MELISSA
- AHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH.
Um som gutural escapa da minha garganta. Saber que Rick está com a minha filha dói como uma flecha atravessando o meu peito. Ou não, pior. Dói como se alguém arrancasse uma flecha do meu peito trazendo o meu coração junto. A raiva arde nas minhas veias. O medo desesperador me sufoca e eu fico ofegante. O quarto de repente fica pequeno demais para o tamanho do meu ódio. Me livro das cobertas, o calor subindo pelo meu peito, meu pescoço e chegando em minhas bochechas. Juntaram pessoas na porta do quarto para ver o que estava acontecendo e uma das enfermeiras corre para fechá-la.
- Como? – Eu pergunto com os olhos vidrados da enfermeira ao meu lado.
RICKConfiro o relógio pela milésima vez. Faltam quinze minutos para as 17 horas. Ando de um lado para o outro dentro barco verificando os últimos preparativos para a nossa partida. Rodrigo me garantiu que o tanque está cheio até o limite, o que nos possibilita navegar por até cinco dias. Porém não precisaremos de tudo isso. Em cerca de três dias chegaremos ao Canal da Mancha e lá um helicóptero particular irá nos resgatar. Será uma manobra arriscada, mas, uma vez que aportemos em terra, eu seria facilmente capturado e preso. Essa é a nossa única saída.No bilhete eu avisei a Melissa para não envolver a polícia nisso, afinal não há necessidade, pois eu nunca faria mal algum a ela. Mas eu fui um babaca em rela&cc
OLIVERSe tem uma coisa nessa vida que sempre me surpreende e fascina é o tempo. Se um dia eu pudesse investir muito dinheiro no desenvolvimento de um aparato tecnológico revolucionário, este seria uma máquina do tempo. Assim, se o meu eu de hoje encontrasse com o meu eu de cinco anos atrás, logo após o acidente, eu poderia dizer para ele: “Calma, Oliver, aguenta firme. Esse temporal vai passar e, quando o sol sair, vai ser espetacular.”Mas, ainda que saber sobre o futuro pudesse nos poupar de alguns sofrimentos desnecessários, acredito que a vida não nos dê spoilers por um bom motivo: nos fazer viver intensamente cada momento. O que seria do hoje se soubéssemos o que o amanhã nos
“Eu vi o anjo no mármore e esculpi até que o libertei.”(Michelangelo)OLIVERNunca estive tão perto do céu como agora, como um imenso tapete azul acinzentado diante de mim, me convidando...Faz um frio em Paris nesse fim de madrugada, quase tão intenso quanto o frio daquela noite. Os flashes de memória me doem os ossos mais do que o vento invernal. Balanço os pés e o ar se agita ao meu redor, fazendo um arrepio subir por meus braços. A mureta estreita embaixo de mim parece tremer com o meu movimento e seguro-me com mais cuidado, ainda hesitante em cumprir meu objetivo.Fito o Sena correndo sob mim, a correnteza forte arrastando qualquer coisa que apareça em seu caminho. Qualquer coisa que caísse daqui de cima nessas águas turbulentas certamente seria engolida e sugada para o fundo, trag
RICKNunca pensei que fosse possível sentir a dor física de ter o coração arrancado do peito sem que ele realmente o fosse, mas eu estava enganado. Sinto como se uma garra de metal frio tivesse penetrado em meu peito, se fechado em volta do músculo pulsante e sangrento e puxado para fora, deixando as artérias mortas penderem do buraco negro e vazio que restou.A única coisa que permite meu sangue de continuar correndo por meu corpo, agora levando a mesma proporção de álcool e oxigênio para minhas células ressequidas, é a necessidade de tê-la de volta.Morrer seria menos doloroso, mas uma coisa ainda me faz respirar: a esperança, aquela que costuma ser a última a morrer, ainda está presente. Um fiozinho dela é o que me mantém vivo. Noite e dia, só o que faço é pensar em todas as formas po
MELISSASaio correndo do quarto e desço os dois andares aos pulos, de dois em dois degraus. Ao chegar no térreo estou arfando, me curvo e apoio as mãos nos joelhos buscando desesperadamente inflar meu pulmão de ar. Sinto uma mão em meu ombro, mas apenas levanto um dedo, pedindo que a pessoa espere um segundo enquanto eu tento recuperar o fôlego.Quando enfim consigo me erguer vejo que é um dos rapazes que me ajudou com as malas ontem, Mateo. Meu coração bate descompassado e seguro em seu braço, pedindo por sua ajuda. Eu preciso fazer alguma coisa ou então aquele homem irá se matar. Eu tenho que impedi-lo.- Você está bem? – Ele me pergunta e me guia até o sofá me segurando pelo cotovelo.- Eu sim, mas vai acontecer uma tragédia! Não, não, não, eu não posso me sentar, eu preciso de
MELISSAA entrada para a Beaux-Arts era imponente. Arcos em mármore e abóbadas espelhadas. Dentro era tudo ainda mais exuberante, em qualquer lugar que meus olhos pousassem havia um detalhe único que merecia total atenção. No centro, uma claridade vinda do céu banhava a recepção. O telhado neste ponto era de vitral colorido, dando a sensação de estar dentro de um arco-íris.Andrew fala com a recepcionista enquanto eu consigo apenas admirar tudo ao redor, encantada, em estado de êxtase. “Só pode ser um sonho”. Ele pega minha mão e tenho a sensação de estar flutuando. É quase como se eu tivesse morrido e um anjo estivesse me levando em um tour pelo céu.Os quadros, as esculturas, os afrescos, as colunas em pedras sobrepostas, os móveis em madeira talhada, tudo nesse lugar é fascinante. Para
MELISSABem, parece que finalmente tudo irá voltar ao normal. Pelo menos tão normal quanto pode ser... Sinto como se finalmente pudesse voltar a respirar, como se antes estivesse em uma espécie de coma, respirando com a ajuda de aparelhos. Em nenhum momento anterior da minha vida passei por tamanhas reviravoltas emocionais como nas últimas semanas. Mesmo com toda a obsessão e perseguição do Rick, levávamos uma vida morna, previsível, nada perto dessa loucura. Na verdade, toda a minha vida parece uma grande calmaria, como um mar de águas brandas, inabaláveis. E aí, de repente, estou me afogando em tsunamis.Tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo. Quando eu acho que finalmente estou segura e vou ter uma gestação tranquila, aparece esse louco suicida me fazendo desconfiar do meu tutor e plantando várias dúvidas na minha cabeça.
MELISSAPor um momento o meu mundo foge totalmente do eixo. O chão some sob meus pés. Ele precisa parar de me olhar desse jeito, me lançando essas ondas em fúria, fazendo eu me afogar. Tento lembrar como se respira e me apoio na pia atrás de mim. Ao perceber o meu mal-estar, ele se afasta e me observa a uma distância segura. Ele estuda o meu rosto cautelosamente, mas ansioso. Eu suspiro, tentando encontrar as palavras certas.- Oliver, sério, eu realmente não fiz nada demais. Eu só joguei em cima de você todo o meu drama pessoal, então meio que foi mais um desabafo mesmo, algo que eu precisava colocar para fora. Eu não vejo como isso pode ter sido de grande ajuda para você. Eu fui bem egoísta, na verdade. – Eu tento fazer com que ele tire essa coisa de “anjo da guarda” da cabeça. Eu não consigo entender por que ele e a