Estávamos todas sentadas na sala conforme meu pai pediu. Reunião em família. Não costumava ser muito comum, mas acontecida vez ou outra, geralmente para dar bronca. Com três filhas mulheres solteiras dentro de casa, nem sempre era tudo tranquilo. Ambas tínhamos personalidades diferentes e brigávamos por atenção o tempo todo. Então às vezes meu pai simplesmente "surtava" e dava uns gritos para acabar com as confusões. Mas naquele dia estava tudo bem... Não havia tido nenhuma discussão. Não que eu tenha visto. Eu estava de frente para meu pai, Pedro Miller. Minha mãe sentou-se ao lado dele. Eu não tinha certeza se ela sabia ou não do que se tratava aquela conversa. Michelle estava deitada numa poltrona, com as pernas para cima. Minha irmã mais velha sempre queria exclusividade e vida boa e aquilo me incomodava um pouco. Martina sentou-se ao meu lado, com seu jeito alegre e sem dar muita importância ao que estava acontecendo, focada no celular.
- Martina, largue o celular.
Ela olhou para nosso pai e fez o que ele solicitou, mesmo a contragosto. Nosso pai não era um homem bravo ou autoritário, mas ainda assim tinha nosso respeito. Sempre lutou para nos dar tudo que tínhamos. A família Miller era pobre, embora não passasse necessidade, mas era unida. E sempre tivemos os itens básicos pelo trabalho do nosso pai. Minha mãe sempre ficou com a tarefa de cuidar das filhas, já que dávamos um pouco de trabalho quando pequenas. E Noriah não era um lugar bom para arranjar emprego, especialmente para mulheres. O reino estava em decadência e o fim da monarquia era apenas uma questão de tempo. Meu pai não gostava da rainha, mas também não se envolvia nos movimentos rebeldes e também não queria que participássemos de forma alguma. Ele tinha medo que pudesse acontecer algo conosco.
- Pois bem, o que exige tanto nossa atenção? Eu não me lembro de ter acontecido nada errado hoje. – falou Michelle pensativa.
- Sim... Foi tudo tranquilo. – disse Martina. – Aliás, acabei de chegar da escola... Nem deu tempo de brigar.
Comecei a rir. Neste caso, era sempre eu e Martina contra Michelle.
- A notícia é importante... A melhor que já tivemos em toda nossa vida.
Eu fiquei curiosa e me arrumei melhor no sofá. O que teria acontecido?
- O que houve? – perguntou minha mãe. – Estou começando a ficar preocupada.
Então minha mãe também não sabia o que estava acontecendo. Meu pai continuou:
- Já faz um tempo que um tio distante dos Miller estava bem doente... E ele faleceu na semana passada.
- Que tio é esse? – perguntei. – Nós não o conhecemos?
- Na verdade, não. Como disse, é um parente distante.
- E... – perguntou Michelle. – O que temos a ver com o tio que nunca vimos?
- Seu parente? De quem exatamente estamos falando? – perguntou Marta, minha mãe.
- Lewis Miller, meu parente. – ele explicou. – Ele era rico... Na verdade, milionário.
- Isso quer dizer que estamos de luto? – perguntou Martina. – Isso não é justo... Nem o conhecíamos.
- Não... Isso não quer dizer que estamos de luto... Pelo contrário. – disse ele. – Nós precisamos comemorar a morte de Lewis Miller porque ele deixou toda a herança para mim.
Todas fitamos nosso pai confusas com as palavras dele. Eu perguntei:
- Como assim?
- Isso mesmo que vocês ouviram: os Miller são os mais novos milionários de Noriah Sul.
- Isso só pode ser brincadeira. – disse Michelle levantando do sofá.
- Você não falou nada sobre isso, querido. – disse minha mãe tentando absorver a notícia.
- Estamos ricos, milionários... E isso não é uma brincadeira.
- Posso gritar? Pular? – perguntou Martina.
- Sim... – ele disse sorrindo.
Não levou mais de um segundo para todas começarem a pular e gritar. Eu continuei sentada, tentando entender tudo aquilo e buscar uma explicação.
Martina me puxou pela mão e olhou nos meus olhos:
- É verdade, Meg... Não precisa ficar pensativa. Nosso pai não nos mentiria isso.
Eu dei alguns pulos, mas ainda parecia um sonho. Vivemos uma vida privada de tantas coisas que eram benefícios de tão poucos que parecia não ser verdade. Como eu disse, nunca passamos fome, mas nada foi fácil para nós. Eu estava em escola privada, mas era bolsista. Michelle havia aberto mão da faculdade por meu pai não ter dinheiro para pagar. Então ela ficava pulando de emprego em emprego, ganhando uma miséria por cada um que passava. Martina, como não era muito esforçada e focada nos estudos, ficara na escola pública, pois não conseguira a bolsa onde eu estudava. E ela nem se importava muito com isso. Minha irmã caçula só tinha um objetivo na vida: vivê-la como se não houvesse amanhã. Michelle, por sua vez, sempre quis subir na vida e ser mais do que éramos. Então focava em encontrar um marido rico. No entanto com seus 24 anos isso ainda não havia acontecido. Então ela colecionava pretendentes ao longo dos anos. E eu a invejava, pois havia uns homens muito lindos que dariam qualquer coisa por ela. Mas se eles não tivessem dinheiro suficiente, eram recusados.
- Somos ricos... Isso só pode ser um sonho. – gritou Michelle.
A comemoração durou pouco. Embora estivéssemos felizes, era tudo muito surreal.
- Amanhã cedo eu e sua mãe precisaremos partir para Noriah Norte. – avisou meu pai. – Resolvermos as questões legais.
- Ficaremos sozinhas? Eu não tenho tempo para cuidar de Megan e Martina.
- Você tem tempo sim, querida. – disse minha mãe. – Sei que você saberá usufruir muito bem desta herança quando ela estiver em nossas mãos. Então precisa colaborar.
- Desde quando precisamos ser cuidadas por você, Michelle?
- Sua irmã é maior de idade e é responsável por vocês sim. – disse meu pai.
Michelle sentou-se com cara feia no sofá, insatisfeita. Certamente não era por mim e sim por Martina. Nossa irmã caçula dava trabalho até para meus pais, imagina para ela.
- Eu sou mais responsável que Michelle. – aleguei.
- Meninas, vocês estão ricas e ainda assim estão perdendo tempo com brigas desnecessárias? – perguntou Marta.
No fim ela tinha razão. Aquela discussão era desnecessária frente à notícia bombástica que havíamos acabado de receber.
Quando deitamos ficamos conversando sobre isso. Eu e Martina dormíamos no mesmo quarto. Michelle ficava sozinha em outro. Por isso eu era mais apegada à Martina. Era uma vida dividindo um quarto e nossos sonhos.
- O que será que vai mudar na nossa vida? – me vi perguntando enquanto olhava para o teto, na luz fraca que usávamos para dormir. Eu tinha medo de dormir no escuro, então sempre usei algo que clareasse o quarto durante a noite.
- Tudo? – perguntou Martina rindo.
Eu ri.
- Eu não sei o que é melhor, Meg, se ficarmos ricas ou sozinhas no final de semana.
- Está falando sério que é nisso que pensa?
Martina levantou a cabeça do travesseiro e me olhou:
- Eu vou ficar longe daqui, pode acreditar.
- Como assim?
- Vou para a casa de Dex.
- Martina, você é louca.
- Acho que você deveria fazer o mesmo... Se divertir.
- Por que eu viveria como se não houvesse amanhã porque nossos pais vão buscar uma herança em outro país?
Ela riu e deitou-se novamente:
- Meg, deixe de ser certinha...
- Não entendi.
- Entendeu sim.
- Por favor, Martina... Isso não tem nada a ver.
- Meg, você gosta de alguém?
Eu pensei um pouco e disse:
- Gostar, gostar... Não. Mas tem um rapaz que me interessa.
- Quem? – ela perguntou curiosa. – Você sempre nega... Diz que não gosta de ninguém... Hoje vai confessar?
- Não é confessar... Eu não gosto dele. Disse apenas que ele me interessa.
- Então ele é um rapaz de sorte... Porque Megan Miller aos 17 anos nunca se interessou por nenhum garoto de verdade.
- Mentira, Martina.
Ela riu:
- Fala logo... Quem é?
- Axel Collins.
Ela levantou rapidamente a cabeça e disse:
- Axel? Você disse Axel Collins?
- Sim...
- Ele é... Perfeito. O sonho de toda garota.
Eu ri:
- Por isso eu disse que ele só me interessa, nada mais.
- Ele estuda na mesma escola que você, não é?
- Sim.
- Ele é lindo, perfeito, rico, está em todos os jornais, revistas e redes sociais. Não vejo você com ele.
- Por que não? Acha que sua irmã não merece um homem bonito? – brinquei.
- Claro que não, Meg... Você é linda. Mas não gosta de chamar a atenção. Axel deve pagar para chamar a atenção. É o playboy mais disputado de Noriah depois do príncipe Dereck.
- Eu não disse que quero casar com ele, Martina. Só acho ele... Fofo.
- Fofo? Axel não parece nada fofo. Mas se você quiser eu posso pedir para Dex arrumar um amigo dele para você no final de semana.
- Eu não quero um encontro arranjado. Não preciso disso.
- Claro que precisa. Há quanto tempo você não beija?
- Uns meses. – admiti.
- Está na hora de beijar... E perder a virgindade.
- Eu não acredito que estou conversando sobre isso com a minha irmã de 15 anos. Acho que é hora de encerrar este assunto.
- Acha mesmo? Melhor discutir isso comigo do que com Michelle, que só consegue pensar nela mesma.
- E você pensa mais em mim do que em si mesma. Eu estou bem quanto à não beijar por um tempo e ainda ser virgem.
- Vai me dizer agora que está esperando o príncipe, Meg? Dereck é mais impossível que Axel e Magnus... Bem, acho até que ele vai casar em breve. Além do mais, é velho para você.
Eu ri. Virei para o lado e fechei meus olhos. Não queria mais conversar sobre aquilo. Martina tinha a cabeça oca.
- Vai mesmo me deixar falando sozinha?
- Sim... – eu disse.
- Está esperando o que para aproveitar os prazeres da vida, Meg?
- A hora certa? O homem certo?
- Isso não existe... Nem homem nem hora.
- Martina, me deixe.
- Se mudar de ideia, me avise. Dex tem uns amigos lindos.
Ela não viu minha cara de entediada com a fala dela. Fechei meus olhos e tentei dormir, pensando em como seria ser rica do dia para a noite.
No sábado daquela semana, cedinho, meus pais partiram para Noriah Norte em busca da herança do nosso tio desconhecido, Lewis Miller. Eu estava feliz, mas só acreditaria quando visse todo o dinheiro em posse da nossa família.Assim que eles saíram, Martina anunciou:- Vou passar o final de semana na casa de Dex.- Eu avisei que não queria esta responsabilidade de cuidar de vocês. –disse Michelle. – Depois de nove meses você aparece grávida e ainda vou ser culpada.- Acha mesmo que eu sou boba? – perguntou Martina.- Sinceramente, acho. – disse Michelle dando de ombros e servindo café. – Vou voltar para cama.Fiquei olhando as duas discutirem. Servi um café com leite e comecei a beber, sentada na cadeira pouco confortável, dura e fria da cozinha. Michelle voltou para o quarto. Eu disse:- Ela pode ter razão...- No que? – perguntou Martina. – Acha também que eu sou boba?- Não... Só acho que você deve ser cuidar... Imagina e
Eu senti um pouco de dor de cabeça. Abri meus olhos e vi que estava deitada num sofá enorme e confortável, coberta por uma manta grossa e quente. Uma lareira com labaredas de fogo consumiam a lenha vorazmente, deixando o lugar agradável e aconchegante. Levantei a cabeça e olhei à minha volta, não vendo ninguém. O lugar era muito amplo. A sala era bonita e bem decorada e as janelas de vidro ocupavam todo o espaço das paredes em madeira de lei escuras. Tentei levantar e percebi que estava somente de calcinha e sutiã. Fiquei com medo e meu coração acelerou. O que estava acontecendo? Vi minhas roupas penduradas próximo do fogo e tentei me acalmar. Se alguém tivesse me sequestrado não seria cuidadoso para secar minhas roupas. Não vi minha mochila em nenhum lugar. Eu tinha roupas secas lá dentro. Logo vi um homem vindo na minha direção. Meu coração disparou instantaneamente, parecendo querer pular para fora do meu peito. Quem era aquele estranho? Ele sorriu, mostrando os dentes branco
Ele soltou a minha mão e pegou uma panela, começando a cortar alguns legumes.- Você... Vai cozinhar? – perguntei impressionada.- Sim. – ele disse.Sentei numa banqueta alta, observando o que ele fazia atentamente.- Gosta de cozinhar? – indaguei.- Sim, bastante. Para mim a comida é como um sentimento...Ele realmente tinha bastante habilidade com as panelas. Um raio estrondou próximo da casa, me fazendo dar um salto junto de um grito. Logo a luz apagou, ficando tudo escuro. Senti meu coração saltar para fora do peito. As chamas do fogão continuaram acesas, iluminando pouco o local. Quando me dei conta, ele estava ao meu lado, perguntando:- Tudo bem com você?- Sim... – falei em voz baixa. – Eu... Detesto o escuro. – confessei.- Não sei como terminarei o jantar. – ele disse parecendo chateado.- Eu... Não me importo... Está tudo bem. – dei de ombros ainda me sentindo amedrontada.Um novo trovão ecoou no céu, clareando tudo lá fora. Instintiva
Eu aceitei a mão que ele me ofereceu. Fui levada de volta para a cozinha. Ele pegou a toalha molhada que eu havia deixado no chão e disse:- Me conheceu há algumas horas e já está fazendo bagunça na minha casa. – brincou.Eu não ri. Se ainda não estivesse magoada, talvez tivesse achado engraçado. Mas eu estava bastante confusa com relação àquele homem. Ele pegou meus ombros e me olhou nos olhos:- Relaxa, Meg. E aceite minhas desculpas... Por favor. Eu tive medo...- Do quê? – perguntei inocentemente.- De... Você ficar grávida? – a afirmação saiu quase como um pergunta.- Isso não vai acontecer...- Vamos contar com a sorte... Isso? – ele riu nervosamente, passando a mão nos cabelos, bagunçando-os.- Por Deus, você está me deixando ainda mais confusa e nervosa. Eu poderia dizer que estou acostumada com este tipo de coisa, mas não estou. Tentei fazer tudo parecer normal e nem passou pela minha cabeça que você pudesse perceber... Mas então houv
Despertei com a claridade excessiva do sol. Eu estava coberta no sofá. Procurei o homem perfeito que dormiu comigo e não o encontrei. Levantei tentando colocar minha cabeça no lugar, lembrando exatamente tudo que havia acontecido na noite anterior. Cobri-me com a manta e fui até a cozinha. Tudo estava exatamente do jeito de deixamos anteriormente.- Estranho... – eu gritei.Não ouvi nada. Ele não parecia estar ali. Fui até a janela de vidro e percebi que o carro dele não estava mais no pátio. Senti uma dor dentro de mim... Ele havia ido embora e me deixado sozinha. Eu ri de mim mesma... Como fui idiota. O que eu esperava? Talvez o mínimo: respeito.Fui até a lareira e peguei minhas roupas secas e as vesti rapidamente. Botei minha mochila nas costas e peguei meu celular, tentando ligá-lo sem sucesso. Procurei pela sala se ele não havia deixado pelo menos um bilhete. Mas não. Ele havia partido sem deixar nenhum vestígio.Saí e bati a porta com f
Nosso final de semana foi bem diferente. Meus pais saíram e eu e minhas irmãs fomos fazer coisas que provavelmente não faríamos se eles estivessem em casa.Na segunda-feira na escola tive que inventar uma desculpa qualquer para Penélope por eu não ter chegado na casa dela no sábado. No fim, não foi muito difícil. Ela não esperava que eu fosse mesmo, desde o início. Mal sabia ela que eu havia saído de casa para ir... No entanto nunca cheguei ao meu destino. Ainda assim eu não achava que tinha ido parar no lugar errado. Eu havia gostado do sábado, do estranho e de tudo que havia acontecido naquela noite. Então eu não tentaria apagar ele da minha mente, por mais chateada que eu estivesse com tudo que havia acontecido depois. Eu não deveria ter esperado mais dele. Aquele homem era alguns anos mais velho que eu, experiente... O que eu queria? Que ele me jurasse amor eterno porque eu decidi que ele tiraria minha virgindade? Ele não me enganou: disse que estava de partida. Pod
Quando estacionei na frente da casa dele eu senti minhas pernas trêmulas, imaginando que ele poderia aparecer a qualquer momento.- Eu não vou ter coragem de descer. – falei amedrontada.- Vai sim. Desça ou eu vou buzinar.Olhei para ela. Martina realmente faria aquilo se eu não descesse. Então eu abri a porta e saí do carro. Ela fez o mesmo. Estava começando a cair a noite. E as luzes da casa estavam acesas.Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, Martina apertou a campainha próxima do portão.- Você pulou este portão enorme? – ela perguntou.Eu olhei para cima. Não parecia tão alto quando eu pulei.- Sim... – confessei.- Crápula... Acho que ele queria deixar você presa... De propósito. Nunca pensou que pudesse ser intenção dele mantê-la em cárcere privado?Eu ri:- Ele não era casado e cheio de filhos?- Você seria a amante... Obrigada a ficar presa aí para satisfazer os desejos mais loucos dele.Enquanto discutíamos as possibilida
CAPÍTULO 9 – Axel CollinsAs próximas semanas foram focadas exclusivamente na festa de 16 anos de Martina. Meus pais, assim como minha irmã, queriam que fosse o evento mais importante de Noriah Sul dos últimos tempos. E os Miller não pouparam dinheiro para que a caçula tivesse a festa dos sonhos. Como nossa casa era pouco frequentada e uma das mais belas e imponentes da Zona A, foi decidido que a festa seria ali. O melhor e mais caro Buffet foi contratato, bem como as decoradoras mais disputadas, sendo que haviam realizado o casamento do príncipe há um tempo. Apesar da ostentação desnecessária, eu via Martina tão feliz que não conseguia abrir minha boca para criticar.O grande dia enfim chegou. Não sei se caberia dentro da nossa enorme e nada humilde casa o número excessivo de pessoas que haviam sido convidadas. A maioria sequer conhecíamos. O dia foi tumultuado e eu só ouvia minha mãe aos gritos dando ordens o tempo todo, tentando fazer com que nada desse errado.<