MELISSA
A entrada para a Beaux-Arts era imponente. Arcos em mármore e abóbadas espelhadas. Dentro era tudo ainda mais exuberante, em qualquer lugar que meus olhos pousassem havia um detalhe único que merecia total atenção. No centro, uma claridade vinda do céu banhava a recepção. O telhado neste ponto era de vitral colorido, dando a sensação de estar dentro de um arco-íris.
Andrew fala com a recepcionista enquanto eu consigo apenas admirar tudo ao redor, encantada, em estado de êxtase. “Só pode ser um sonho”. Ele pega minha mão e tenho a sensação de estar flutuando. É quase como se eu tivesse morrido e um anjo estivesse me levando em um tour pelo céu.
Os quadros, as esculturas, os afrescos, as colunas em pedras sobrepostas, os móveis em madeira talhada, tudo nesse lugar é fascinante. Paramos em frente a uma porta enorme e me impressiono por tudo aqui ser tão grande e cheio de detalhes. Andrew bate uma vez e gira a maçaneta. Ele praticamente me carrega para dentro da sala do diretor e me põe sentada na cadeira em frente a sua mesa. A sala é muito branca, com a decoração em azul e dourado. Tudo aqui dentro me lembra a Grécia antiga. Também, como eu poderia esperar que a sala do diretor da faculdade de artes mais renomada do mundo se parecesse com um escritório comum?
- Melissa? – Ouço Andrew me chamar próximo ao meu ouvido e agitar as mãos à minha frente.
- Sim, me desculpe. Eu só estou... estou...
- Anestesiada por tamanha beleza? – O diretor completa, percebendo minha falta de palavras.
- Exatamente.
- Melissa, esse é o diretor Davis Laurent. Ele lhe escolheu pessoalmente para preencher essa vaga.
- Isso mesmo. E suas notas altas não foram o que mais chamou minha atenção, mas sim suas telas impecáveis. Querida, você tem um talento nato e eu sei muito bem reconhecer um artista promissor quando vejo um. Sei que irá desenvolver muito estudando aqui conosco e gostaria de observar de perto seu desempenho.
Seus elogios me pegam desprevenida e o nervosismo toma conta de mim. Começo a remexer as mãos no colo e bater com o saltinho no chão repetidas vezes. Se pudesse me ver no espelho agora, com certeza iria encarar um tomate rechonchudo prestes a explodir. Como irei corresponder à tamanha expectativa? Não, eu não sou capaz. Eu serei expulsa na primeira aula. Na primeira tela...
- Er... Obrigada.
- Não, não fique apreensiva, querida. Sem pressão. – Ele me tranquiliza, como se lesse meus pensamentos. – Como disse, eu acredito no seu talento nato, nada que vi me pareceu fruto de algum esforço. Suas obras têm leveza e profundidade. São belíssimas, sem nenhum exagero. Você é naturalmente talentosa e seu futuro como artista é brilhante, eu tenho certeza. E eu não costumo me enganar a respeito dos meus alunos.
- Muito obrigada, Sr. Laurent. Eu prometo que farei de tudo para não decepcioná-lo.
- Não irá, querida, e pode me chamar de Davis. – Ele abre um sorriso tão acolhedor que uma onda de tranquilidade corre por todo o meu corpo. – Andrew, por favor, leve a senhorita Melissa para conhecer as dependências da Escola.
- Claro, diretor. Vamos, Melissa?
O diretor se levanta junto comigo e me estende a mão. Eu a pego e ele segura a minha com firmeza. A apresentação foi rápida, mas ele é o tipo de pessoa que lhe passa uma sensação boa. De alguém confiável. Se com Andrew assumi uma posição alerta, com o diretor Davis me sinto totalmente relaxada.
Quando olho para Andrew, sua expressão é indecifrável. Assim que o diretor solta minha mão, ele segura meu braço e me conduz até a porta. Ao sair da sala, deixo escapar um suspiro pesado de alívio e ele me olha interrogativamente.
- Eu estava preocupada de não o agradar.
- Isso seria impossível. Você é totalmente agradável, Melissa.
Ele me dá o braço, e eu, sem opções, o seguro. Ele vai me levando por corredores infinitos e salas gigantes. Algumas parecem salas de aula comuns, claro que extremamente bem decoradas, mas apenas com a finalidade de aulas teóricas. Outras são espaços amplos com cavaletes dispostos em vários pontos, com o centro livre. Posso apostar que nestas os armários estão cheios de tintas, telas e pincéis.
A cada passo, uma beleza requintada a ser explorada. Algumas vezes meus olhos se enchem de lágrimas, não sei se por pura sensibilidade de grávida, ou se a emoção é realmente tão difícil de conter para qualquer um diante de tanta perfeição.
Depois de fazer um tour por todo o lugar, Andrew me faz uma proposta quase irrecusável. Ele me convida para conhecer o Louvre. Me vejo envolta novamente daquela névoa de êxtase, porém algo me puxa de volta para a realidade. Eu devo voltar para casa. Os policiais já devem estar procurando pistas que os levem a encontrar Oliver e eu quero ajudar. Se não puder ser com informação, que seja apenas dando o meu apoio à Sophie. Nem tivemos a oportunidade de nos conhecer direito, mas sou preenchida com o forte desejo de mostrar minha compaixão.
Peço então para que Andrew me leve de volta, e ele leva nitidamente a contragosto. Digo que estou me sentindo um pouco indisposta e que seria melhor descansar um pouco, já que desde que embarquei no avião para Paris até o prezado momento não consegui dormir de verdade. Mas, na verdade, até parece que eu serei capaz de pregar os olhos até que Oliver seja encontrado. Ou até que o pior seja revelado. Pelo menos essa incerteza precisa acabar.
Ao entrarmos, todos os olhos se voltam para nós. A sala está cheia, policiais, moradores, amigos de moradores, vizinhos, todos à espera de notícias de Oliver. Instantaneamente me sinto mal, pois nada mudou. Tinha uma pequena esperança de encontrá-lo aqui.
Sophie corre até mim e desaba a chorar. Fico preocupada, será que ela já soube de algo?
- O que houve, Sophie? Alguma notícia?
- Melissa, ele foi encontrado na Pont des Arts. Ele estava andando sobre a mureta. Andando de um lado para o outro. Apareceu até no noticiário, veja só.
A TV está ligada no canal de notícias e no canto da tela está em destaque: “Possível suicídio de jornalista. Oliver Delacroix, pulou ou não pulou? Acompanhe ao vivo”. Sinto um arrepio gelado na espinha e, de repente, parece que vou desmaiar. Sinto toda a cor esvair-se do meu rosto e meus joelhos amolecerem. Sento no sofá e Sophie se ajoelha na minha frente. Ela coloca a cabeça no meu colo e eu instintivamente afago seus cabelos.
Eu sei o porquê de sua aproximação tão sincera. Eu fui a última pessoa a estar com seu irmão e ela ainda espera que eu saiba de alguma coisa. Como se o simples fato de eu ter chegado nessa casa hoje e pegado Oliver de surpresa, antes que ele pudesse apenas deixar seu bilhete de despedida e ir embora sorrateiramente sem despertar ninguém, fizesse alguma diferença, ou fosse trazê-lo de volta.
- Sophie, por que ele sumiu das câmeras?
- Não se sabe. Por uma distração o perderam de vista e ninguém sabe se ele pulou ou não. – Ela responde em uma voz esganiçada, de quem já não tem forças para repetir essas palavras. – Os helicópteros estão fazendo uma busca, mas nem sinal dele.
- Sinto muito, Sophie. Vamos rezar para que tudo isso acabe logo. – E ela soluça ainda mais.
Andrew percebeu minha palidez e voltou da cozinha com um copo de água com açúcar para mim. Ele se senta ao meu lado e envolve os meus ombros. Ele encosta os lábios no meu ouvido e fala bem baixinho.
- Você não precisa passar por isso. Suba e descanse. Lembre-se: nada disso deve lhe afetar.
Eu apenas olho para Andrew, não acreditando em sua persistente insensibilidade diante dessa situação caótica.
De repente percebo a porta se abrindo no canto da sala, bem devagar, sem barulho algum. Apenas eu observo a porta se movimentando, enquanto todos estão com a atenção voltada para a TV, e quando ela finalmente se abre mal posso acreditar no que estou vendo. Seus olhos me atingem com uma intensidade insuportável e as lágrimas rompem pelos meus. “Graças a Deus, ele está vivo! Eu sabia”.
- Você está vivo!
Sophie imediatamente levanta a cabeça e olha para mim, depois segue na direção em que estou olhando. Em um segundo ela se põe de pé e corre para abraçar o irmão. Ele a abraça de volta, mas seus olhos não deixam os meus. Ao redor, todos suspiram aliviados e se movem para perto dele, mas eu mantenho minha respiração presa, hipnotizada.
- Oh meu Deus, Oliver, você está mesmo aqui! E vivo! Você ficou louco? Eu achei que tinha te perdido. Meu Deus, eu achei que tinha te perdido para sempre. – Sophie soluçava enquanto falava, os braços firmes ao redor do pescoço do irmão.
- Me desculpe, irmãzinha. Eu enlouqueci, é bem verdade. Eu tentei tanto segurar as pontas e esconder a dor de você, mas ficou tão insuportável que eu perdi a cabeça. Mas, felizmente, eu encontrei algo no meu caminho que fez tudo voltar a fazer algum sentido. Eu vi um anjo.
MELISSABem, parece que finalmente tudo irá voltar ao normal. Pelo menos tão normal quanto pode ser... Sinto como se finalmente pudesse voltar a respirar, como se antes estivesse em uma espécie de coma, respirando com a ajuda de aparelhos. Em nenhum momento anterior da minha vida passei por tamanhas reviravoltas emocionais como nas últimas semanas. Mesmo com toda a obsessão e perseguição do Rick, levávamos uma vida morna, previsível, nada perto dessa loucura. Na verdade, toda a minha vida parece uma grande calmaria, como um mar de águas brandas, inabaláveis. E aí, de repente, estou me afogando em tsunamis.Tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo. Quando eu acho que finalmente estou segura e vou ter uma gestação tranquila, aparece esse louco suicida me fazendo desconfiar do meu tutor e plantando várias dúvidas na minha cabeça.
MELISSAPor um momento o meu mundo foge totalmente do eixo. O chão some sob meus pés. Ele precisa parar de me olhar desse jeito, me lançando essas ondas em fúria, fazendo eu me afogar. Tento lembrar como se respira e me apoio na pia atrás de mim. Ao perceber o meu mal-estar, ele se afasta e me observa a uma distância segura. Ele estuda o meu rosto cautelosamente, mas ansioso. Eu suspiro, tentando encontrar as palavras certas.- Oliver, sério, eu realmente não fiz nada demais. Eu só joguei em cima de você todo o meu drama pessoal, então meio que foi mais um desabafo mesmo, algo que eu precisava colocar para fora. Eu não vejo como isso pode ter sido de grande ajuda para você. Eu fui bem egoísta, na verdade. – Eu tento fazer com que ele tire essa coisa de “anjo da guarda” da cabeça. Eu não consigo entender por que ele e a
MELISSADesperto com um canto baixo e melodioso, um som divinamente puro, e sinto-me adentrando os portões do céu. Sento na cama e espreguiço-me calmamente, deixando cada músculo do meu corpo acordar no seu tempo.Olho para a janela aberta e me deparo com a origem daquele som. Passarinhos se alimentam de algumas migalhas de pão no peitoril e são banhados pelos tímidos raios de sol. Por um momento algo parece fora do lugar e, como se apenas agora percebesse o que há de estranho naquele cenário, esfrego os olhos não acreditando em minha própria visão.Oliver está sentado exatamente no mesmo lugar onde me encontrou pela primeira vez, ontem de manhã, no banco junto à janela. Ele estende as mãos repletas de migalhas e vejo que sorri. Vê-lo assim descontraído também me faz sorrir, mas logo sou surpreendida por su
RICKDuas noites nesse lugar e eu já quero me matar por ter cantado aquela enfermeira filha da puta. Ela parecia tão inofensiva, com problemas demais na cabeça para se lembrar de mim. Como eu me odeio por ter deixado esse pequeno fio desencapado. Explodiu a porra toda!Eu finalmente tinha alguma esperança de encontrá-la. Eu chegaria lá em Paris e compraria um belo buquê de rosas, sairia à procura de Melissa por toda aquela maldita cidade se fosse preciso, cada beco, cada viela, mas eu a acharia. E aí eu a surpreenderia. Eu sei que ela está sentindo a minha falta tanto quanto eu sinto a dela. Ela jogaria seus braços em volta do meu pescoço e eu sentiria o perfume dos seus cabelos. Meu Deus, como eu preciso desse perfume e do seu corpo sob o meu toque.
DOIS MESES DEPOISMELISSACada vez que caminho por esses corredores enormes e amplos tenho uma surpresa deliciosa. Acho que nem estudando aqui por dez anos eu seria capaz de ver todos os detalhes desse lugar. Paro em frente a uma parede acinzentada com texturas e pinturas rupestres do chão até o teto, fazendo uma curva acima da minha cabeça. Coloco as mãos na parede e sinto as suas ranhuras e imperfeições, como se realmente fossem pedra gasta pelo tempo. Os desenhos são como aqueles que vemos nos nossos livros de história nos primeiros anos de colégio, geralmente acompanhando uma explicação sobre o surgimento dos primeiros seres humanos na Terra.É fascinante como tal obra foi reproduzida com tamanha perfeição. A sensaç&a
MELISSASem coragem de me soltar dos braços de Oliver, continuo com meu rosto escondido no seu peito. Todos à minha volta demandam uma explicação, mas nesse momento não consigo processar nada além da informação de que agora o Rick está livre para vir atrás de mim. Minha paz durou mais do que eu esperava, é bem verdade, mas no meu íntimo eu ansiava que ele não fosse solto nunca mais. Oliver se curva levemente e fala no meu ouvido.- Shhhhh, fica calma. Vai ficar tudo bem. Eu não vou deixar nada acontecer com você, eu prometo. – Ele passa as mãos nas minhas costas tentando me tranquilizar.- Não é simples assim. Ele vai passar por cima de qualquer um para chegar até mim. Ele faria
MELISSAO telefone de Lívia chama sem parar até cair na caixa postal. Após quinze tentativas, paro para refletir sobre o que fazer. Ligar para a minha mãe não é uma opção, já que ela sofreria um infarto se soubesse que a pessoa responsável por cuidar de mim nesse país é um pervertido nojento e que, por esse motivo, eu não quero que Lívia encontre com ele sozinha. Penso em ligar para Anthony, mas ele também iria surtar.Respiro fundo e decido esperar uma hora e ligar de novo. Aqui são oito da noite, então no Brasil ainda são três da tarde. Certamente ela está em algum almoço na casa dos pais de Anthony, ele tem uma família enorme e todos costumam se reunir aos domingos. Eu sento na cama, aflita. Sophie saiu com
RICKÀs vezes, fico chocado com a minha própria capacidade de transformar totais idiotas em pessoas competentes. Eu deveria investir nessa área profissionalmente. Amanda finalmente entendeu como deve trabalhar para mim e está começando a me trazer bons resultados. Hoje tive uma pequena conquista. Enfim vou saber onde Mel está escondida. Minhas mãos estão tremendo até agora e eu precisei virar uns dois copos de vodka para clarear as ideias antes do café da manhã.Jonas, o detetive que mandei Amanda contratar, é um verdadeiro 007, também pelo que me custou, era bom que fosse mesmo. De alguma maneira ele conseguiu acesso à documentação de Melissa no consulado, mesmo sendo informações confidenciais. No dossiê não tinha um ender