Capítulo 02

Alguém está observando? | Jenna Morgan

Não consigo dormir.

Não mesmo.

O problema nunca foi o medo — não o medo dos filmes, pelo menos. Cresci assistindo a tudo que era considerado "pesado demais para uma criança" e acabei transformando isso em profissão. Sei diferenciar ficção da realidade. Sei que monstros são feitos de maquiagem e efeitos especiais. Sei que o sangue cenográfico é só xarope de milho com corante.

Mas isso aqui? Isso não tem maquiagem e nem a porra de um roteiro.

É real.

Reviro os olhos e me sento na cama, soltando um suspiro longo. O quarto está iluminado apenas pelo o abajur ao lado da minha cama. Olho para o teto, contando as pequenas rachaduras invisíveis na pintura, esperando que o sono venha. Mas não vem.

Desisto.

Jogo as cobertas para o lado e caminho descalça até a cozinha. O chão frio arrepia minha pele, mas não me importo. Abro a geladeira e pego a garrafa de leite, despejando um pouco na panela para aquecer. Se o leite quente não funcionar, então só um remédio para dormir pode resolver.

Meus olhos caem no celular, ainda desligado e carregando na bancada. Antes de apertar aquele botão de desligar, postei um stories de boa noite, como faço todos os dias. Ninguém precisa saber que estou surtando por dentro. E talvez seja exatamente isso que ele, ou ela, queira.

Porque até agora, não fomos devidamente apresentados.

O leite começa a ferver, e eu desligo o fogo, despejando o líquido quente em uma caneca de cerâmica preta com estampa do Jason Voorhees. Sim, a ironia é forte.

Dizie está ali, jogado na caminha dele como se o mundo fosse perfeito, como se absolutamente nada de errado estivesse acontecendo. O filho da mãe ronrona baixinho, com a barriga cheia, o corpo gorducho e relaxado, completamente alheio ao fato de que sua dona pode estar sendo perseguida por um lunático obcecado.

Mas por que ele se importaria? Ele não precisa se preocupar com mensagens bizarras piscando no celular, nem com a possibilidade de ter alguém espreitando do outro lado da janela. A única preocupação real na vidinha de luxo dele é quando a próxima refeição vai chegar.

Ele é um preguiçoso de primeira. Sempre foi. Gosta de se espalhar pelo tapete como um pedaço de pão caído no chão, sem um pingo de dignidade. O pelo marrom é macio, e os olhos verdes brilham quando está interessado em algo—normalmente comida. Quando não está dormindo, está caçando a própria cauda ou miando na cara de alguém para exigir atenção. Ele é folgado, manhoso e um pequeno tirano quando quer alguma coisa.

E agora, olha só para ele, completamente relaxado, respirando de forma ritmada, como se não houvesse perigo algum, como se minha vida não estivesse desmoronando em tempo real. Ele tem esse luxo. Ele pode simplesmente ignorar tudo, se enrolar no próprio corpo e dormir sem preocupação. Eu queria poder fazer o mesmo, mas, diferente dele, eu tenho que lidar com a porra da realidade.

Sopro o leite e tomo um gole, sentindo o calor escorrer pela garganta. Minha mente gira, revisitando cada detalhe da noite anterior. Os comentários estranhos, a caixa e o bilhete.

"Pare de andar por aí sozinha, essa cidade não é segura."

Minhas mãos apertam a caneca com força.

Respiro fundo. Não adianta enlouquecer agora. Amanhã, tenho um dia cheio no set—cenas para gravar, detalhes para acertar—e a última coisa que preciso é aparecer lá com olheiras tão fundas que fariam inveja a qualquer personagem de terror psicológico.

Deito-me novamente, puxando as cobertas até o queixo e fechando os olhos, tentando ignorar a inquietação que rasteja pela minha pele. Viro para um lado, depois para o outro, buscando uma posição confortável que nunca chega. Abro os olhos e respiro fundo, forçando meu corpo a relaxar.

Até finalmente, conseguir dormir.

👻

O despertador toca, e meu corpo protesta contra a ideia de sair da cama, mas a luz do sol que atravessa as cortinas me lembra que tenho um dia cheio pela frente. Me espreguiço e me levanto, sentindo o chão frio contra os pés descalços

Esfrego os olhos e me viro para o canto do quarto, onde Dizie dorme tranquilamente em sua caminha felpuda. Sorrio de leve e me inclino para beijar sua cabecinha macia. Ele se mexe preguiçosamente, soltando um miado rouco antes de voltar a dormir.

Vou direto para o banheiro, ligando o chuveiro enquanto me olho no espelho. Olheiras suaves mancham minha pele clara, lembranças da noite conturbada. Suspiro e entro debaixo da água quente, deixando-a escorrer pelos ombros, relaxando meus músculos tensos. Fecho os olhos e aproveito a sensação por alguns minutos antes de me ensaboar e enxaguar rapidamente.

Saio do chuveiro e me enrolo em um roupão macio, prendendo o cabelo úmido em um coque frouxo. O cheiro de café fresco já começa a tomar forma na minha imaginação enquanto caminho até a cozinha. Dizie já está acordado, se alongando no meio da sala, me encarando como se dissesse: "E a minha comida?"

— Já estou indo, pequeno faminto.

Pego a ração e encho seu potinho enquanto ele se esfrega nas minhas pernas, ansioso. Assim que termino, ele se lança sobre a comida, e eu aproveito para começar o meu próprio café da manhã. Hoje preciso de algo forte.

Abro a geladeira e pego ovos, bacon e queijo, já planejando um omelete bem recheado. Pego também um pouco de manteiga e leite para deixar mais cremoso. Ligo o fogão e deixo a frigideira esquentar enquanto quebro os ovos em uma tigela, batendo com um garfo até formar uma mistura homogênea.

O cheiro do bacon fritando toma conta da cozinha, e eu mexo distraidamente, esperando que fique dourado e crocante. Enquanto isso, espremo algumas laranjas, deixando o suco escorrer pelo filtro da jarra. O barulho do líquido caindo é quase relaxante.

Assim que tudo fica pronto, monto um prato bonito—omelete recheado, bacon crocante ao lado e um copo de suco natural. Mas antes de comer, pego o celular na bancada, ligo e tiro uma foto do café da manhã.

E posto nos stories com a legenda:

" Nada como um café bem caprichado pra começar o dia."

Aproveito para dar uma olhada nas mensagens enquanto tomo um gole do suco. Só notificações do set e dos fãs. Rolo a tela para baixo, procurando, mas nada dele. Nenhuma mensagem estranha, nenhum comentário esquisito. Absolutamente nada.

Bloqueio o celular e o deixo de lado, pegando o garfo e cortando um pedaço do omelete. Talvez eu tenha exagerado ontem. Talvez tenha sido só um susto… talvez.

Termino de comer e levo o prato até a pia, e coloco na lava-louças. Afinal, pra que ter tecnologia se não for pra usar, né?

A casa sempre está impecável, mas não porque eu sou uma maníaca da limpeza. Constance, a senhora que trabalha comigo há quatro anos, cuida de tudo. Ela tem uns cinquenta e poucos anos, cabelos grisalhos sempre presos em um coque e um jeito calmo que me lembra minha avó. Gosta de contar histórias enquanto organiza as coisas, e eu gosto de ouvir. Algumas histórias até já serviram de inspiração para o roteiro do meu filme.

Mesmo tendo alguém para arrumar tudo, às vezes me pego ajudando. Não por obrigação, mas porque gosto. Hoje, no entanto, estou sem tempo. Mas pego um pequeno pano e seco uma gota de suco que derramei no balcão antes de seguir para o banheiro.

Escovo os dentes enquanto encaro meu reflexo no espelho. Passo a língua pelos dentes para garantir que estão impecáveis e cuspo a espuma. Enxáguo a boca e sigo para o closet.

Escolho uma calça de alfaiataria preta, uma blusa de seda vinho e um blazer ajustado. Nos pés, um Louboutin da mesma cor da blusa. Na penteadeira, faço uma maquiagem leve, mas bonita. Pele impecável, cílios longos e batom vermelho vibrante. Me olho no espelho e sorrio de leve.

— Acho que estou pronta.

Pego minha bolsa e as chaves do carro. Hoje, sem caminhadas.

👻

Estou sentada na cadeira, com o roteiro em mãos, mas minha atenção está longe dali. Os outros estão espalhados pelo set, aproveitando a pausa para o café, enquanto eu encaro meu celular pela milésima vez. Nada de novo, nenhuma mensagem e nenhum aviso.

Não sei se isso me acalma ou me deixa ainda mais nervosa.

— Você parece estar esperando uma mensagem importante. — uma voz masculina surge ao meu lado, levemente rouca.

Levanto os olhos e dou de cara com ele.

Alto, com cabelos escuros e levemente bagunçados, como se não se preocupasse muito com a aparência, mas ainda assim carregasse um charme perigoso. O capuz preto cobre parte do rosto, mas os olhos… esses estão à mostra. Escuros, intensos, observando cada movimento meu , como se estivessem registrando tudo. A máscara preta cobre a metade inferior do rosto, escondendo qualquer traço de expressão, tornando-o ainda mais enigmático.

A blusa de moletom preta larga, mas não o suficiente para esconder os ombros largos e a postura rígida. As mangas cobrem quase toda a mão, e ele mantém uma delas no bolso da calça preta. Parece ter uns 28, talvez 29 anos.

— Por que a pergunta? — pergunto, sem desviar o olhar.

— Seu olhar perdido, sua mente que não está aqui, suas mãos nervosas mexendo no celular a cada minuto… Chamou minha atenção. — ele dá um meio sorriso, um daqueles que parecem perigosos e irresistíveis ao mesmo tempo.

— Estou gravando um filme de terror. Não é como se minha cabeça não estivesse cheia. — reviro os olhos e solto um suspiro, colocando o roteiro na mesa a frente.

Ele observa minha reação, como se tentasse me decifrar. Depois, ergue o copo de café e o estende para mim.

— Posso sentar aqui? — mas ele se senta antes que eu possa responder.

Pego o copo que ele me oferece e, no instante em que o cheiro atinge meu nariz, paro.

Expresso duplo com caramelo e uma pitada de canela.. exatamente como eu peço.

— Impressionante… Como sabia? — levanto uma sobrancelha.

— Eu presto atenção em tudo. — ele se inclina um pouco para frente.

E essa resposta me deixa ainda mais alerta.

Quem diabos é ele?

Dou um gole no café, sentindo o calor deslizar pela garganta, mas a presença dele, ainda faz minha pele arrepiar de um jeito estranho. Tento me concentrar no roteiro, mas é impossível ignorar o olhar dele sobre mim—intenso, como se estivesse me decifrando.

— Olha, eu tô meio ocupada agora pra bater papo — digo, erguendo o roteiro.

Ele não responde de imediato. Em vez disso, me observa, como se soubesse algo que eu não sei. Então, com uma calma irritante, ele se levanta, ajeitando o moletom e me encarando por um segundo a mais do que o necessário.

— Entendo. — ele dá um passo, para trás e inclina a cabeça levemente. — Nos vemos de novo, Jenna Morgan.

Meu corpo fica tenso.

Meus dedos apertam o roteiro.

Eu não disse meu nome para ele.

O meu sangue gela por um instante, mas antes que eu consiga reagir, ele já está indo embora. O som das botas dele ecoa no set. E meus olhos seguem cada passo dele, observando a calça escura ajustada ao corpo enquanto ele atravessa a porta com a postura confiante.

E tudo que resta é a sensação incômoda de que, de alguma forma, ele já sabe muito mais sobre mim do que deveria. Enquanto isso, eu não sei absolutamente nada sobre ele. E tenho quase certeza de que acabei de ficar diante de alguém que não está aqui para fazer um filme ou interpretar um personagem.

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