Capítulo 3

Chego em casa da faculdade, e passo direto para o escritório do meu pai, um espaço amplo onde ele põe em dia seus estudos, preciso conversar com ele, tenho que arrumar um emprego e também quero procurar um lugar para morar, afinal sou uma mulher de vinte e dois anos, não posso ficar a vida inteira em sua aba, e também sinto que estou atrapalhando seu namoro com a Andréa, ela sempre que me vê torce o nariz como se sentisse um mau cheiro, sei que ele está lá esse horário, mas antes de bater à porta escuto uma conversa alterada entre ele e a Andréa.

— Você não pode continuar sustentando essa mulher John, isso não tem cabimento!

Escuto a voz zangada do senhor John e me encolho diante dos gritos da sua resposta que não escuto bem.

— Enquanto ela era menor, tudo bem... se ela fosse realmente sua filha eu até poderia aceitar, mas ela é uma mulher e está mais que comprovado que ela não é sua filha! — ela diz indignada.

— ELA É MINHA FILHA SIM! — ele grita. — E ENQUANTO EU PUDER, ENQUANTO EU ESTIVER VIVO OU ENQUANTO ELA QUISER PERMANECERÁ NA MINHA CASA.— Então revoltada a Andréa grita.

— VOCÊ JÁ PERCEBEU O ABSURDO QUE VOCÊ ESTÁ DIZENDO, OLHA PARA ELA, VOCÊ TRAIU SUA SANTA ESPOSA COM A MÃE DESSA GAROTA, OU ENTÃO ESTÁ APAIXONADO POR ELA? SÓ PODE! VOCÊ JÁ PERCEBEU COMO SEU FILHO OLHA PARA ESSA GAROTA?! ELA É TOTALMENTE DIFERENTE DELE... — escuto uma cadeira se arrastar e a mulher continua sem dó nem piedade.

—- Não teria como ela ser sua filha, ela é negra... NEGRA! — Não sei por que, mas suas palavras não me ferem.

 — Esperava de você o mínimo respeito Andréa, mas vejo que nem isso você tem pelas pessoas, SAIA DA MINHA CASA! Antes que eu chame a polícia!

Na hora eu mesmo trêmula abro a porta do escritório. 

Meu pai pega o telefone da mesa sem perceber que eu abri a porta, a mulher me olha com ódio gratuito, então eu fecho a porta a chave nos trancando no escritório depois das suas últimas palavras.

— Você venceu sua macaca! — Meu pai me olha ferido, pelo ataque, e digita alguns números no telefone.

— Deixa eu sair desse zoológico! Abra a porta dessa senzala agora!

Enquanto isso, meu pai fala com alguém.

— É da polícia?! Tenho uma denúncia a fazer...- a mulher fica branca abre a boca duas vezes como um peixe.

— A acusação é injúria racial, racismo, difamação, agressão verbal...na minha casa anotem o endereço... aguardo vocês... — ele desliga e até eu fico com medo do seu olhar mortal.

— Você vai se arrepender de ter nascido doutora Andréa... Fique certa de que perderá seu registro de medicina, será presa e pagará uma boa indenização para a minha filha, vou fazer de tudo pra você perder seu CRM... Sofrerá um processo... E perderá todo seu valiosíssimo prestígio... — A mulher que antes se portava toda elegante me olha com ódio nos olhos, tira um bloco da bolsa.

— Quanto você quer... fala! Não deve ser muito... — eu ganho minha voz.

— Não preciso do seu dinheiro... — ela ri desvairada.

— Mas do dele sim não é?! — Já recebi muitos olhares como esse então não me abalo.

— Você sabia que minha mãe era a mulher mais digna da face da terra? Você não merece nem falar o nome dela... — Sorrio maligna, e como se não quisesse nada ando como se fosse em direção ao meu pai, mas no caminho agarro seus cabelos e enfio minha enorme unha pintada de vermelho em seu couro cabeludo, nada muito forte, viro seu rosto para mim.

— Se eu fosse você não atacaria minha família... — meu sorriso estilo curinga assusta até o diabo nesse momento, olhando em seus olhos eu completo.

— Por eles eu mato e morro... Então, corra, quando puder corra para o mais distante possível, não queira saber como é o inferno. — Sussurro e vejo todo seu cabelo arrepiar, vejo também o medo em seu olhar, mas o ódio é pungente. A adrenalina corre em minhas veias e eu reconheço seu medo, é o mesmo que já correu pela minha pele e meus ossos, a solto, percebo que alcancei meu objetivo quando suas pernas bambeiam.

Meu pai não me olha, não diz nada, sinto um gosto amargo em minha boca, escutamos batidas na porta.

— Senhor John tem policiais aí, querem vê-lo, está tudo bem?! — É a Nice que mesmo não sendo mais tão jovem cuida de nós.

Andréa se desespera e tenta tirar a chave da minha mão, mas sou um pouco mais alta.

— Já vamos Nice! Está tudo bem! — Começa seco e termina mais brando.

— Abra a porta querida, a polícia chegou... — Em alguns passos abro a porta.

— Querido... John não precisa tudo isso, vamos resolver as coisas amigavelmente, eu tenho família, meus pais... Você sabe que isso vai sujar meu nome...

— Pensasse nisso antes de atacar minha família... — Ela tenta mais uma vez enquanto é "acompanhada" pelo pequeno corredor até a sala.

— Somos namorados, quase noivos, às vezes a gente se excede, é normal a gente brigar. — Ele é categórico.

— Não somos mais namorados, eu não namoraria e nem me casaria com alguém do seu tipo, você nos atacou, foi racista e cruel... Tentou me comprar... Você quer uma lista dos meus motivos? — Eu até senti pena da patricinha agora.

— Pai... — ele me corta impaciente.

— Não tem mais pai, não vou passar pano na crueldade dessa mulher, ela passou dos limites, vá para o seu quarto e aguarde seu irmão, ele estará chegando em poucos minutos… — Ordena quando chegamos a sala, eu obedeço sem contestar.

— Boa tarde! — Escuto uma policial cumprimentar meu pai.

— É daqui que veio uma denúncia de racismo... — Antes que o policial termine direito meu pai fala.

— Sim... Essa mulher... A doutora Andréa Corrêa Antunes, chamou minha filha de macaca negra num tom mais que pejorativo. — Na mesma hora o advogado do John entra e concluo que a Nice deve tê-lo chamado, fico espiando escondida.

— Isso é uma acusação grave senhora... — Uma policial também negra diz.

— A senhora está presa em flagrante por injúria racial, racismo... — A mulher enlouquece de vez e grita.

— Vocês não podem me prender, não tem provas contra mim, eu sou doutora Antunes e não vou presa por uma bobagem dessas ...

— Rá , tenho provas sim, você pensou que eu fosse o quê?! Um menino?! Já faz tempo que eu percebo você torcendo o nariz para a Sílvia, e também já ouvi você falando com alguém no telefone que ia se livrar da macaca e do pestinha, então coloquei uma escuta em meu escritório, para descobrir o que você estava fazendo pelas minhas costas. — Ela o olha e fica cega de raiva, sem pensar nas consequências berra novamente que tem dinheiro.

— Você não pode me prender, eu sou Andréa Corrêa a médica de maior prestígio neste país... Me solta sua macaca...— A policial uma mulher na casa dos trinta e sete anos muito bonita arrasta a loira para fora, enquanto ela grita e esperneia.

— A doutora tem direito a um advogado e de permanecer calada... Mas antes de falar com o advogado conhecerá mais algumas macaquinhas numa cela para lá de confortável... — Meu pai encara tenente Rute com admiração enquanto ela coloca a mulher no camburão, vejo tudo de longe.

— Vocês precisam prestar depoimento, mas deixa para amanhã de manhã, eu quero cuidar um pouco da doutora aí... 

Suspiro triste, mas mudo meu semblante quando quase no mesmo instante em que a polícia sai o Dan desce da van escolar, parece cansado, ainda de chuteira, mas sorri ao nos ver.

— O que a polícia estava fazendo aqui pai? — Ele nos olha curioso.

— Foi só um probleminha que resolvemos, não se preocupe. Nosso pai responde sério.

— Oi Sil, como foi a aula de defesa pessoal hoje? E a de anatomia?! — Eu e o Dan somos amigos, confidentes e parceiros até de futebol, ele me contou mês passado que gosta de uma garotinha da sua turma, ela tem cabelos pretos que tem cheiro de morango, tem olhos verdes como grama e a pele mais clara que algodão, mas ontem ele contou que conheceu outra garota, que é parecida comigo, e agora só fala dessa garota que já chegou fazendo amizade com todos, ele disse que gosta de uma, mas só pensa na outra está confuso, e eu sempre o aconselho a deixar isso para depois e se concentrar nos estudos, pois ele sempre vai conhecer garotas lindas.

Jogamos no fundo de casa com mais dois vizinhos amigos seus no final de semana, ainda não pensei em sair daqui por causa dele, porém vejo que preciso ganhar asas, ser independente, sou uma mulher, crescida e parece que só o John que não vê isso.

Quando entramos todos em casa, eu olhei para ele e ele entendeu, só concordou e saiu cabisbaixo, o que fez meu coração se encolher, fui tomar banho e antes do jantar passo no escritório.

Toc toc... Entro pois a porta já estava aberta.

— Pai... Precisamos conversar... enrolo minhas mãos constrangida, um pouco nervosa com o desenrolar, mas sabendo que ele é a pessoa mais compreensiva que conheço, vai me entender e apoiar.

— Já sei até o que vai dizer minha querida... ele me conhece.

— Eu estava vindo falar com o senhor, mas a Andréia... — Ele me olha nervoso e triste.

— Isso não tem nada a ver com ela?! — Balanço a cabeça negando.

— Não, nunca... só dou razão a ela em uma coisa... Eu cresci, e por mais que o senhor não veja, os outros vêem, sou uma mulher adulta, preciso trabalhar, ter meu salário, meu cantinho, nenhuma mulher vai aceitar que o senhor tenha uma filha adotada de vinte e dois anos morando aqui com o senhor. — Ele olha suas mãos.

— Eu não preciso de mais mulheres, tenho você...a Nice, a Judite... — gargalhando o abraço pelo ombro me sentando ao seu lado no estofado de três lugares.

— Ah, essas não valem, senhor John! Você precisa de uma companheira... Enfim, eu não quero ser uma dondoca sustentada pelos pais a vida inteira... — Ele concorda.

— Sabíamos que esse dia chegaria então a Olívia deixou isso aqui pra você... — ele escorrega um envelope pardo em minha direção e eu o encaro em dúvida.

— Pegue, essas são as chaves e o documento do apartamento dela de quando era solteira, ela deixou para você em testamento e disse que eu entregasse quando você criasse asas... — Uma lágrima rola pelo seu rosto, e outra escorre pelo meu.

— Será que um dia vou encontrar alguém que se pareça com ela, nem que seja um pouco?

— Eu espero que o senhor encontre alguém que o ame assim como ela o amou.

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