Parte 3

Aquele que parecia ser Vaes se aproximou de Móretar.

-Acho que temos um pouco sobre o que conversar nesse meio tempo. - Ele se aproximou de Móretar e continuou andando em direção ao que parecia ser a saída, por onde os outros já tinham passado. Móretar seguiu. Ao passarem por aquela entrada, uma espécie de porta automática de onde não vinha luz do outro lado, saiu num deserto e atrás dele não tinha mais porta, não tinha casa, não tinha mais ninguém. - Isso não é bem um teletransporte, mas uma ilusão. Nesse mundo, nós 12 aprendemos a controlar facilmente a matéria, conseguimos fazer algo parecer uma coisa ou outra. Manipulamos os elementos, a luz, o ar, o que quer que seja. Temos alguma dificuldade de manipular seres vivos e não conseguimos definitivamente afetar uns aos outros aqui. Mas a imagem real desse lugar é esse deserto que você está vendo. O planeta todo! Areia, areia e mais areia. Calor, calor e mais calor. Sol por todos os lados. De forma natural, não existe noite. Apesar de nós podermos criar uma barreira para a luz no que é a estratosfera desse planeta, apontando para o céu.

Nesse instante, Vaes apontou para cima, moveu o dedo indicador no sentido horário, e uma escuridão foi se formando, como um eclipse, até que o breu tomasse conta. Depois fez o movimento contrário e a luz voltou vinda dos céus. Não era possível ver o Sol, a origem da luz.

-Esse planeta está no centro de 4 estrelas, grandes e brilhantes como Sóis. O Campo gravitacional entre elas sempre se mantém inalterado, assim como o do planeta, de forma que, como em nenhum outro planeta em que já estivemos, não há movimento de um corpo celeste em relação a outro. Não existe translação, nem rotação. Apesar do conjunto desse sistema composto por 4 estrelas e um planeta se movimentar no espaço, como se fosse um corpo único. Nós estamos no mais distante do centro do Universo que já conseguimos chegar. - Vaes parece ter uma ideia nesse momento, seus olhos meio que se acenderam, assim como o seu semblante se iluminou. - Sabe de uma coisa? Não podemos nos teletransportar, mas ninguém falou nada a respeito de voar em alta velocidade.

- E você consegue fazer isso? - Móretar perguntou, desconfiado.

- Eu sou um excelente manipulador do ar, na verdade de qualquer elemento no estado gasoso. Esse planeta tem como base o ar dos planetas que iniciam vidas: o oxigênio, que mantém a maioria dos corpos orgânicos em funcionamento. Esse também é o padrão dos planetas de manipuladores do ar. Apesar de nossos corpos aqui não dependerem desse oxigênio, o seu provavelmente depende, afinal você ainda não morreu. Nós chegaremos na estratosfera e faremos o teste. Seria mais fácil tentar prender a respiração, eu sei, mas assim você também pode admirar a vista. - Vaes parecia até um pouco sádico enquanto falava.

- Não me parece uma boa ideia - Respondeu Móretar - Mas eu sempre acredito que as maiores conquistas nunca vieram de boas ideias - Completou. - Vamos lá!

- Isso não faz o menor sentido, mas tudo bem! - Vaes dizendo isso, move suas mãos e como se começasse a ventar, faz os dois saírem levemente do chão, para que, em seguida, disparassem como dois foguetes para cima.

Aos poucos, as nuvens cobriam os dois e em seguida eles as ultrapassavam, até o momento em que pareciam perto de entrar em órbita e ali pararam.

-Fiz com que o ar nos amortecesse antes dele não mais estar presente, para que nossos corpos não continuassem em movimento. - Móretar ouvia a voz de Vaes em sua mente, sua boca não se mexia. Ele não conseguia respirar mais. Fadas tinham um sistema respiratório com reservatório de ar, portanto seu corpo continuava em funcionamento por mais algum tempo, antes que seu cérebro pedisse desesperadamente por ar. Ele teve tempo de admirar aquela imagem única vendo o planeta laranja, gigantesco do espaço, iluminado naquele instante por duas estrelas cuja posição e encontro de luzes causavam o efeito de várias cores brilhantes espalhadas pela imensidão do vácuo.

Móretar aos poucos começou a asfixiar. Vaes o segurava pela mão, agora.

-Não se preocupe, consigo medir seus sinais vitais, consigo analisar tudo que está acontecendo dentro do seu corpo. Pelo comportamento dele, nessas condições que estamos, posso perceber que ele não sofreu alteração nenhuma. Você ainda está mesmo na sua primeira vida, habitando seu primeiro corpo orgânico. - Vaes explicava telepaticamente a situação para Móretar.

Em seguida, o ancião abriu a outra mão, que mantivera fechada esse tempo todo. Havia ar dentro dela e com essa pequena quantidade de ar, conseguiu impulsionar seus corpos para baixo, suavemente, de volta para atmosfera do planeta, cuja gravidade em pouco tempo passou a agir novamente.

Ambos entraram em queda livre, uma sensação que Móretar nunca teve. Vaes abriu os braços, com o corpo na horizontal em relação ao solo e Móretar fez o mesmo. Por alguns instantes parecia que nada mais existia. Eles viram dali ao longe, uma floresta sendo erguida, árvores se formando do nada. Vaes passou a mover as mãos para controlar o ar e diminuir gradativamente a velocidade da queda deles, até que tocaram o chão novamente.

- Uma partícula de nós que faz sermos quem somos. Quando um CONC se desenvolve, um Corpo Orgânico Natural Cerebral, ele, num determinado momento, cria essa partícula no cérebro, com uma quantidade de energia armazenada incrível. Essa energia, até onde sabemos, nunca desaparece. Quando o corpo morre e o cérebro desliga, essa partícula se teletransporta para um outro planeta e materializa um novo corpo, baseado nas suas memórias e no seu desenvolvimento em relação ao novo mundo a qual ela acaba de se tornar parte. Muitos, inclusive alguns de nós, acreditam que exista um controlador desse sistema, nem que seja algo como um gestor de algoritmos que esteja por trás da criação, continuidade e evolução da vida. Mesmo nós, daqui, nunca solucionamos esse segredo da vida, pelo menos não ainda. - Vaes contava essa história para um Móretar embasbacado, já com sua reserva de ar recuperada e ainda espantado por tudo que tinha acontecido - Existe uma profecia, conhecida por todos os 12, em seus mundos iniciais, que contava que um dia, um garoto surgiria diante dos anciãos imortais para salvar o universo de um grande mal, imensurável e que ele seria responsável pela aparição e intervenção de Deus.

Aqui, acabamos nos considerando esses anciãos e buscamos respostas por todo o Universo. Mas, após um tempo, passamos a acreditar que isso era uma ilusão. Até que o garoto apareceu aqui, aquele garoto que você viu com Hagar. Ele morreu pela primeira vez e veio parar aqui. Ninguém morre e vai direto para um planeta de nível 3, muito menos pro único planeta de nível 6. Se algo assim acontecesse, sob qualquer sinal da profecia, o guardião do espaço-tempo convocaria sem aviso todos os outros 11, com um portal. Como a passagem de tempo é relativa, qualquer segundo é precioso nessas circunstâncias. Foi nesse portal que você entrou.

-Agarrado em Krakor... - Assimilou Móretar.

-Agarrado em alguém que não deveria estar em contato com outro ser vivo, sendo visto... Mas Krakor sempre foi nosso maior rebelde do grupo. Em um determinado momento, crendo que não encontraria nenhum Deus, decidiu ele mesmo ser Deus. Após se apaixonar, criou um próprio mundo para os seus descendentes. Ele sempre esteve muito ligado ao seu mundo, mesmo depois dele ter ido para caminhos que ele não imaginava. Mas essa é uma história para ele te contar, se ele quiser. - Esplanava, Vaes, olhando para o horizonte, onde árvores ao longe continuavam surgindo.

-Aparentemente um pequeno trecho que lembra seu planeta já foi criado aqui no nosso. Acho que já podemos ir até lá. - Vaes novamente utilizou do ar para que fossem carregados em direção daquela nova floresta que foi criada no meio do deserto.

- Uma coisa você precisa saber pra começar. Você deve ter ouvido Hagar falar de água, fogo e vento. São os 3 tipos de base de planeta de nível 2. Em sua primeira morte, normalmente as pessoas vão para planetas que estão começando a descobrir como manipular esses elementos básicos e cada planeta desse nível tem como base um desses elementos. Somente a partir do nível 4, os seres conseguem aprender a manipular os 3 elementos ao mesmo tempo. - Vaes novamente falava telepaticamente com Móretar enquanto voavam. - Qual dos 3 desses elementos passa primeiro pela sua cabeça?

Um rápido pensamento de Móretar imaginou aquilo que estava mais próximo dele, dentre os elementos, que era o ar, empurrando seu corpo.

-Interessante esse seu pensamento, será que você realmente pensou nisso ou foi influenciado a pensar? Sua dúvida é válida! Mas será que o contrário também não poderia acontecer, de, por conta da influência de algo, você justamente pensar num elemento que fugisse dessa influência? Bom, o que importa é que o vento foi o seu escolhido - Dizia, Vaes, que claramente não demonstrava menor constrangimento por estar dentro da cabeça de Móretar, o que, para este, era um grande absurdo - Irônico não haver privacidade nem nos pensamentos, num dos maiores planetas do Universo, onde só existem no momento 14 pessoas, não é mesmo? Mas você deveria estar se perguntando por que eu disse vento e não ar. E mesmo, sem você perguntar, vou explicar! O vento é o movimento de matéria no estado gasoso. Um manipulador do vento pode inclusive manipular a água, se ela não estiver em estado sólido. Parece interessante, não é mesmo? Um manipulador de água não consegue manipular outros líquidos que não contenham duas moléculas de hidrogênio e uma de oxigênio misturadas e um manipulador de fogo não consegue, normalmente, queimar algo sem que exista oxigênio, mas um manipulador do vento, não precisa necessariamente de um elemento químico específico, apesar de ser extremamente raro encontrar algo no estado gasoso que não tenha um pouco de oxigênio ou de carbono envolvido.

Móretar se perdia com as informações. Ele não conseguia assimilar tão rapidamente tanta coisa, apesar da curiosidade. E, também, quanto mais se aproximava da floresta que surgiu do nada, mais os detalhes iam saltando a sua vista. Era impressionante que literalmente do nada, um deserto se transformava numa floresta, a partir de uma determinada linha reta. Quando entraram no campo, por cima das árvores e se apronfudavam pelo ar, até mesmo a coloração do céu mudava. Nuvens que não existiam, surgiam.

De repente, sobre um pequeno clarão na floresta, um espaço aberto, um círculo enorme tão perfeito, até mesmo para uma criação de alguém além da natureza, os dois desceram num movimento suave, até tocarem o solo.

Esperava por eles, uma mulher que Móretar ainda não tinha visto. De beleza incrível, parecia muito com as fadas, mas era mais alta que a maioria. Cabelos loiros muito compridos, mais magra também que o padrão das fadas, mas com curvas bem definidas. Vestia uma armadura como os 12, mas era diferente. Lembrava mais uma couraça, uma pele de algum animal, de algum felino de cor preta, mas repleta de detalhes, que se confundiam entre adereços estéticos ou proteções. Acima dos joelhos um babado que fazia parecer uma saia, mas que parecia rígida.

Andando calmamente até os dois, quase que numa tentativa de sedução, com um movimento delicado de todo o corpo, a mulher se aproximou e trocou olhares com Vaes e em seguida mirou Móretar, que estranhamente desviava o olhar. Por algum motivo ele sentia algum tipo de timidez, não conseguia olhar pra ela por muito tempo. Pairou em sua cabeça a dúvida. Quem era ela? Vaes acabara de dizer que só haviam 14 pessoas naquele planeta...

-Se só existem 14 pessoas nesse planeta, tente pensar quem pode ser ela... - Disse, Vaes lendo os pensamentos de Móretar novamente.

-Vaes, devia se envergonhar de demonstrar tão abertamente a invasão aos pensamentos de alguém. - Disse, a mulher, cuja voz, agora, vinha à cabeça de Móretar como reconhecível. Era de alguma das pertencentes do grupo, mas não se lembrava quem.

- Ora, Dafa, então o problema é eu demonstrar que leio pensamentos e não ler os pensamentos? A chamada hipocrisia, não é mesmo? - Respondia, Vaes, que entregava se tratar mesmo de uma pertencente dos 12, totalmente rejuvenescida e trajando uma armadura bem diferente.

- Seu estranhamento é normal. Somos os únicos que podem utilizar conscientemente uma renovação molecular. Mas ela depende de um outro ser específico. Dissemos que éramos, nós 12, os únicos seres nesse planeta, o que poderia ser verdade, mas não completa. Exceto por Zeon, que manteve sua simbiose no planeta onde estava, todos os outros 11 carregam em si seus 11 companheiros simbióticos, diferentes espécies interplanetárias que, como nós, também são seres pensantes que morrem e evoluem. Cada um tem o seu e, apesar de não ser uma regra e não se saber o motivo, normalmente a dupla se faz entre alguém com características humanóides, seres bípedes, com grande grau de transmissão de conhecimento, de manipulação da natureza, com alguém animalesco, com características mais simples de desenvolvimento. Esses últimos, seres incríveis, com um grau de desenvolvimento se encasulam após alguma morte, até serem encontrados por seus pares. Ainda não sabemos se existe algum tipo de magnetismo para que, após suas mortes, acabem no mesmo planeta, ou se existiria a possibilidade de compatibilidade com diferentes seres. A segunda opção parece a mais plausível, mas não pode ser comprovada, pois nunca ninguém que se uniu com alguém, conseguiu mudar essa união com outro ser.

- Vou mostrar pra você! Fica mais fácil do que explicar! - O que parecia ser a armadura de Dafa começou meio que derreter, escorrendo pela suas pernas em algo que parecia quase líquido ou uma gosma, foi desnudando-a e essa gosma foi criando forma, se transformando num animal, um felino grande, que não era familiar a Móretar, apesar de existirem tigres em seu planeta, aquele animal se assemelhava a uma pantera. O animal ficou parado ao lado de Dafa, que estava ali, nua, de aparência absolutamente linda, banhada pela luz de um luar, no raro momento de noite de Éden.

- Você precisava mesmo estar nua? - Questionou, Vaes, claramente desconfortável com a situação.

- Eu só utilizo minha simbiose, sem roupa, pode ser que você não perceba nenhuma diferença, mas eu percebo, o contato da pele dele, direto na minha... - Dafa falava isso se aproximando de Móretar e olhando para ele, como se realmente pretendesse seduzi-lo. - Mas confesso que estava curiosa em saber como seria a reação de um homem a mim, um homem em sua primeira vida, repleto de... seus ímpetos primitivos - Essas últimas palavras, ela sussurrou no ouvido de Móretar, que estava completamente imóvel, atônito com a atitude de Dafa. Ela era realmente muito atraente, seu cheiro, parecia penetrar em sua pele e não era como um perfume, mas era embriagante. O desejo de Móretar era de agarrar Dafa, ali mesmo, passava tudo pela sua cabeça, desejos, lembranças, expectativas, medos.

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