por cima de mim. Eu estava com minha c
As portas automáticas de vidro transparente da joalheria Murino abriram-se. Adentrei o recinto inspirando fundo o perfume ambiente de lavanda, tão distinto do cheiro salino que o mar impregnava na cidade. As prateleiras estavam iluminavam as mais caras jóias expostas para os clientes e os enormes espelhos ovais pelas paredes duplicavam a minha imagem: uma mulher insegura, tentando parecer forte.Vou contar meu segredo: percebi o que estava errado quando ainda estava no hotel. Piersanti comentou comigo uma atividade diferente daquela que estava marcada em minha agenda: sinal de que alguém errou e em vez de partilhar a agenda certa, acabei recebendo a de Maestro.
— Guarda, Firenze! — Maestro ficou parado com as mãos para frente, como se me pedisse calma. Seus cabelos flamularam com o vento da praia e embora eu o achasse o homem mais lindo de toda a Itália, a amargura engolia o meu coração como um bicho sedento.— Você é um maldito, me enganou. — Empurrei ele para trás, fazendo-o pisar na areia, segurei meus cabelos, mas minha voz inflamou. — Leva flores, pede para seus soldados me controlarem, dorme em meu quarto, mas quando a sua prostituta pessoal liga, corre para ela como um cachorrinho domado!—
— Não acredito. — Liam torceu a boca e revirou os olhos azuis daquela mesma forma que meu tio Raffaello faz quando pegam ele com mais bebida do que deveria em seu cantil. — Você me fez viajar 500km de balsa vomitando como um maldito para eu chegar aqui e dizer que cancelou o casamento?— Ugh. — Eu estava sentada na cama com os pés para cima depois dos cuidados médicos e um monte de remédios. Duvido que ficasse boa para poder caminhar pela igreja, mas não me sentia mesmo disposta a subir no altar. — O que posso dizer, me desculpe?
— Você está parecendo uma guerreira grega, Firenze.— Eles já chegaram? — Finalizei o batom dando batidinhas com a almofada do dedo nos lábios encarando meu primo pelo espelho sem muito entusiasmo.Aquele reflexo era apenas o início de uma visualização que eu temia: meu casamento. Eu estava de vestido branco curto, leve para a praia e sandálias de salto fino, com uma tiara na cabeça bem característica. Talvez fosse razão, eu era uma guerreira indo para uma guerra.
Que audaciosa! O que essa maldita pensa que temos para conversar? Mordi a parte de dentro da bochecha estressada. Cruzei os braços, empurrei o quadril para o lado e fiquei pensando no tipo de assunto que eu seria obrigada a ouvir. Não, eu não queria conversar com aquela horrorosa da Piera Murino!Ainda que eu tivesse todos esses pensamentos firmes na cabeça, eu fiz exatamente o contrário e não sei explicar por quais razões dei um passo para dentro do salão e balancei a cabeça concordando:— Claro, tem uma sala vazia aqui, acabei de
Desci as escadas que dava acesso para o mar e apressei as passadas sentindo a areia adentrar as sandálias. O salto afundou na areia fofa e me atrasou, dando para Maestro Baroni a possibilidade de se aproximar de mim e me segurar no braço.— Solta! — Empurrei ele para o lado com tanta força que ele deu dois passos trôpegos para a direita. — O que é, me deixa, vai lá para o seu noivado com Piera, porque comigo é que não é! — Dei um chute na canela dele.— Porca miseria. Último capítulo