Chego em casa da faculdade, e passo direto para o escritório do meu pai, um espaço amplo onde ele põe em dia seus estudos, preciso conversar com ele, tenho que arrumar um emprego e também quero procurar um lugar para morar, afinal sou uma mulher de vinte e dois anos, não posso ficar a vida inteira em sua aba, e também sinto que estou atrapalhando seu namoro com a Andréa, ela sempre que me vê torce o nariz como se sentisse um mau cheiro, sei que ele está lá esse horário, mas antes de bater à porta escuto uma conversa alterada entre ele e a Andréa.
— Você não pode continuar sustentando essa mulher John, isso não tem cabimento!
Escuto a voz zangada do senhor John e me encolho diante dos gritos da sua resposta que não escuto bem.
— Enquanto ela era menor, tudo bem... se ela fosse realmente sua filha eu até poderia aceitar, mas ela é uma mulher e está mais que comprovado que ela não é sua filha! — ela diz indignada.
— ELA É MINHA FILHA SIM! — ele grita. — E ENQUANTO EU PUDER, ENQUANTO EU ESTIVER VIVO OU ENQUANTO ELA QUISER PERMANECERÁ NA MINHA CASA.— Então revoltada a Andréa grita.
— VOCÊ JÁ PERCEBEU O ABSURDO QUE VOCÊ ESTÁ DIZENDO, OLHA PARA ELA, VOCÊ TRAIU SUA SANTA ESPOSA COM A MÃE DESSA GAROTA, OU ENTÃO ESTÁ APAIXONADO POR ELA? SÓ PODE! VOCÊ JÁ PERCEBEU COMO SEU FILHO OLHA PARA ESSA GAROTA?! ELA É TOTALMENTE DIFERENTE DELE... — escuto uma cadeira se arrastar e a mulher continua sem dó nem piedade.
—- Não teria como ela ser sua filha, ela é negra... NEGRA! — Não sei por que, mas suas palavras não me ferem.
— Esperava de você o mínimo respeito Andréa, mas vejo que nem isso você tem pelas pessoas, SAIA DA MINHA CASA! Antes que eu chame a polícia!
Na hora eu mesmo trêmula abro a porta do escritório.
Meu pai pega o telefone da mesa sem perceber que eu abri a porta, a mulher me olha com ódio gratuito, então eu fecho a porta a chave nos trancando no escritório depois das suas últimas palavras.
— Você venceu sua macaca! — Meu pai me olha ferido, pelo ataque, e digita alguns números no telefone.
— Deixa eu sair desse zoológico! Abra a porta dessa senzala agora!
Enquanto isso, meu pai fala com alguém.
— É da polícia?! Tenho uma denúncia a fazer...- a mulher fica branca abre a boca duas vezes como um peixe.
— A acusação é injúria racial, racismo, difamação, agressão verbal...na minha casa anotem o endereço... aguardo vocês... — ele desliga e até eu fico com medo do seu olhar mortal.
— Você vai se arrepender de ter nascido doutora Andréa... Fique certa de que perderá seu registro de medicina, será presa e pagará uma boa indenização para a minha filha, vou fazer de tudo pra você perder seu CRM... Sofrerá um processo... E perderá todo seu valiosíssimo prestígio... — A mulher que antes se portava toda elegante me olha com ódio nos olhos, tira um bloco da bolsa.
— Quanto você quer... fala! Não deve ser muito... — eu ganho minha voz.
— Não preciso do seu dinheiro... — ela ri desvairada.
— Mas do dele sim não é?! — Já recebi muitos olhares como esse então não me abalo.
— Você sabia que minha mãe era a mulher mais digna da face da terra? Você não merece nem falar o nome dela... — Sorrio maligna, e como se não quisesse nada ando como se fosse em direção ao meu pai, mas no caminho agarro seus cabelos e enfio minha enorme unha pintada de vermelho em seu couro cabeludo, nada muito forte, viro seu rosto para mim.
— Se eu fosse você não atacaria minha família... — meu sorriso estilo curinga assusta até o diabo nesse momento, olhando em seus olhos eu completo.
— Por eles eu mato e morro... Então, corra, quando puder corra para o mais distante possível, não queira saber como é o inferno. — Sussurro e vejo todo seu cabelo arrepiar, vejo também o medo em seu olhar, mas o ódio é pungente. A adrenalina corre em minhas veias e eu reconheço seu medo, é o mesmo que já correu pela minha pele e meus ossos, a solto, percebo que alcancei meu objetivo quando suas pernas bambeiam.
Meu pai não me olha, não diz nada, sinto um gosto amargo em minha boca, escutamos batidas na porta.
— Senhor John tem policiais aí, querem vê-lo, está tudo bem?! — É a Nice que mesmo não sendo mais tão jovem cuida de nós.
Andréa se desespera e tenta tirar a chave da minha mão, mas sou um pouco mais alta.
— Já vamos Nice! Está tudo bem! — Começa seco e termina mais brando.
— Abra a porta querida, a polícia chegou... — Em alguns passos abro a porta.
— Querido... John não precisa tudo isso, vamos resolver as coisas amigavelmente, eu tenho família, meus pais... Você sabe que isso vai sujar meu nome...
— Pensasse nisso antes de atacar minha família... — Ela tenta mais uma vez enquanto é "acompanhada" pelo pequeno corredor até a sala.
— Somos namorados, quase noivos, às vezes a gente se excede, é normal a gente brigar. — Ele é categórico.
— Não somos mais namorados, eu não namoraria e nem me casaria com alguém do seu tipo, você nos atacou, foi racista e cruel... Tentou me comprar... Você quer uma lista dos meus motivos? — Eu até senti pena da patricinha agora.
— Pai... — ele me corta impaciente.
— Não tem mais pai, não vou passar pano na crueldade dessa mulher, ela passou dos limites, vá para o seu quarto e aguarde seu irmão, ele estará chegando em poucos minutos… — Ordena quando chegamos a sala, eu obedeço sem contestar.
— Boa tarde! — Escuto uma policial cumprimentar meu pai.
— É daqui que veio uma denúncia de racismo... — Antes que o policial termine direito meu pai fala.
— Sim... Essa mulher... A doutora Andréa Corrêa Antunes, chamou minha filha de macaca negra num tom mais que pejorativo. — Na mesma hora o advogado do John entra e concluo que a Nice deve tê-lo chamado, fico espiando escondida.
— Isso é uma acusação grave senhora... — Uma policial também negra diz.
— A senhora está presa em flagrante por injúria racial, racismo... — A mulher enlouquece de vez e grita.
— Vocês não podem me prender, não tem provas contra mim, eu sou doutora Antunes e não vou presa por uma bobagem dessas ...
— Rá , tenho provas sim, você pensou que eu fosse o quê?! Um menino?! Já faz tempo que eu percebo você torcendo o nariz para a Sílvia, e também já ouvi você falando com alguém no telefone que ia se livrar da macaca e do pestinha, então coloquei uma escuta em meu escritório, para descobrir o que você estava fazendo pelas minhas costas. — Ela o olha e fica cega de raiva, sem pensar nas consequências berra novamente que tem dinheiro.
— Você não pode me prender, eu sou Andréa Corrêa a médica de maior prestígio neste país... Me solta sua macaca...— A policial uma mulher na casa dos trinta e sete anos muito bonita arrasta a loira para fora, enquanto ela grita e esperneia.
— A doutora tem direito a um advogado e de permanecer calada... Mas antes de falar com o advogado conhecerá mais algumas macaquinhas numa cela para lá de confortável... — Meu pai encara tenente Rute com admiração enquanto ela coloca a mulher no camburão, vejo tudo de longe.
— Vocês precisam prestar depoimento, mas deixa para amanhã de manhã, eu quero cuidar um pouco da doutora aí...
Suspiro triste, mas mudo meu semblante quando quase no mesmo instante em que a polícia sai o Dan desce da van escolar, parece cansado, ainda de chuteira, mas sorri ao nos ver.
— O que a polícia estava fazendo aqui pai? — Ele nos olha curioso.
— Foi só um probleminha que resolvemos, não se preocupe. Nosso pai responde sério.
— Oi Sil, como foi a aula de defesa pessoal hoje? E a de anatomia?! — Eu e o Dan somos amigos, confidentes e parceiros até de futebol, ele me contou mês passado que gosta de uma garotinha da sua turma, ela tem cabelos pretos que tem cheiro de morango, tem olhos verdes como grama e a pele mais clara que algodão, mas ontem ele contou que conheceu outra garota, que é parecida comigo, e agora só fala dessa garota que já chegou fazendo amizade com todos, ele disse que gosta de uma, mas só pensa na outra está confuso, e eu sempre o aconselho a deixar isso para depois e se concentrar nos estudos, pois ele sempre vai conhecer garotas lindas.
Jogamos no fundo de casa com mais dois vizinhos amigos seus no final de semana, ainda não pensei em sair daqui por causa dele, porém vejo que preciso ganhar asas, ser independente, sou uma mulher, crescida e parece que só o John que não vê isso.
Quando entramos todos em casa, eu olhei para ele e ele entendeu, só concordou e saiu cabisbaixo, o que fez meu coração se encolher, fui tomar banho e antes do jantar passo no escritório.
Toc toc... Entro pois a porta já estava aberta.
— Pai... Precisamos conversar... enrolo minhas mãos constrangida, um pouco nervosa com o desenrolar, mas sabendo que ele é a pessoa mais compreensiva que conheço, vai me entender e apoiar.
— Já sei até o que vai dizer minha querida... ele me conhece.
— Eu estava vindo falar com o senhor, mas a Andréia... — Ele me olha nervoso e triste.
— Isso não tem nada a ver com ela?! — Balanço a cabeça negando.
— Não, nunca... só dou razão a ela em uma coisa... Eu cresci, e por mais que o senhor não veja, os outros vêem, sou uma mulher adulta, preciso trabalhar, ter meu salário, meu cantinho, nenhuma mulher vai aceitar que o senhor tenha uma filha adotada de vinte e dois anos morando aqui com o senhor. — Ele olha suas mãos.
— Eu não preciso de mais mulheres, tenho você...a Nice, a Judite... — gargalhando o abraço pelo ombro me sentando ao seu lado no estofado de três lugares.
— Ah, essas não valem, senhor John! Você precisa de uma companheira... Enfim, eu não quero ser uma dondoca sustentada pelos pais a vida inteira... — Ele concorda.
— Sabíamos que esse dia chegaria então a Olívia deixou isso aqui pra você... — ele escorrega um envelope pardo em minha direção e eu o encaro em dúvida.
— Pegue, essas são as chaves e o documento do apartamento dela de quando era solteira, ela deixou para você em testamento e disse que eu entregasse quando você criasse asas... — Uma lágrima rola pelo seu rosto, e outra escorre pelo meu.
— Será que um dia vou encontrar alguém que se pareça com ela, nem que seja um pouco?
— Eu espero que o senhor encontre alguém que o ame assim como ela o amou.
Ian MassarovNão importa quantas pessoas eu salve, não importa quantas já salvei, isso não vai me tirar a culpa, o peso que eu carrego, mesmo que eu extermine da face da terra todos os carniceiros que entram na vida das pessoas para destruí-las, nada disso me faz sentir mais digno. Não fui capaz de salvá-la, ela era só uma criança, sem proteção, à mercê do poderio de um homem adulto, se é que aquilo pode ser chamado de homem, quando me lembro da cena meu estômago se revolta e a bile sobe."Melhor sair daí''. Meu subconsciente aconselha, estou pilotando minha envenenada, uma PGM V8, ganho velocidade e meu coração acelera com a alta carga de adrenalina, não tenho lar, vivo no mundo, mas minha última parada é sempre o Brasil.Entro na casa, um clube que eu frequento em Los Angeles, tenho uma casa em Long Beach, a ver
Pés descalços, saltam uma, duas poças de lama, como se brincasse de amarelinha, mas em minha vida não há espaço para brincadeiras, meu corpo inteiro dói, já me acostumei a dor, feridas nos joelhos já não são mais uma novidade, procuro por algo que não sei o que é, num instante o cenário muda, ainda estou procurando algo, olho embaixo da pequena cama que um dia teve espaço para comportar meu corpo inteiro, hoje sou maior que ela, tenho que me encolher ao máximo para dormir nela, ouço a porta da frente se abrir num baque, seguida por um grito.— Sílvia, cadê você sua ratinha! Espero que tenha ido atrás do meu dinheiro, se eu não tiver um pouco de sossego você também não terá...Sua voz enrolada me diz que ela bebeu e fumou, sempre que ela fuma aquela coisa fedida ela me castiga até se cansar, ela me castiga até cansar mesmo nas poucas horas que está sóbria. Saio devagar do meu esconderijo, me arrependo assim que sinto duas mãos pegarem meu pescoço...— Acorda sua rat
Hoje estou mais ansiosa que os outros dias, é o dia da audiência do processo contra a doutora Andréa, por isso tive uma noite de cão. Cubro minhas olheiras com maquiagem, calço meu salto alto, já vestida, aviso meu pai que já chegou que estou descendo.— Bom dia filha, ansiosa para o que está por vir?! — Ele nem imagina que eu não dormi a noite inteira.— Bom dia pai, sim estou muito ansiosa, desde ontem para ser sincera.Ele me conforta— Vai dar tudo certo, você vai ver, estou do seu lado, a justiça está do seu lado, não há o que temer. Ela será julgada não só pela discriminação racial, mas também por desacato à autoridade, enfim a Rute também está cuidando disso. — ele fica vermelho ao falar da Tenente Rute, isso traz um sorriso aos meus lábios.&
Estou sentada no banquinho do bar observando a louca da Andressa, suada dançando com um cara alto e forte, ela rebola e se esfrega no rapaz que não fica para trás e aproveita para passar a mão em seu corpo, desvio minha atenção para outro casal que se agarra num canto do salão, permaneço no lugar, mas sou logo arrastada pela Andressa que tenta me ensinar os passos de uma dança, eu fico dura e não me solto.— Espera aqui que eu vou buscar uma pílula de coragem pra você, você vai se soltar rapidinho... — Ela grita no meu ouvido e sai empurrando as pessoas, minutos depois ela volta e antes que eu negue ela me olha com uma careta, tomo coragem e engulo a bebida que desce rasgando.Parece que ficou mais fácil dançar minutos depois de tomar aquela bebida, estou sorrindo à toa, e já aprendi alguns passos com a Andressa, não sei como ela
Abro os olhos, sinto que estou em uma cama muito confortável, estou em minha cama, abraço os travesseiros, mas percebo que não estou em casa assim que abro meus olhos, assustada me sento rapidamente, uma leve vertigem me faz fechar os olhos.— A bela acordou, espero que goste dos seus novos aposentos... — Me assusto com a voz masculina marcante. Olho para o dono da voz, calada estava, muda fiquei.Um homem ruivo, com uma regata masculina estilo exército, na cor preta, calça jeans azul, tatuagens em um dos braços, não tive coragem de olhar em seus olhos, ele é grande... O que eu estou fazendo? Saio da cama como se ela estivesse pegando fogo, corro em direção à porta, mas não chego nem perto, bato de frente a uma parede de músculos, levanto meu rosto e sinto o ar faltar, seus olhos são inacreditáveis de tão verdes, em conjunto com seus cabelos vermelhos poucas e pequenas sardas dão a ele um ar místico, nem parece real, seu olhar é diferente, é quente, mas também vejo um tr
Assim como fora ordenado, três dias após a conversa com meu superior, parti para o Brasil com minha equipe, aqui não é como os filmes de ação que um agente se faz de todo poderoso e sai a procura do inimigo, aqui quem trabalha sozinho elimina a si mesmo.Antes mesmo de vir para o Brasil eu contatei uma agente da polícia brasileira, que estava seguindo a pista do Harrisson e descobrimos que ele estava de olho nas universitárias, eles escolhem jovens aparentemente muito sozinhas, sem família para reclamar um desaparecimento.Hoje é o aniversário dos gêmeos, estou em frente ao espelho, penteio meus cabelos com as mãos, coloco um relógio, abro dois botões da camisa, passo meu perfume, para uma festa infantil estou muito bem.Alguns minutos aqui e já sinto o açúcar correr em minhas veias, é tanta doçura, as crianças são lindas, o amor deles é lindo, meu telefone toca.— Boate Night Life's.— É uma boate que a maioria do público são jovens un
Estamos envolvidos, no seu olhar vejo muita coisa, compreendo o que ele diz, mas não consigo decifrar o que sente.— Pensei que tivesse se afogado...— sussurra. — Nunca mais faça isso, nunca mais me assuste desse jeito... — ele conclui num fôlego, mas eu não o respondo, apenas deslizo na água sentindo seu corpo quente e forte, em algumas braçadas estou fora da piscina, com o coração retumbando nos ouvidos, corro para o quarto, tranco a porta me escorando nela, foram apenas alguns metros, mas parece que corri uma maratona inteira. Não deveria ter ido àquela piscina, não estou em casa, e é evidente que a empregada mentiu sobre o patrão ter viajado, ou ele foi aqui perto e voltou.Preciso ir embora daqui… Não sou tão inocente, sei o que estou sentindo por ele, sei também como isso termina e não quero isso pra mim. Deito na ca
Depois do passeio de bicicleta, ele me leva ao centro cívico de Bariloche, um lugar lindo, parece que estou em alguma cidade da Europa, os prédios se parecem com mini castelos, visitamos também o museu da Patagônia, me encanto com o lugar, pareço uma criança no meio de um parquinho, almoçamos em um restaurante aconchegante, e de sobremesa mais chocolate, esse homem sabe agradar uma mulher.Enquanto tomo minha sobremesa fico prestando atenção no homem a minha frente, eu poderia sentir medo por seu tamanho, por sua força, mas eu não tenho, eu me sinto bem e protegida ao seu lado, algumas mulheres passam o olham, coram e sorriem como adolescentes, um pouco de calda de chocolate fica em seu queixo bem barbeado e ele não percebe, tenho vontade de limpar mas fico quieta.Ele me olha e sorri ao me pegar o encarando, seus olhos incrivelmente verdes com pontinhos amarelos que mais parecem pequenas bolinhas de fogo me oferecem calor, sorrir é inevitável, parece fácil.— Você