SAMANTHA VASCONSELOS
Fico em choque com seu corte, e fico observando suas costas por um tempo – eu não esperava que ele me deixasse falando sozinha, vejo ele pegando o celular para falar com alguém. Sigo meu caminho para casa.
O fato dele não ter insistido me fez querer que ele tivesse feito exatamente isso. Okay, talvez tenha me chamado por ser uma pessoa conhecida, e é obvio que ele pode encontrar uma boa companhia em qualquer lugar por aqui, mas mesmo assim... Feriu meu ego.
Mas ok.
Chegando em casa, não pude deixar de reparar em como a minha quitinete é perfeita para mim, mesmo sendo pequena, eu amo a minha casa. O prédio em que moro não tem elevador, e por muita sorte, eu consegui um apartamento no primeiro andar, n° 113.
Entro em casa e me jogo no sofá — a sala de estar conta com um sofá de dois lugares cinza e um raque, que comporta uma tv pequena, o cômodo é pequeno, assim como todos os outros, e é separado da cozinha por um balcão. Não tem mesa exatamente por não ter muito espaço, no balcão há um vaso com uma orquídea roxa, que deve ser coisa da minha mãe, aliás...
— Mãe?! – gritei, só para provocá-la, ela odeia gritos.
— Não grita, menina! Os vizinhos – dou risada da sua reação, e a voz dela vem do quarto.
Me encosto no batente e a observo enquanto arruma sua mala.
— Oi mamis
— Oi filhota, como foi o trabalho?
— Hoje eu praticamente trabalhei no lugar da Natália, ela primeiro ficou presa no congestionamento e depois resolveu trabalhar de casa.
— Mas deu tudo certo no final?
— Sim – e sento na beirada da cama.
— É o que importa, e aposto que foi bom para você. Sai daí menina, estou arrumando minhas coisas!
— Esqueci completamente que você ia embora hoje, eu vou jantar com a Natália, mas posso desmarcar...
— Nada disso, você sempre tenta arrumar desculpas para não sair de casa, você vai sim — ela para o que está fazendo e olha pra mim. — Se arruma bem linda. A que horas é seu compromisso? Vou pro aeroporto às 20h, pode pegar carona no meu Uber se quiser.
Não pude me segurar e perguntei:
— Por que o papai afrouxou as rédeas e decidiu que você pode vir de avião?
— Não seja tão difícil com seu pai, esse é o jeito dele filha, tente entender por que as pessoas são como são – reviro os olhos, sempre apaziguadora. — Ele já te liberou do compromisso, por que ainda está guardando mágoa?
Dou de ombros.
Eu simplesmente acho um absurdo que eu seja obrigada a mandar 25% do meu salário para a casa dos meus pais.
— Para de ser boba menina, seu pai guardou o dinheiro esse tempo todo em uma poupança para você. Você fica focada em coisas que não fazem o menor sentido e desfoca das coisas mais importantes. Você não sabia cuidar do seu dinheiro, todo mês você recebe, paga suas contas e gasta o restante com roupas e... Livros? – ela olha para mim com ar de dúvida quando diz “livros” como se não soubesse se era ruim ou bom o fato de eu investir em muitos deles.
Mas o real problema para mim é o jeito controlador do meu pai de fazer as coisas, nunca nada está bom! E por que eu não posso comprar roupas? Eu comprei roupas para trabalhar, e não sei se isso é tão errado como meus pais fazem parecer, já que eu comprei com o meu dinheiro.
— Nunca passou pela sua cabeça guardar um pouco para possíveis emergências?— Ela continua, e quero responder “sim mãe, eu penso, mas não me sobrava dinheiro para guardar”, mas prefiro me abster e só escutar.
— E tenho certeza de que se eu não tivesse providenciado os móveis, você não os teria, mas veja Samantha, você tem uma casa boa e aconchegante que é só sua, que já é muito mais do que tive na sua idade. Além disso, tem uma reserva de dinheiro, uma garantia para o seu futuro, e mesmo que isso te fizesse achar seu pai chato e controlador, como você já pontuou várias vezes, ele estava fazendo o que acha certo – ela para e respira por um momento. – Eu sei que ele não é bom com palavras e as vezes é grosseiro, mas fez o que achava certo para você.
Eu apenas murmuro um “entendi mãe” e vou pro chuveiro. Ela não me entende e não importa o que eu diga, a verdade é que ela não sabe se eu teria móveis, nem eu, porque eles sempre tomam a frente de tudo. E é exatamente por isso que não posso voltar para perto deles. E nem para a influência deles.
Só eu sei como foi difícil sair.
Não quero isso para minha vida. Meu pai quando se trata de dinheiro, é um mão de vaca da pior espécie, me lembro que quando eu estava no quarto ano de faculdade nós precisávamos de dinheiro em casa. Eu não sabia como ajudar, meu pai é um homem muito difícil, e vivia brigando com minha mãe que queria que eu só estudasse, enquanto meu pai queria que eu saísse para trabalhar, acreditem, eu também queria.
Um dia surgiu a oportunidade de estagiar para a Doutora Natália Borges, o estágio era voluntário, que com muita discussão por fim, consegui ir, sob o argumento de que eu precisaria de alguma experiência para ingressar no mercado de trabalho.
Meu pai falava sem parar para eu pedir uma bolsa “pois ninguém trabalha de graça” e eram todos os dias a mesma coisa, mas estagiei por um ano de graça. E esse estágio abriu portas que eu nunca imaginaria, a Dra. Foi chamada para trabalhar no setor jurídico da McDougall e me trouxe junto com ela, como estagiaria.
Antes de eu me mudar à São Paulo continuei na minha cidade — e dessa vez remunerada, mas, a distância, para que eu pudesse terminar a faculdade e ajudar a Nat – passamos a usar um apelido ao longo do tempo, revisando papéis do escritório e protocolando petições, já que a mesma teve de sair às pressas do escritório, então trabalhamos através de videoconferência por um ano.
Em dezembro do mesmo ano me mudei para São Paulo e iniciei minha nova vida, eu havia guardado metade da bolsa que eu recebia da Nat para alugar uma quitinete e comprar coisas básicas. Eu já estou em São Paulo há dois anos, agora como braço direito da Diretora Executiva da McDougall, o que é muito bom para o currículo, mas preciso procurar maneiras de evoluir e subir na vida.
Assim que saí do banheiro, minha mãe já havia retirado as coisas dela do quarto e estava na cozinha. Olhei o relógio, sete horas, eu teria uma hora para me arrumar. Coloquei o babyliss na tomada e fui me maquiar, passei base, contorno, iluminador, para os olhos apostei em um delineado fino de gatinho para destacar meus olhos cor de mel e resolvi passar um batom vermelho, num tom fechado. Ondulei meu cabelo e coloquei um vestido preto mula manca, midi e com uma fenda, dando um ar mais sensual para aquela roupa simples, e coloquei uma sandália de salto de tiras.
Passei perfume e creme nas pernas e braços e como sempre, ia me esquecendo dos brincos. Sempre uso dourado, prata não combina com meu tom de ruivo.
— Mãe, estou pronta.
Ela me avalia por um momento e abre um sorriso:
— Está linda Sam, já chamei o Uber.
Ajudo minha mãe a descer as coisas e vamos em silêncio até o restaurante. Chegando lá, minha mãe desce para que nos despedíssemos.
— Desculpa qualquer coisa mãe, eu amo todos vocês.
— E nós amamos você, sempre.
Eu sei que ela não entende qual é o problema para mim e está tudo bem, estrou trilhando um caminho que é só meu, e estou doida para descobrir onde isso vai me levar.
IAN MCDOUGALLFiquei decepcionado por Samantha ter me dispensado, estou obcecado com essa menina desde ontem, e quando vi ela na empresa hoje, fiquei apaixonado.Ela fala muito bem, é educada, tem desenvoltura. Fiquei de boca aberta. Quase no mesmo minuto que a dispensei, peguei o celular e liguei para Natália e perguntei se ela queria jantar comigo.Óbvio que ela aceitou, mas não queria deixar a "Sam" na mão mais uma vez, e eu, inocentemente, disse que não me importava com sua presença. Meu Deus, estou me sentindo um adolescente, ainda mais com essa atitude.Depois de resolver o que eu precisava na filial, fui pro hotel, me troquei e desci para a academia, depois tomei um banho e me arrumei para a noite.Cheguei exatamente no horário combinado.Estava conversando sobre qualquer coisa com Natália e magneticamente meu olhar foi atraído para a porta, no exato momento em que Samantha entrou no restaurante.Me assustei com sua aparência no dia em que esbarrei nela, mesmo descabelada e su
SAMANTHA VASCONSELOSMeu Deus, eu estou a fim dele, e claramente, Nat também. O que eu vou fazer? Natália é linda de todas as formas possíveis, loira dos olhos azuis, atlética, parece uma boneca e é minha chefe.Me olho no espelho enquanto lavo as mãos, a maquiagem está intacta, menos o batom que deve ter saído enquanto nós comíamos, reaplico. Gosto do que vejo no espelho.Saio do banheiro e sou envolvida pelo ambiente novamente. Ainda estou estranhando a quantidade de pessoas na balada hoje, eu amo música e adoro me misturar com pessoas, dançar... Resolvo que ao invés de voltar ao camarote, onde os dois estão flertando, e exatamente por saber meu lugar vou para meio da pista dançar um pouco.Começo a ser embalada pela batida da música, e até troco olhares com algumas pessoas, até que sou puxada pelo braço, quando olho, já com cara feia para o lado, vejo é Ian.— O que?! – Grito.— Estava te procurando – e me entrega uma taça.Em seguida me olha de cima a baixo, gosto da forma como me
SAMANTHA VASCONSELOSO dia está particularmente bonito hoje, o céu está azul e com poucas nuvens, o calor está batendo forte, eu amo dias de sol, são dias felizes para mim. Nunca gostei de chuva ou tempo nublado. Minha personalidade geralmente acompanha o clima.Caminho tranquilamente e subo vagarosamente para minha sala, quando abro a porta, vejo duas coisas ao mesmo tempo: um pufe pink, e nele se encontra uma mulher de cabelos longos e pretos, olhos da mesma cor e muito marcantes com um delineado grosso, e um nariz perfeito e bem pequeno.Ela está totalmente esparramada.Até que me vê e levanta em um salto.— Oi, você é a Samantha?— Sim.— A Doutora Natália pediu para eu te esperar aqui.— Ah, tudo bem, espera só um pouquinho – pego o celular para ligar para a Nat. — Como se chama?— Luna – ela sorri.— Luna... Que nome bonito. Combina com você – retribuo o sorriso. – Espera só um pouquinho? Vou ligar para a Doutora Natália, pode ficar à vontade.— Tudo bem, não tenho pressa – e se
SAMANTHA VASCONSELOS Esse vacilo deve ter levado menos de dez segundos, mas vejo que Ian percebeu. E não gostou, aparentemente, esse cara não lida muito bem com rejeição. Abro um sorriso, mas não quero ofendê-lo, vou em direção ao carro e entro do lado do passageiro. Ele liga o carro. Como não diz nada, olho para fora. Eu não sei o que dizer, ele sempre preenche o silêncio entre nós, se bem que só o conheço a o que? Dois ou três dias. Nossa, parece que já nos conhecemos faz tempo. Mas ele realmente quebra o silêncio: — Quando penso que vou conseguir te tirar da cabeça porque vou trabalhar, chegam três diretores para me falar o quão incrível você é, e te indicar para uma vaga na matriz. Vaga na matriz. Na Escócia?! — Na matriz? Na Escócia? – pergunto. Não é possível. Seria bom demais pra ser verdade. — Bom, sim. Especificamente em Edimburgo, na capital. Você precisaria se mudar pra lá para exercer esse cargo. Não posso deixar de sorrir. Eu amo a ideia de morar na Escócia, em
SAMANTHA VASCONSELOS Entro na minha sala e fecho a porta, Nat está no meu lugar e Luna no pufe pink. — Oi Sam, essa é a Luna – trocamos olhares e sorrimos uma para a outra, meu santo bateu com o des... – Bom, vou direto ao assunto, você vai treiná-la para que ela possa assumir o seu lugar. Sinto a cor sumindo do meu rosto. E minha pressão cai levemente. Meu sorriso se desfaz e um nó se forma em meu estomago. O brilho no olhar de Nat me enoja, e fico totalmente sem palavras. — Meu Deus Samantha, calma! – Diz Nat se levantando. — Você vai ser promovida, bom se você quiser e tudo correr como planejado – ela coloca as mãos envolta dos meus ombros. Está explicado o brilho no olhar, mas continuo em choque. Estou sentindo um misto de felicidade, susto e curiosidade. Eu vou ser promovida? Por quê? E para qual cargo? — Pode explicar? – peço. — Claro, bom, no dia em que eu faltei, você apresentou no meu lugar, Ian e os Diretores acharam você muito segura de si e executou o trabal
SAMANTHA VASCONSELOS Dou de ombros.Nós dois rimos.— Fico feliz em termos esclarecido algumas coisas – digo.— Algumas, Samantha? – Faço que sim.Adoro o som do meu nome quando vem de seus lábios. Na verdade, nunca gostei tanto do meu nome. É tão provocativo. Parece um eterno duplo sentido vindo dele.— Há mais a que discutir?Dou de ombros.— Se for por causa do comportamento da Natália ontem, nós nos conhecemos há um tempo, já saímos juntos, mas nunca rolou nada. Eu não lembrava mais disso, e foi bom ele ter dito, eu realmente estava com receio de acontecer alguma coisa e a Nat ficar brava comigo. Ele não tinha motivos para mentir, e senti verdade em suas palavras. Por isso assenti e ficamos conversando por mais algumas horas. Mas estava ficando tarde e eu preciso colocar o sono em dia, então pedi pra ele me levar pra casa.— É aqui — digo, apontando para o meu prédio.— Foi ótimo passar um tempo com você, espero repetir em breve.Sorrio.— Eu também. Obrigada pela carona.Desço
SAMANTHA VASCONSELOS Eu nunca havia ao menos subido até esse andar, mas vi a sala de Ian assim que saí do elevador. O escritório é fechado por portas de vidro com a fachada da McDougall — uma âncora com um M atrás. Pelas portas vejo que não tem ninguém sentado à mesa, e já esperava por isso, visto que no e-mail, fui avisada que seria na sala de reuniões adjacente a sala dele. Abro as portas, atrás da mesa há um painel de madeira com vários livros, no aparador, uma bandeja com bebidas e à baixo, um frigobar. O ambiente transborda masculinidade, e tem o cheiro do perfume de Ian misturado com canela. Do lado direito, a parede é feita de vidro. Ali há um grande tapete cinza e dois pufes – idênticos ao que está em minha sala – só que pretos. À esquerda, há uma porta que dá para a sala de reuniões. Ela é privativa e exclusiva para as reuniões dele. Bato na porta e a abro, Ian está tomando café, vestindo um terno cinza escuro, muito lindo. Às vezes acho que não tem como ele ficar mais
SAMANTHA VASCONSELOS Meu corpo esquenta da cabeça aos pés. Mas antes que eu possa responder: — Na verdade, ela disse sim – ele pisca para ela. – Perguntei por educação, sabe como é, seguindo o protocolo. Ela acha graça. Por fim andamos sorrindo e conversando até o restaurante de sempre, já que os dois disseram que queriam ver, nas palavras da Luna: “qual a minha”. Ninguém desmente a história do namoro. — Qual a sua pira em não comer carne? – Luna pergunta enquanto nos servimos. – Sua família é vegana? Ela não está sendo babaca como a maioria das pessoas são no geral, só está curiosa. — Não, na verdade a minha família é a típica família brasileira, churrasco todo final de semana. — Assim que é bom! – ela exclama, animada. Ian contém o sorriso. Acho muito bonitinha a forma como ele evita me contrariar. Mas finjo olhar para Luna com raiva. E falho miseravelmente. Quem eu quero enganar? É uma missão impossível se irritar com ela. — Mas e aí, por que parou? – Ian pergunta. N