OLIVER
Quando dou por mim está tudo negro a minha volta, uma escuridão sufocante e aquele cheiro... Aquele cheiro de gasolina e fumaça de escapamento. Pisco algumas vezes e o cenário fica mais claro para mim. Eu novamente de pé sobre a Pont du Carrousel. Tudo ao meu redor é caótico. A polícia chegou e a sirene dos bombeiros soa estridente em meus ouvidos. Uma fita amarela isola o local dos curiosos. No começo a minha visão estava bastante turva, embaçada, mas agora ela está se adaptando e consigo enxergar por entre a fumaça branca que sai do carro capotado. O meu carro.
Chego mais perto do meu Mercedes e ao lado da porta traseira vejo minha mãe deitada no chão com os braços abertos e as pernas dobradas, caídas de lado. Me agacho ao seu lado e
RICKNunca pensei que seria tão fácil fugir daquela perseguição policial. Quando as patrulhas de reforços chegaram, eu já estava longe. Bastaram algumas voltas pela cidade cheia de becos que é Paris e logo pude assumir a direção do taxi, empurrando o motorista para fora do carro em uma curva escura. Ganhei velocidade, costurando entre os carros e ultrapassando vários sinais. Logo aqueles policiais lerdos me perderam de vista e eu larguei o carro, estacionando-o em uma rua principal movimentada.Andei a passos largos por alguns metros, olhando algumas vezes para trás, me certificando de que não estava sendo seguido. Entrei em uma transversal e segui pela calçada, andando agora mais calmamente. Poucos passos à frente vejo uma barbearia. Um senhor baixinh
MELISSAAchei que após o nascimento de Charlotte, esse medo enorme e constante fosse passar ou pelo menos diminuir. A gravidez de risco, minha saúde frágil, meses repletos de preocupações em relação ao meu futuro e de minha filha. Além de todas as internações e o perigo de a perder. Toda aquela apreensão se dissipou ao ter minha pequena em meus braços, mas ainda que sendo mãe por tão poucas horas, já me vejo envolta por tantas novas preocupações. Rick ainda está lá fora, solto e esperando eu dar um passo em falso. Será que algum dia eu vou sentir que eu e minha menina estamos verdadeiramente seguras?Ela é tão pequena e indefesa. Assusta-me pensar que todas as decisões que eu tomar daqui para fre
MELISSA- AHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH.Um som gutural escapa da minha garganta. Saber que Rick está com a minha filha dói como uma flecha atravessando o meu peito. Ou não, pior. Dói como se alguém arrancasse uma flecha do meu peito trazendo o meu coração junto. A raiva arde nas minhas veias. O medo desesperador me sufoca e eu fico ofegante. O quarto de repente fica pequeno demais para o tamanho do meu ódio. Me livro das cobertas, o calor subindo pelo meu peito, meu pescoço e chegando em minhas bochechas. Juntaram pessoas na porta do quarto para ver o que estava acontecendo e uma das enfermeiras corre para fechá-la.- Como? – Eu pergunto com os olhos vidrados da enfermeira ao meu lado. RICKConfiro o relógio pela milésima vez. Faltam quinze minutos para as 17 horas. Ando de um lado para o outro dentro barco verificando os últimos preparativos para a nossa partida. Rodrigo me garantiu que o tanque está cheio até o limite, o que nos possibilita navegar por até cinco dias. Porém não precisaremos de tudo isso. Em cerca de três dias chegaremos ao Canal da Mancha e lá um helicóptero particular irá nos resgatar. Será uma manobra arriscada, mas, uma vez que aportemos em terra, eu seria facilmente capturado e preso. Essa é a nossa única saída.No bilhete eu avisei a Melissa para não envolver a polícia nisso, afinal não há necessidade, pois eu nunca faria mal algum a ela. Mas eu fui um babaca em rela&ccCapítulo 23
OLIVERSe tem uma coisa nessa vida que sempre me surpreende e fascina é o tempo. Se um dia eu pudesse investir muito dinheiro no desenvolvimento de um aparato tecnológico revolucionário, este seria uma máquina do tempo. Assim, se o meu eu de hoje encontrasse com o meu eu de cinco anos atrás, logo após o acidente, eu poderia dizer para ele: “Calma, Oliver, aguenta firme. Esse temporal vai passar e, quando o sol sair, vai ser espetacular.”Mas, ainda que saber sobre o futuro pudesse nos poupar de alguns sofrimentos desnecessários, acredito que a vida não nos dê spoilers por um bom motivo: nos fazer viver intensamente cada momento. O que seria do hoje se soubéssemos o que o amanhã nos
“Eu vi o anjo no mármore e esculpi até que o libertei.”(Michelangelo)OLIVERNunca estive tão perto do céu como agora, como um imenso tapete azul acinzentado diante de mim, me convidando...Faz um frio em Paris nesse fim de madrugada, quase tão intenso quanto o frio daquela noite. Os flashes de memória me doem os ossos mais do que o vento invernal. Balanço os pés e o ar se agita ao meu redor, fazendo um arrepio subir por meus braços. A mureta estreita embaixo de mim parece tremer com o meu movimento e seguro-me com mais cuidado, ainda hesitante em cumprir meu objetivo.Fito o Sena correndo sob mim, a correnteza forte arrastando qualquer coisa que apareça em seu caminho. Qualquer coisa que caísse daqui de cima nessas águas turbulentas certamente seria engolida e sugada para o fundo, trag
RICKNunca pensei que fosse possível sentir a dor física de ter o coração arrancado do peito sem que ele realmente o fosse, mas eu estava enganado. Sinto como se uma garra de metal frio tivesse penetrado em meu peito, se fechado em volta do músculo pulsante e sangrento e puxado para fora, deixando as artérias mortas penderem do buraco negro e vazio que restou.A única coisa que permite meu sangue de continuar correndo por meu corpo, agora levando a mesma proporção de álcool e oxigênio para minhas células ressequidas, é a necessidade de tê-la de volta.Morrer seria menos doloroso, mas uma coisa ainda me faz respirar: a esperança, aquela que costuma ser a última a morrer, ainda está presente. Um fiozinho dela é o que me mantém vivo. Noite e dia, só o que faço é pensar em todas as formas po
MELISSASaio correndo do quarto e desço os dois andares aos pulos, de dois em dois degraus. Ao chegar no térreo estou arfando, me curvo e apoio as mãos nos joelhos buscando desesperadamente inflar meu pulmão de ar. Sinto uma mão em meu ombro, mas apenas levanto um dedo, pedindo que a pessoa espere um segundo enquanto eu tento recuperar o fôlego.Quando enfim consigo me erguer vejo que é um dos rapazes que me ajudou com as malas ontem, Mateo. Meu coração bate descompassado e seguro em seu braço, pedindo por sua ajuda. Eu preciso fazer alguma coisa ou então aquele homem irá se matar. Eu tenho que impedi-lo.- Você está bem? – Ele me pergunta e me guia até o sofá me segurando pelo cotovelo.- Eu sim, mas vai acontecer uma tragédia! Não, não, não, eu não posso me sentar, eu preciso de