Mais uma vez a vida é uma cadela comigo, nunca vou me achar digna de ser feliz, pois ela me arranca tudo de bom que aparece em minha vida e mais uma vez me arrasta pela lama, aquela mesma lama fedida daquele barraco, não sei quantas rasteiras vou ter que levar para desistir de vez. Incontáveis, esses são os números de rasteiras que essa puta barata me deu. Quantas vezes tenho que me lembrar de suas últimas palavras para não voltar para a escuridão, me agarro a elas sempre que fraquejo, sempre que minhas pernas travam e meus pés tentam parar, quando eu só quero ficar em minha cama e nunca mais sair, eu me lembro.
“Você é forte, Sil, nunca vi nada e nem ninguém mais forte que você, estarei lá por você aonde quer que esteja, levante-se e olhe sempre para a frente.“
— Serei forte e Sil, aguentarei o máximo que puder, por vocês, meus filhos e pelo John, mas principalmente por você que me mostrou o quão forte podemos ser, não perca o brilho sorria, por mim, não se perca em sua dor, por seu pai, seu irmão que ainda é tão novo e precisa de ti.
Ela lutou por três anos, três anos de incontáveis idas ao hospital do câncer, incontáveis quimioterapias, tentativas frustradas de transplantes de medula, três anos vendo-a definhar, perder os lindos cabelos, o peso e o seu brilho, três malditos anos lutando contra algo que no fim a venceu, derrubou e por fim a tirou de mim.
“Não perca o foco Sil, continue cuidando do seu irmão, você pode fazer isso por mim? Cuide também do seu pai, ele é maravilhoso! Não se esqueça de sorrir por mim...”
— Não me sinto forte agora mãe... Não sou forte, nunca fui, covardia não pode ser confundida com força — falo ao acordar de um sonho com ela.
Como sorrir? Para uma vida que tudo que eu recebo de bom trata de logo me arrancar? Ninguém verá meu sorriso, ninguém verá alegria em mim, além do Daniel que perdeu sua mãe e também sofre por sua falta, meu pai... Esse só sabe trabalhar, também perdeu o brilho, a vontade de viver, naquele dia não perdi apenas uma mãe, perdi uma amiga, mas percebo que estou perdendo também um pai. Já se faz um ano que ela se foi e a cada canto dessa casa tem lembranças suas, de momentos felizes ou momentos em que ela buscou trazer um sorriso nem que fosse mínimo aos meus lábios.
É tarde de sexta-feira eu e Dan acabamos de chegar da escola, estou no meu último ano escolar e ele em seu quinto ano, é raro seus sorrisos, acho que minha tristeza só aumenta pela tristeza dele, subimos e guardamos nossos materiais escolares, ele não sobe as escadas correndo como antes, seus ombros encurvado mostram que ele não está feliz com o horário do almoço, esse é o horário mais doloroso para todos nós, pois é o horário que ela vinha almoçar em casa, às vezes escuto o som da porta se fechando e as chaves sendo colocadas no aparador, chego a levantar para ir ver, mas a realidade bate e desisto, desço para almoçar e Nice não diz absolutamente nada ao ver minha expressão fechada, ela já se acostumou, eu sempre fui calada, mas estou muito mais taciturna que antes, não ofereço ajuda, sempre que chego e vejo que a pia tem alguma louça suja eu lavo, e ela não diz nada, acho que tem medo da minha reação.
Passa alguns minutos e ouço coisas se quebrando no quarto do Dan, corro escada acima com o coração acelerado e o que vejo transforma minha alma quebrada em caquinhos pela milionésima vez, o Dan joga seus brinquedos preferidos, seu notebook no chão, e empurra sua estante de brinquedos e livros a derruba, entro no quarto desvio dos objetos, os porta-retratos de vidro quebrados e o abraço, ele esperneia e tenta me ferir, mas sou mais forte e o seguro, então ele chora e se agarra a mim.
— Shiiii... Shiiii...— o abraço forte e choro junto a ele que se acalma aos poucos, cansado.
— Estou esquecendo ela Sil... Estou esquecendo seu rosto...— ele volta a chorar.
— Até o papai está morrendo Sil... Não quero perder o papai também...— Meu coração partido se quebra pela milionésima vez e se junta para consolar o meu irmãozinho do coração.
Estamos sentados no chão do seu quarto, junto todas as minhas forças e me levanto com ele que dorme cansado de chorar, não suporto vê-lo assim, ele que por tantas vezes tentou tirar um sorriso meu, agora precisa que eu o faça sorrir, não me sinto pronta ainda, mas preciso ficar, preciso mudar, por ele, por mim, e também pelo meu pai.
Preciso me reconstruir, para erguê-los, preciso jogar minhas dores para o canto mais escuro da minha alma para tentar amenizar as dores deles, vou sorrir mesmo que minha alma chore e sangre. Acabo dormindo em sua cama abraçada a ele e acordo com um carinho em meu rosto, abro os olhos e vejo as lágrimas nos olhos amorosos do meu pai, não vejo maldade neles, só a dor e a tristeza de ter perdido seu grande amor.
Dan ainda dorme agarrado a mim, John faz sinal para que eu o siga e sai do quarto, eu o acompanho, ele entra no escritório, eu entro logo em seguida, confio nele sei que seu coração é bom, fecho a porta e o encontro sentado atrás de sua mesa, ele parece tão cansado, mais velho e com olheiras, entendo sobre morte em vida já estive lá, mesmo aos dezenove anos sei como é se sentir assim.
Olho para a janela incapaz de me ver refletida em seu olhar que se tornaram poços profundos de dor.
— Sei que não tenho sido um bom pai... Tenho estado ausente...
Dou um sorriso amargo, não o culpo.
— Eu gostaria de estar ausente...
Ele concorda com a cabeça.
— Nice me ligou... Vim correndo, mas cheguei tarde... — ele suspira.
— O senhor não chegou tarde, ainda dá tempo, e é bom que seja rápido, ele sente a falta dela, sentimos a falta dela, mas precisamos nos reerguer, senão por ela, que seja por ele.
Ele disfarça uma lágrima, tentando parecer forte.
— Está difícil... Sil. — Ele olha pela janela.
— Parece que ela vai chegar a qualquer momento nos abraçar e dizer que somos as pessoas mais importantes do mundo. — Pela primeira vez meu sorriso sai verdadeiro.
— E éramos... — Pelo menos eu fui amada por uma mãe verdadeira.
— Às vezes esqueço e faço o percurso que fazia para buscá-la na clínica e a dor é tão grande quando eu não a encontro me esperando que me falta ar.
— Eu sei um pouco como é essa dor, e eu nunca vou me esquecer do dia em que ela me contou como me encontrou, por que foi nesse dia que eu descobri o que era ser amada.
Me perco nas lembranças.
" Estávamos acampando na mata do outro lado da comunidade quando vimos duas mulheres descerem de um antigo carro meio enferrujado e um homem mal encarado, graças a Deus ele não nos viu, eles abriram um cava rasa e jogaram o corpo de uma criança, seu corpo, dentro e jogaram algumas pás de terra."
" Eu sei, ela pensou que havia me matado."
Foi minha resposta.
" Então quando eles foram embora não pensamos duas vezes em verificar o que havia acontecido com aquela criança, e quando a vimos nos apaixonamos por você, era uma menina magrinha, com marcas de espancamento por todo corpo, me perdoe querida mas foi você quem pediu."
" Eu sei, ela sabia ser cruel, não apenas com o fio..."— Meu corpo inteiro tremeu em repulsa.
" A senhora me salvou duas vezes, ela ia me vender, como a mãe da Bruna a vendeu para um americano endinheirado, ele sempre comprava meninas de algumas mães usuárias desesperadas por dinheiro."
Ela fez uma careta indignada.
— Vamos nos mudar daqui… — Sou arrancada dos meus devaneios com a declaração. — Comprei uma casa um pouco mais afastada da cidade, vamos nos refazer, o Dan precisa de nós.
Isso encheu-me de esperança, escuto a porta ser aberta e Dan entra com os olhos vermelhos de lágrimas.
— Pensei que você tinha ido embora também Sil...— me diz triste e eu o abraço.
— Eu nunca vou embora Dan. — prometo sabendo que promessas nem sempre são cumpridas.
— Filho... — nosso pai exclama e nos abraça, eu sinto nesse abraço o abraço dela e isso me conforta.
**********
Uma semana depois estamos entrando em uma casa grande numa rua arborizada, com casinha na árvore, balanço e até uma piscina.
Nessas duas semanas o Dan pareceu mais feliz, voltou a acordar cedo e me olhar dormindo.
Nosso pai está mais leve e parece que está saindo com alguém, tenho quase certeza que é do trabalho.
Chego em casa da faculdade, e passo direto para o escritório do meu pai, um espaço amplo onde ele põe em dia seus estudos, preciso conversar com ele, tenho que arrumar um emprego e também quero procurar um lugar para morar, afinal sou uma mulher de vinte e dois anos, não posso ficar a vida inteira em sua aba, e também sinto que estou atrapalhando seu namoro com a Andréa, ela sempre que me vê torce o nariz como se sentisse um mau cheiro, sei que ele está lá esse horário, mas antes de bater à porta escuto uma conversa alterada entre ele e a Andréa.— Você não pode continuar sustentando essa mulher John, isso não tem cabimento!Escuto a voz zangada do senhor John e me encolho diante dos gritos da sua resposta que não escuto bem.— Enquanto ela era menor, tudo bem... se ela fosse realmente sua filha eu até poderia aceitar, mas ela é uma mulher e está mais que comprovado que ela não é sua filha! — ela diz indignada.— ELA É MINHA FILHA SIM! — ele grita. — E ENQUAN
Ian MassarovNão importa quantas pessoas eu salve, não importa quantas já salvei, isso não vai me tirar a culpa, o peso que eu carrego, mesmo que eu extermine da face da terra todos os carniceiros que entram na vida das pessoas para destruí-las, nada disso me faz sentir mais digno. Não fui capaz de salvá-la, ela era só uma criança, sem proteção, à mercê do poderio de um homem adulto, se é que aquilo pode ser chamado de homem, quando me lembro da cena meu estômago se revolta e a bile sobe."Melhor sair daí''. Meu subconsciente aconselha, estou pilotando minha envenenada, uma PGM V8, ganho velocidade e meu coração acelera com a alta carga de adrenalina, não tenho lar, vivo no mundo, mas minha última parada é sempre o Brasil.Entro na casa, um clube que eu frequento em Los Angeles, tenho uma casa em Long Beach, a ver
Pés descalços, saltam uma, duas poças de lama, como se brincasse de amarelinha, mas em minha vida não há espaço para brincadeiras, meu corpo inteiro dói, já me acostumei a dor, feridas nos joelhos já não são mais uma novidade, procuro por algo que não sei o que é, num instante o cenário muda, ainda estou procurando algo, olho embaixo da pequena cama que um dia teve espaço para comportar meu corpo inteiro, hoje sou maior que ela, tenho que me encolher ao máximo para dormir nela, ouço a porta da frente se abrir num baque, seguida por um grito.— Sílvia, cadê você sua ratinha! Espero que tenha ido atrás do meu dinheiro, se eu não tiver um pouco de sossego você também não terá...Sua voz enrolada me diz que ela bebeu e fumou, sempre que ela fuma aquela coisa fedida ela me castiga até se cansar, ela me castiga até cansar mesmo nas poucas horas que está sóbria. Saio devagar do meu esconderijo, me arrependo assim que sinto duas mãos pegarem meu pescoço...— Acorda sua rat
Hoje estou mais ansiosa que os outros dias, é o dia da audiência do processo contra a doutora Andréa, por isso tive uma noite de cão. Cubro minhas olheiras com maquiagem, calço meu salto alto, já vestida, aviso meu pai que já chegou que estou descendo.— Bom dia filha, ansiosa para o que está por vir?! — Ele nem imagina que eu não dormi a noite inteira.— Bom dia pai, sim estou muito ansiosa, desde ontem para ser sincera.Ele me conforta— Vai dar tudo certo, você vai ver, estou do seu lado, a justiça está do seu lado, não há o que temer. Ela será julgada não só pela discriminação racial, mas também por desacato à autoridade, enfim a Rute também está cuidando disso. — ele fica vermelho ao falar da Tenente Rute, isso traz um sorriso aos meus lábios.&
Estou sentada no banquinho do bar observando a louca da Andressa, suada dançando com um cara alto e forte, ela rebola e se esfrega no rapaz que não fica para trás e aproveita para passar a mão em seu corpo, desvio minha atenção para outro casal que se agarra num canto do salão, permaneço no lugar, mas sou logo arrastada pela Andressa que tenta me ensinar os passos de uma dança, eu fico dura e não me solto.— Espera aqui que eu vou buscar uma pílula de coragem pra você, você vai se soltar rapidinho... — Ela grita no meu ouvido e sai empurrando as pessoas, minutos depois ela volta e antes que eu negue ela me olha com uma careta, tomo coragem e engulo a bebida que desce rasgando.Parece que ficou mais fácil dançar minutos depois de tomar aquela bebida, estou sorrindo à toa, e já aprendi alguns passos com a Andressa, não sei como ela
Abro os olhos, sinto que estou em uma cama muito confortável, estou em minha cama, abraço os travesseiros, mas percebo que não estou em casa assim que abro meus olhos, assustada me sento rapidamente, uma leve vertigem me faz fechar os olhos.— A bela acordou, espero que goste dos seus novos aposentos... — Me assusto com a voz masculina marcante. Olho para o dono da voz, calada estava, muda fiquei.Um homem ruivo, com uma regata masculina estilo exército, na cor preta, calça jeans azul, tatuagens em um dos braços, não tive coragem de olhar em seus olhos, ele é grande... O que eu estou fazendo? Saio da cama como se ela estivesse pegando fogo, corro em direção à porta, mas não chego nem perto, bato de frente a uma parede de músculos, levanto meu rosto e sinto o ar faltar, seus olhos são inacreditáveis de tão verdes, em conjunto com seus cabelos vermelhos poucas e pequenas sardas dão a ele um ar místico, nem parece real, seu olhar é diferente, é quente, mas também vejo um tr
Assim como fora ordenado, três dias após a conversa com meu superior, parti para o Brasil com minha equipe, aqui não é como os filmes de ação que um agente se faz de todo poderoso e sai a procura do inimigo, aqui quem trabalha sozinho elimina a si mesmo.Antes mesmo de vir para o Brasil eu contatei uma agente da polícia brasileira, que estava seguindo a pista do Harrisson e descobrimos que ele estava de olho nas universitárias, eles escolhem jovens aparentemente muito sozinhas, sem família para reclamar um desaparecimento.Hoje é o aniversário dos gêmeos, estou em frente ao espelho, penteio meus cabelos com as mãos, coloco um relógio, abro dois botões da camisa, passo meu perfume, para uma festa infantil estou muito bem.Alguns minutos aqui e já sinto o açúcar correr em minhas veias, é tanta doçura, as crianças são lindas, o amor deles é lindo, meu telefone toca.— Boate Night Life's.— É uma boate que a maioria do público são jovens un
Estamos envolvidos, no seu olhar vejo muita coisa, compreendo o que ele diz, mas não consigo decifrar o que sente.— Pensei que tivesse se afogado...— sussurra. — Nunca mais faça isso, nunca mais me assuste desse jeito... — ele conclui num fôlego, mas eu não o respondo, apenas deslizo na água sentindo seu corpo quente e forte, em algumas braçadas estou fora da piscina, com o coração retumbando nos ouvidos, corro para o quarto, tranco a porta me escorando nela, foram apenas alguns metros, mas parece que corri uma maratona inteira. Não deveria ter ido àquela piscina, não estou em casa, e é evidente que a empregada mentiu sobre o patrão ter viajado, ou ele foi aqui perto e voltou.Preciso ir embora daqui… Não sou tão inocente, sei o que estou sentindo por ele, sei também como isso termina e não quero isso pra mim. Deito na ca