Enquanto isso no morro as cenas ainda eram as mesmas, porém com menor intensidade. O vai e vem das pessoas em busca das drogas estava diminuindo. Não mais havia aquela correria nos degraus e ribanceiras e até mesmo os “meninos” que faziam a segurança estavam mais descontraídos, afrouxando um pouco a vigilância. Mas das armas não largavam nunca e a qualquer barulho ou movimento estranho a empunhavam. Podia-se ver alguns deles nas biroscas da favela bebendo cerveja, mas sempre com as metralhadoras e fuzis nos ombros.
Na casa de Madalena, sua mãe, lavadeira, há muito já havia partido para o trabalho e o padrasto, servente de pedreiro e as vezes tido como meia boca ao arriscar fazer algum serviço mais avançado para os seus parcos conhecimentos, desde muito cedo carre
Ainda um tanto longe dali, Madalena olhava encantada para o pacote com as roupinhas de criança que acabara de comprar na loja da dona Beta. Ela lhe dividiu os pagamentos em três parcelas e ainda a presenteou com um pacote de fraldas descartáveis. Pensava em como era gentil a dona Beta e sorria ao lembrar-se da brincadeira desta dizendo que o bebê tinha que ficar com o pipi muito sequinho. Não era para deixar o xixi vazar e assar o pipi dele. Com muito carinho ostentava o pacote de fraldas e o embrulho com as roupinhas novas, pensando no dia que ele a usaria. Mas era hora de voltar para casa. Chegou mesmo a aborrecer-se enquanto aguardava o coletivo, ao pensar que dali a algum tempo estaria novamente nas escadas do morro e agora teria que subir todos aqueles deg
Numa rua tranquila, em confortável e arejada casa, cercada por jardins com diversas e coloridas flores, o jovem Artur recolhia na caixa postal os matutinos em busca de notícias sobre o comício do pai no dia anterior. Queria ver ainda a evolução da sua candidatura e a mais recente posição nas pesquisas eleitorais que hoje seria divulgada. Desdobrando o primeiro jornal deparou com a manchete de primeira página. Com letras garrafais “MAIS UMA VERGONHA ACONTECE NO MORRO”, o matutino divulgava a guerra do dia anterior. Reconheceu sendo este o mesmo morro que morava sua amiga Madalena. Virou-se para o assessor do seu pai que o ajudava com os jornais e disse-lhe; - Puxa! Aqui mora uma amiga minha. Eu a vi ainda ontem. Será que ela está bem. Será que ela está bem? Te
Prefácio Ah se ela tivesse a coragem de morrer de amor E tudo ficou bagunçado aqui dentro de novo. Eu me organizo, finjo não enlouquecer, fujo... Mas aí vem seu sorriso e brilha em meu coração Como o maior raio do paraíso. E minha memória falha em não lembrar E meu coração falha em escapar E fica tudo a tona, intenso novamente E me vejo perdido de novo, em você. A vida sempre nós dá escolhas Não podemos nos arrepender Só daquilo que não fizemos por medo Pois os momentos duram eternamente. Ou te amo e busco-te até o fim Mesmo que isso custe minha sanidade Orgulho, respeito, valor, poesia... Ou esqueço-te e isso custará Minha razão, pensamento, futuro, poesia... E aquele sentimento de milagre Transformado em
Um festival de fogos de artifícios iluminou toda a madrugada no alto do morro. Com um barulho ensurdecedor, desenhava no céu figuras com os mais diversos coloridos e clarões dourados e prateados riscavam a noite como cometas, acordando todo aquele povo simples e humilde. Os cães procuravam abrigo em todos os becos e os gatos sumiam desesperados dos telhados. Muitos dos cidadãos, cujo horário de trabalho satisfazia o período noturno, foram pegos de surpresa. Apesar de já terem assistido a cenas semelhantes por várias vezes, não estavam aguardando para agora uma nova distribuição de drogas, coisa previamente alertada pelos traficantes. Desta vez, porém, o prévio aviso não veio e daí a
A Lua já adentrava na sua morada oposta e os primeiros raios de sol começavam a refletir sobre os tetos de zinco dos barracos e nas pedras formando imagem de espelho a mostrar ao morro o começo de um novo dia. Mais um estafante e incerto dia aonde muitos, sem dúvidas, não chegariam ao seu fim. Mais um dia no morro tão corriqueiro como qualquer outro, de raras e pequenas alegrias, de tráfico, tiros, dor, drogas e sangue. O foguetório lançado na madrugada avisava aos moradores da cidade, desenvolta sobre um manto plano aos pés do morro estendendo-se até o mar, que os senhores traficantes donos do mundo estavam prontos para mais uma farta distribuição de cocaína, maconha, êxtase e uma infinidade de outras drogas, sendo o craque a mais procurada e consumida entre os
O dia aos poucos vai desabrochando, mas ainda é cedo e escuro no morro. A madrugada mal se havia afastado e Madalena preparava-se para mais um dia de trabalho. Às pressas sorvia um gole de ralo café com uma fatia de pão amanhecido. Teriam que descer, ela e a barriga, aqueles perigosos degraus até atingir o asfalto. Na mente tinha a certeza de ter que enfrentar todo aquele bando de androides famigerados caminhando em sentido contrário na busca pelas drogas. Estando ela próxima ao final do sétimo mês de gravidez, tornava-se cada dia mais difícil subir e descer aquelas escadas e ladeiras. Hoje, especialmente, todo cuidado era pouco, haja vista a insensatez e a pressa do contingente extra para a aquisição do produto tão desejado. M
O “cipó”, como sempre, estava lotado. Madalena não conseguiu ir além do primeiro degrau da porta. Pensava consigo mesma; - Não sei se é pior aqui ou nos degraus do morro. Procurando uma posição mais segura, sempre protegendo a enorme barriga, tentava chegar até o trocador. Ninguém lhe oferecia lugar e com muita dificuldade passou pela roleta pagando a passagem. Segurando-se da melhor forma que podia, tentava chegar o mais perto possível da porta de saída, a fim de facilitar seu desembarque que não estava muito longe. De repente sentiu que alguém a segurava suavemente pelo braço. Virou o rosto um tanto quanto assustada e reconheceu Artur, um jovem com mais ou menos dezessete anos que lhe sorria timidamente. O sorriso por fim alargou-se e ele lhe perguntou: