Capítulo 05

Mentiras Matinais | Jenna Morgan

Acordo atordoada quando escuto o toque do meu celular. "Tubular Bells", do filme "O Exorcista", levanto a cabeça rápido demais e percebo que foi um erro enorme.

Minha visão escurece por um segundo, e a tontura me acerta como um soco no estômago, minha cabeça lateja como se tivesse alguém batendo um martelo dentro dela.

Pisco várias vezes, e tento fazer meus olhos funcionarem direito. Tudo ainda está meio borrado, mas logo consigo enxergar os estragos da noite passada. Meu corpo parece pesar toneladas, minha boca está seca, junto com o gosto amargo de vinho e arrependimento grudado na minha língua.

Olho ao redor e vejo o carpete manchado de vermelho. Pelo menos, eu espero que seja vinho. Já que a garrafa está caída no chão ao meu lado. Mas considerando tudo o que aquele lunático me disse ontem à noite, não me surpreenderia se houvesse sangue de verdade misturado nesse vinho.

Não me lembro de ter bebido tanto. Não lembro de ter acabado com a garrafa inteira. Muito menos de ter me jogado no chão como uma bêbada derrotada.

Mas ainda assim, eu lembro dele.

Lembro do jeito que ele me olhou. Do arrepio na espinha. Da sensação horrível de que minha vida não é mais minha, de que agora tem alguém me observando, controlando meus passos, se infiltrando na minha existência como um parasita maldito.

O celular toca de novo, e até a música que eu escolhi me irrita. Soa estridente, insistente, como se estivesse me provocando.

Estico o braço com um gemido e pego o aparelho que está jogado na mesinha de centro. A tela brilha direto na minha cara, me cegando por um segundo. Quando meus olhos se ajustam, vejo a quantidade absurda de chamadas perdidas. 15. Ou talvez mais.

Damian, Elena e várias outras pessoas do set.

Sem falar nas dezenas de menções no I*******m. E no grupo do filme, que está cheio de mensagens que, sinceramente, eu não estou nem um pouco a fim de ler agora. Olho para a hora do celular e já são 10h da manhã.

Tudo o que eu quero agora é um pouco de tempo sozinha.

Eu não posso mentir e dizer que o Matteo não me deixou com a cabeça cheia e com um aperto no peito nada confortável , não é como se algum maluco batesse sempre na minha porta , na verdade, eu não tinha tido essa sorte até ontem à noite.

E quer saber? Eu quero folga, eu preciso de folga, minha cabeça tá um caos, meu corpo tá um lixo, e a última coisa que eu quero é enfiar um sorriso falso na cara e fingir que tá tudo bem, porque não tá.

Jogo o celular no sofá e esfrego as têmporas, tentando ignorar a dor de cabeça. Minha ressaca tá me matando, mas não tanto quanto a merda que tá acontecendo na minha vida.

Meu coração aperta de novo só de lembrar do jeito que ele me olhou. Eu deveria estar assustada. Mas meu corpo não reage do jeito que deveria, e até posso dizer que ele me interessou um pouco, ao menos um pouco. Eu sou uma maluca não sou?.

Me forço a levantar do chão, pego meu celular e caminho até a cozinha, mas minhas pernas estão pesadas e minha mente tá um turbilhão. Abro a geladeira, pego uma garrafa e um copo no armário, e encho de água, virando de uma vez. Adoraria dizer que está resolvendo alguma coisa, mas o líquido gelado não está ajudando em nada.

Meu olhar vaga pela casa e para na porta trancada, isso me faz soltar um riso curto, quase irônico. Como se isso fosse impedir qualquer coisa. Como se uma tranca de merda fosse suficiente pra me manter segura.

— Não importa onde ele esteja agora, eu sei que ainda tô na cabeça dele... Assim como ele está na minha. — murmuro, colocando o copo na pia.

Eu preciso tirar essa sensação de ressaca da pele. Preciso apagar a noite passada, ou pelo menos fingir que ela não grudou em mim como uma mancha impossível de tirar. Largo o celular na bancada e vou direto pro banheiro. Depois de dormi no chão, o mínimo que eu posso fazer é tomar um banho.

Tiro o pijama e deixo cair no chão sem pensar duas vezes. Entro no chuveiro e giro até o máximo. A água quente desaba sobre mim, e eu quero acreditar que ela pode levar embora o vinho, o incômodo, o peso da noite passada e o olhar dele. Principalmente o olhar dele.

Passo as mãos pelo rosto, esfrego os braços, a nuca e respiro fundo. Tento organizar os pensamentos, mas é impossível. A voz dele, dizendo que me venera, que faria qualquer coisa por mim, que mataria por mim. Porra isso não é normal, e eu deveria está rindo disso, eu deveria estar apavorada. Mas o pior de tudo é que eu não sei exatamente o que estou sentindo.

Fecho o chuveiro e saio às pressas, pegando a toalha. Seco o cabelo rápido, passo os cremes no rosto no automático, como se seguir uma rotina pudesse consertar alguma coisa. Vou até o closet. Nada de pijama agora. Quero algo confortável, mas que me faça sentir minimamente no controle. Escolho um moletom preto oversized e um shorts de algodão. Algo simples, sem esforço.

Porque no fim das contas, a imagem sempre precisa estar intacta. Mesmo quando, por dentro, eu tô completamente despedaçada.

Pego a escova e deslizo pelos fios com mais força do que deveria, como se isso pudesse mudar alguma coisa. Mas cada puxada é um lembrete da bagunça que tá minha cabeça. Minha pele formiga só de lembrar de todas aquelas fotos.

Jogo a escova na penteadeira e saio do quarto. Eu preciso de café. Mas não qualquer café. Preciso de algo que me ressuscite. Abro o armário e pego o pó mais forte que tenho. Despejo na cafeteira sem nem medir direito, porque foda-se. Quanto mais forte, melhor.

Reviro os armários com a paciência de quem foi atropelada pela própria vida. Preciso de algo que me mantenha de pé, que engane meu estômago e faça minha cabeça parar de latejar.

Jogo duas fatias de pão artesanal na frigideira com manteiga, esperando dourar enquanto corto um pedaço generoso do queijo que comprei. Um daqueles que derrete na boca e tem um gosto tão forte que chega a ser um tapa nos sentidos. Abro um pote de geleia de frutas vermelhas. Normalmente, eu ignoraria isso, mas hoje preciso de açúcar. Preciso preencher esse buraco no peito com qualquer coisa.

Termino de preparar meu café da manhã e levo tudo até a bancada, me jogando na cadeira alta como se meu corpo pesasse o triplo. Minha cabeça martela, meu estômago tá um nó, e tenho certeza de que minha cara tá um desastre mesmo depois do creme. Mas dane-se. Só preciso de comida e café.

Seguro a caneca com as duas mãos e tomo um gole generoso. O café está extremamente forte, amargo, exatamente do jeito que eu gosto. Queima minha língua? Sim. Me importo? Nem um pouco. Pelo menos a dor física distrai da merda que foi a noite passada.

Mordo um pedaço da torrada, mastigo devagar. O queijo derretido misturado com a geleia é uma das poucas coisas que tornam essa manhã menos miserável. Meu corpo finalmente aceita que tá vivo e que vai ter que lidar com essa ressaca, querendo ou não.

Meu celular está do lado. Eu encaro ele e solto um suspiro. Tem um milhão de mensagens, chamadas, cobranças. Mas antes de lidar com isso, preciso postar alguma coisa. Se eu não postar, vão começar as perguntas.

Pego o celular, abro a câmera e ajeito a cena. Caneca fumegante, torradas perfeitamente montadas, bagunça calculada. Pronto. Tiro a foto, coloco um filtro sutil e escrevo:

"Acordei mais tarde hoje, precisava de uma manhã tranquila depois de tantos dias corridos. Um café da manhã simples, mas necessário. Daqui a pouco volto pra rotina."

Posto nos stories e largo o celular, mas ainda tem outra coisa pra resolver. O trabalho, pego o celular de novo, abro o chat do grupo. Damian, Elena e o resto me procuraram, querendo saber onde diabos eu tô.

Respiro fundo e digito:

"Gente, desculpa, passei mal de madrugada e acordei péssima. Acho que comi alguma coisa estragada. Hoje vou precisar ficar de repouso, mas amanhã tô de volta. Não postei nada porque não quero preocupar ninguém. Se precisarem de algo, me avisem."

Envio e jogo o celular na bancada.

Pronto. Resolvido. Agora só preciso terminar de comer e fingir que minha vida tá minimamente sob controle. Mas a verdade? Tá longe disso.

Encaro o nada, com a mente girando num loop infinito. Minha mão tamborila na bancada, inquieta, enquanto balanço a perna sem nem perceber. Tento afastar a sensação de que algo está errado, mas é como um zumbido incômodo no fundo da mente, impossível de ignorar. Solto um suspiro e pego o celular de novo. E assim que eu pego a notificação de uma nova mensagem surge na tela.

(Número desconhecido.)

"Como estava o vinho? Jenna.. Jenna, você me decepcionou. Achei que ficaria mais animada em me conhecer de verdade."

O celular escorrega da minha mão e cai na bancada com um baque seco. Meu coração dispara, e o café da manhã, que mal tive tempo de digerir, ameaça voltar. Me obrigo a pegar o celular de novo. Abro a mensagem, olho para cada palavra, como se pudessem se transformar em algo menos perturbador se eu lesse devagar. Mas não. O significado está ali, claro como o dia.

Ele sabe.?

Ele sabe que eu bebi todo o vinho?

Me levanto num pulo, com a cadeira arrastando no piso. Meus olhos varrem o apartamento, cada canto, cada sombra. A porta continua trancada. As janelas fechadas. Mas nada disso me faz sentir segura. Será que ele esteve aqui enquanto eu dormia? Será que eu estava tão bêbada que não percebi? Minha mente corre para a noite passada.

"Eu mataria por você".

Engulo seco. Meus dedos deslizam pela tela do celular, hesitantes. Bloquear o número parece a opção óbvia, mas parte de mim hesita. Como se deletar aquela mensagem fosse apagar o problema. Como se isso fosse impedir que ele tentasse de novo. Eu deveria contar pra alguém? Deveria ligar pra polícia?

Mas o que eu diria?

"Oi, um cara misterioso apareceu do nada, falou umas merdas perturbadoras, e agora tá me mandando mensagens bizarras. Ah, e eu meio que... gostei da atenção dele?"

Fecho os olhos e respiro fundo. Não, eu não posso me deixar levar, não posso ceder ao medo. Pego o celular e, ao invés de bloquear o número, faço algo que talvez seja ainda mais idiota.

Jenna: O que exatamente você quer?"

Desconhecido: Você já sabe, querida. Só tá fingindo que não."

Meu estômago aperta.

Jenna: Você tá brincando comigo?

Desconhecido: Você acha que isso parece uma brincadeira?

Jenna: Eu nem sei quem você é.

Desconhecido: Sabe, sim.

Jenna: Então me diz, quem é você?

Desconhecido: Apenas um homem fascinado.

Jenna: Fascinado?

Desconhecido: Obcecado. Enfeitiçado. Perseguido pelo seu nome. Assombrado pela sua voz.

Jenna: Você me viu ontem à noite, não viu... quando eu estava dormindo?

Desconhecido: Eu vejo sempre.

Jenna: Isso é um aviso ou uma ameaça?

Desconhecido: É um fato.

Jenna: Você precisa parar com isso.

Desconhecido: Você quer que eu pare?

Jenna: É claro que quero.

Desconhecido: Então por que ainda está respondendo?

Jenna: …

Desconhecido: Abra a porta.

Meu coração congela no peito. A tela do celular escorrega um pouco entre meus dedos suados.

E então, a campainha toca.

A campainha toca de novo, insistente. E meu coração martela, mas eu não me movo. Não sou idiota. Não vou abrir essa porta de novo.

Respiro fundo e solto o ar devagar, tentando ignorar o arrepio que sobe pela minha espinha. Meu olhar vai para o celular que ainda está na minha mão, com a tela brilhando com a última mensagem dele.

"Abra a porta."

Não vou, e ele pode esperar sentado.

Bloqueio o número sem hesitar e desligo o celular. Dane-se. Eu não tenho que lidar com isso agora. Coloco o aparelho pra carregar no meu quarto e me forço a continuar minha manhã como se nada tivesse acontecido.

A primeira coisa que faço é levar o café da manhã para a pia. O cheiro de café, queijo derretido e geleia de frutas vermelhas, que antes parecia reconfortante, agora me enjoa. Eu nem terminei de comer. E, sinceramente? Tanto faz agora.

O que eu preciso agora é tirar essa sensação da pele. Esse peso no peito.

Olho ao redor e vejo a bagunça. Meu apartamento não é pequeno — é uma cobertura enorme, com janelas panorâmicas, uma sala ampla e um piso impecável que agora tem um carpete sujo e uma garrafa vazia de vinho, e lembranças de uma noite que eu preferia esquecer.

É isso. Vou arrumar tudo. Vou ocupar a cabeça.

Caminho até a Alexa e, sem pensar duas vezes, escolho uma playlist de trilhas sonoras de terror. Algo sobre violinos tensos e notas arrastadas me acalma de um jeito estranho. Talvez seja porque eu cresci assistindo filmes de terror. Porque esse tipo de som, para mim, significa ficção. Algo distante. Algo que não pode realmente me machucar.

Diferente do que tá acontecendo agora.

A primeira música começa — uma melodia tensa de Halloween — enquanto eu prendo o cabelo num coque alto e começo a recolher a garrafa e as taças espalhados pela sala.

Tento não pensar nele. No que ele disse.

"Eu vejo sempre."

Não.. isso é mentira.

"Obcecado. Enfeitiçado. Assombrado pela sua voz."

Jogo uma almofada no sofá com força, quase rindo. Pelo amor de Deus. Quem fala desse jeito na vida real? Ele deve achar que tá num filme noir.

Ignoro os calafrios e sigo arrumando. Varrer, organizar, limpar. Cada movimento me afasta mais daquela porta. Mais da campainha que agora está silenciosa.

Talvez ele tenha desistido.

Ou talvez ele ainda esteja esperando.

A música de Psicose começa a tocar na Alexa, e eu me pego rindo sozinha enquanto esfrego a mesa da cozinha com um pouco mais de força do que o necessário.

Será que ele tem alguma câmera aqui dentro?

Paro no meio do movimento, com o pedaço de pano entre meus dedos. A ideia não devia parecer tão absurda, mas meu cérebro automaticamente começa a listar todas as possibilidades estúpidas que poderiam explicar como ele “sempre me vê”.

Talvez ele tenha instalado alguma coisa em mim. Um chip.

Eu rio, balançando a cabeça. Tá, essa foi ridícula. O cara teria que ter me sedado, invadido minha casa e… tá, chega. Isso não faz sentido.

Mas e se ele mora nesse prédio?

O pensamento me atinge como um soco no estômago, e eu olho em volta instintivamente, como se esperasse ver alguém escondido atrás do sofá.

Ou talvez ele esteja no prédio ao lado.

Essa ideia me faz andar até a janela da sala, puxar as cortinas e encarar a vista. Qualquer uma daquelas janelas pode estar escondendo ele. Me observando.

Uma gota de suor escorre pela minha têmpora, e eu limpo com a mão, respirando fundo.

— Sinceramente? Foda-se.

Se ele quer brincar de stalker misterioso, boa sorte pra ele. Eu tenho mais o que fazer. Fecho a cortina com um suspiro pesado. Não quero pensar nisso. Não agora.

Sim, eu tenho receio. Um pouco de medo? Talvez. Mas não tanto quanto achei que teria. O que me assusta mais não é o fato de ele estar me observando, e sim o fato de que eu não estou surtando como deveria.

Só que eu não posso me prender nisso. Meu filme ainda está em andamento, e perder a cabeça por causa de um maluco simplesmente não pode acontecer. Ser diretora significa deixar os problemas pessoais de lado sempre.

Então eu volto ao plano original: faxina.

Passo o resto do dia nisso. Organização, limpeza, e todas as outras coisas. A playlist de terror segue tocando na Alexa, e, por algum motivo, me ajuda a manter o foco.

No meio da tarde, peço comida. Nada muito elaborado, só algo que me faça esquecer que tenho um estômago vazio.

Tiro fotos pro stories, interajo com os fãs, posto uma frase motivacional qualquer — porque é isso que esperam de mim — e, finalmente, quando já estou exausta, decido que é hora de dormir.

Mas tem algo errado.

Muito errado.

Dizie.

Meu gato.

Olho em volta, assobiando baixo, chamando por ele. Nada. Caminho até os cantos favoritos dele: debaixo da cama, atrás do sofá, na cozinha, no seu cantinho de água e comida.

— Dizie?

Silêncio.

Meu estômago revira. Ele sempre aparece quando chamo. Sempre. Me viro para a porta, com a respiração acelerada. Não... Não pode ser.

Desbloqueio o celular com os dedos trêmulos e, antes que eu possa pensar demais, abro o chat dele.

Jenna: Foi você?

A resposta vem em poucos segundos, como se ele estivesse esperando essa pergunta desde o início. Me sinto uma péssima dona, como eu pude esquecer meu gato? Mas que dia de merda.

Desconhecido: Durma, pequena Jenna. Eu cuidarei do nosso filhotinho até amanhã.

Meu gato... Ele está com o meu gato.

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