4. Maureen

O relógio da torre soou, pela sexta vez, indicando que Maureen estava atrasada. A dançarina seria capaz de jurar por cada um dos deuses da Tríade que saíra de casa no mesmo horário de sempre e ela não estaria mentindo. O que jamais contaria a ninguém é que entrara em uma chapelaria na Rua do Rio e, após quase quarenta minutos, deixara a loja com o mesmo chapéu e sem nenhum embrulho nas mãos.

Maureen cortara caminho pelas vielas do Bairro da Feira, tentando encurtar o caminho, mas ainda tinha algumas centenas de metros a percorrer antes de chegar a seu objetivo. Para concluir sua jornada até o Saloon Juanito Três Dedos com menos atraso, a dançarina ergueu sua volumosa saia até a altura dos joelhos, ergueu do chão uma das pernas, fazendo um ‘quatro’ e tirou um dos sapatos. Colocou o pé descalço, cujas delicadas unhas estavam pintadas de verde neon, no pavimento arenoso, e, com o mesmo movimento, retirou o outro sapato.

Segurava os dois sapatos na mesma mão e ajeitava a saia, quando escutou um assovio de ‘fiu fiu’, atrás de si, acompanhado de aplausos lentos.

“Clap”.

“Clap”.

“Clap”.

Prevendo encrenca, a dançarina virou o corpo, na direção dos aplausos.

O sorriso no rosto do homem era vulgar, assimétrico, erguendo mais o lábio no lado direito, evidenciando o canino de ouro, enquanto mascava um palito de dentes.

Maureen sabia das intenções daquele sujeito. Ele não era um desconhecido que a encontrara ali por acaso. O freguês habitual do Três Dedos não se contentara em admirar as pernas da dançarina, todas as noites, em cima do palco, e decidira que encontraria um jeito de tirar uma casquinha, afinal, a dançarina sabia o que aquele homem olhava:

Uma mulher negra, de altura mediana, com um chapéu roxo e espalhafatoso que escondia cabelos, mas ele já tivera a oportunidade de vê-los, centenas de vezes. Tranças enraizadas criavam caminhos que se formavam no final da testa e seguiam até a nuca antes de se libertarem do couro cabeludo e descerem soltas até o meio das costas. Uma mulher de olhos agateados e escuros, sempre bem delineados, com um nariz largo e de ponta arredondada, de lábios carnudos e queixo forte. Mas, apesar de considerar aquele rosto um tesouro, não era aquele o interesse do sujeito. Ele queria segurar aquele pescoço fino e apalpar os seios volumosos enquanto esfregava seu quadril no traseiro grande e arredondado.

Sem se sentir ameaçada, Maureen, disse:

- O que você quer?

Sua voz estava tranquila e carregava uma nota de deboche, deixando o homem fora de prumo, por um segundo. Mas ele logo se recuperou e, sem dizer nada, puxou da bainha uma faca de caça, enquanto exibia, novamente, seu dente de ouro e, com a outra mão, desabotoava a calça jeans.

Ainda com a voz tranquila, a dançarina continuou:

- Você quer trepar? É isso? Não precisa de violência... Pode guardar a faca... Mas venha com calma, não estrague o meu vestido.

Enquanto Maureen falava, tirou o chapéu e colocou, delicadamente, sobre um barril, encostado na parede a seu lado. Caminhava na direção do sujeito, sensualmente e fazendo brincadeiras com as mãos, girando os sapatos, passando de uma mão para a outra.

O homem olhava para a mulher que se aproximava e para a faca em sua mão, que começava a parecer despropositada e fora de contexto. Sua cabeça primitiva entrava em parafuso. “Todo esse tempo, era só eu pedir?”.

Maureen se aproximou mais alguns passos, sem olhar para baixo, pisando, com os pés nus, em todo o tipo de sujeira da viela. Até estar perto o suficiente para sentir o odor de suor e o hálito com cheiro de menta e nicotina do sujeito. Então começou a dançar. Movia o corpo de maneira sensual, ora inclinando-o para frente, exibindo o decote, ora erguendo a saia até o meio das pernas, fornecendo uma visão da coxa. Quando o homem tentava se aproximar, ela se afastava, ou colocava uma mão no peito do sujeito e o empurrava para trás. Cada vez mais distraído e convencido de que teria aquela mulher para si, o homem, finalmente, abaixou a faca.

Ainda com um movimento de dança, Maureen realizou um giro em trezentos e sessenta graus, enfiando o salto alto em um dos olhos do sujeito, no final do primeiro giro e, num segundo giro mais rápido, se agachando e aplicando uma rasteira precisa.

 O homem caiu de costas, berrando de dor e ofendendo a dançarina com palavras incoerentes e ameaças de morte. A mulher se agachou e pegou a faca no chão, dizendo com uma voz dura, completamente diferente da anterior:

- Fica no chão e para de gritar. – E apontando a faca na direção dos botões abertos da calça, continuou: - Ou cabeças vão rolar.

Sem oferecer resistência, o sujeito ficou no chão, choramingando e pedindo desculpas.

Com a mão que segurava a faca, mas tomando cuidado para não estragar o vestido, Maureen puxou o decote, enquanto enfiava a outra no espaço criado, resgatando uma pequena tabuleta eletrônica e dizendo:

- Desculpa ter que tirar foto de você nessas condições, mas se eu não o fizer, o Hans nunca vai acreditar que eu atrasei por ter sido atacada no Bairro da Feira, você sabe como ele é.

Depois de tirar algumas fotos e devolver a tabuleta para o aconchego do decote, Maureen, ergueu o vestido até o meio da coxa e segurou assim por um tempo, até o homem concentrar seu único olho no movimento que ela fazia. Então ergueu um pouco mais, exibindo uma pistola Light Wave.

O homem arregalou o único olho e ergueu as mãos, em um movimento defensivo, falando:

- Por favor, me desculpa. Por favor!

Ignorando o que o homem dizia e, apontando a pistola, Maureen disse:

- Eu quero que fique claro. Eu poderia ter atirado em você, desde o começo. Quando você assoviou, eu podia só ter sacado a pistola e atirado, você entende isso?

- Entendo, me desculpa...

- E sabe por que eu não atirei?

- Por favor, me desculpa...

Um feixe de luz iluminou a viela, seguido pelo barulho agudo do disparo. Ao lado da cabeça do sujeito, um círculo vermelho fumegava no chão.

Maureen repetiu a pergunta, pronunciando as palavras mais lentamente:

- Você sabe por que eu não atirei?

- Não... Por favor...

- Pra que você espalhe por aí que as mulheres não são brinquedos. Você pode fazer isso por mim?

- Posso, posso sim...

- Agora me dê o sapato, eu preciso ir embora.

- O sapato?

- É. No seu olho. Meu sapato. Me dê.

O homem não teve reação e Maureen disparou uma segunda vez, ao lado do disparo anterior, onde jazia um círculo de vidro.

Com um grito, o homem puxou o salto de sua órbita ocular e desmaiou.

 Maureen guardou a pistola no coldre atado em sua coxa, limpou o salto na camisa do sujeito e saiu andando depressa. Estava atrasada. Ainda teria lavar os pés, fazer a maquiagem e trocar de roupa. Sua apresentação era às dezenove horas.

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