Entreguei o uísque à Anya e não cobrei as respostas das perguntas, certa de que em algumas horas ela me daria, quando não mais tivesse consciência.Mas para meu azar ela trancou a porta pelo lado de dentro logo depois de receber a garrafa cheia. Fui para o quarto e pus as meninas na cama, ou melhor, no colchão, no chão. Elas queriam ouvir uma historinha para dormir, como a que Theo contou. Então fui obrigada a contar, tentando amenizar um pouco o que havia sido aquele dia: difícil para elas.Aliás, para elas todos os dias eram difíceis e uma etapa vencida, já que permaneciam vivas naquele lugar horrível.Assim que as vi fecharem os olhos, os lábios ainda meio que entregues a um sorriso feliz, cobri-as e fui para minha cama. Olhei meu celular e me flagrei que Theo me escutava e sabia exatamente onde eu estava naquele momento. Sorri e sussurrei:- Amo você, Theo.Pus o aparelho debaixo do travesseiro e dormi.Na manhã seguinte, quando acordei, as meninas não estavam na cama. Fiz minha h
- Estamos levando as meninas – O policial disse – Temos uma denúncia de violência, maus-tratos e...- Foda-se! – Ela gritou – Fodam-se aquelas pestinhas que não servem para nada.- Se a senhora é responsável por elas, terá que responder judicialmente pelos maus-tratos.Ela virou-se com dificuldade e nos olhou, de barriga para cima, ainda deitada.- Eu dei minha vida por estas inúteis. Acreditam que tentaram me matar? – o cheiro de bebida alcoólica pairou no ar enquanto ela esbravejava – Fizeram comida com todo o sal existente no planeta e eu fui parar no hospital. O namorado desta ingrata me deu um tiro no pé... – apontou na direção do pé enfaixado – E ela quebrou minha perna com duas malas... Enquanto o amante jogou uma pedra no meu olho e me deixou cega.Balancei a cabeça, aturdida:- Meu Deus... Está tão bêbada que só lembra da parte que as meninas que fazem a comida! Isso é muito triste.- Por que ela está neste estado?- Cai de bêbada o tempo inteiro. Bota as meninas para rua par
A noite chegou e eu não havia saído do quarto. Mesmo com meu estômago roncando e implorando por comida continuava ali, no mundo de Salma Hernandez, desde quando ela começou a escrever sobre tudo que acontecia em sua vida. “Não há como contar para minha mãe que o homem que a fode todas as noites me toca sem meu consentimento. E não é só pelo fato de que sei que ela não acreditará em mim. Mas porque nunca está sóbria para me ouvir. Por isso decidi contar para Babi, minha melhor amiga. E hoje, mesmo sentindo vergonha, tive coragem de compartilhar com ela o quanto Breno era nojento e desgraçado. Babi me convidou para morar com ela e Beatriz. Claro que ficou preocupada comigo. Mas eu não podia aceitar, embora quisesse muito. Beatriz dava um duro danado para sustentar as duas. Eu seria uma boca a mais. Sem contar que minha mãe e Breno sabendo que eu estava próximo, incomodariam a mãe de Babi e eu não queria tornar a vida de ninguém tão horrível quanto a minha. Elas também tinham seus probl
Robin pegou minha mão e me fez sentar novamente. A chama do fogo que aquecia o chocolate na panela de fondue iluminava seus olhos, fazendo a revelação ficar mais inverossímil.- Não sei se consigo... – Revelei.- Eu fiquei sabendo de tudo isto há pouco tempo, Malu. E quero compartilhar com você... Por favor. Precisamos entender o que aconteceu de fato.- Theo sabe de tudo isso?- Não. Isto é entre eu e você.- Mas... Heitor é pai dele também.- Eu estou revelando tudo isto porque é você, Malu. Não teria esta conversa com Theo, entende? Acha que também não tenho vergonha dos fatos? De saber que minha mãe viveu uma vida querendo se vingar por um homem que a traiu com todas as mulheres que cruzaram seu caminho?- Como... Maura soube de tudo?- Daniel prometeu ficar com minha tia depois que conseguisse o dinheiro do sequestro.- Mas ele não conseguiu o dinheiro.- Na verdade, ele nunca voltou depois que pegou você dos braços dela, quando ainda era um bebê.- E... – Incentivei-o.- Ela esp
- Esta é Anya. – Anunciei, abaixando-me a procura do álcool debaixo da pia.- Boa noite, Anya Hernandes. Sou Robin Giordano.- O corno?Ele riu e balançou a cabeça, não respondendo.Ela arrastou a perna até a mesa e puxou uma cadeira, sentando-se:- Eu não trairia você em hipótese alguma, Robin. Aliás, quem trairia um homem como você?- Sua neta. – Ele mordeu o lábio e depois deu um meio sorriso, me olhando. – Acho que ela estava com algum problema quando me trocou pelo garoto.- Na cabeça, só pode. Mas sabe como é... Sou avó... Tenho o mesmo sangue que ela. Posso fazer o teste e dizer se você é bom mesmo de cama e chegar a conclusão do que fez de errado.- Onde tem álcool? – Perguntei.- Para que quer álcool?- Passar na senhora, dos pés a cabeça. E depois talvez Robin possa olhar na sua cara, após desinfetada. Já se olhou no espelho hoje? – ri – Ah, esqueci que não tem espelhos nesta casa.- Tem álcool na prateleira de cima da pia – ela avisou – Atrás das xícaras.O olhar de Anya na
Assim que consegui dispensar Robin, pus a velha debaixo do chuveiro gelado, para amenizar o cheiro horrível que exalava dela. Ela até tentava se soltar do meu poder, mas não conseguia, pois já não tinha muita força, além da imobilidade em toda a perna esquerda.Joguei meu shampoo sobre os cabelos dela, obrigando-a a esfregá-los. Ela reclamava e gritava:- A água está fria, porra! Você está tentando me matar, sua maldita?- Bata na parede que talvez a água esquente um pouco. Sugestão das suas netas, que você maltratou por uma vida inteira.Anya bateu a mão de leve na parede, não resolvendo a questão da temperatura da água.- Está me matando... A água está gelada. Pegarei uma gripe e morrerei.- Não morreu com um tiro, com uma queda, com uma pedrada e sequer com fogo. Não será um banho que a matará, Anya Hernandez. Aliás, você não deve ter sete vidas. Numa destas, seu corpo não resistirá.- O que eu fiz de tão mal nesta vida para merecer alguém como você no final dos meus dias?- Quem v
Sem querer, gemi alto, sentindo os olhos arderem de tantas lágrimas, inclusive algumas caindo sobre a folha, manchando as palavras escritas à caneta de ponta porosa.Ela não teria contado a verdade... Em nome do amor que sentia por Bárbara. Deus, ela estava tão certa de que Heitor era o meu pai. Que porra havia dado errado?Voltei algumas páginas, tentando encontrar os homens com quem ela transou antes. Mas ali, naquele caderno, realmente era só sobre Heitor. Porque depois que ela fez o que fez com ele, não dormiu com outro homem a não ser Daniel.Meu telefone tocou. Limpei as lágrimas e atendi Theo.- Oi, Theo.- Por que você está chorando, Maria Lua? – a voz dele era preocupada.- Eu... Estou bem. - Cochilei por alguns minutos e acordei ouvindo seu choro. Irei até aí... Não aguento mais, meu amor! Não posso mais deixá-la continuar com esta loucura.- Theo, eu recebi os diários de Salma. E neste momento, estou sentada no chão do quarto de Sandro, lendo-os. Eu não sei onde estes cade
No dia seguinte, liguei para meu pai. Precisava ouvir a voz dele e Babi ou não aguentaria mais. Ficar ali somente com Anya e sem as meninas era entediante. Sem contar que em nada me ajudava no plano, já que a matriarca não era a cabeça dos Hernandez, pelo visto.Não tinha o que fazer a não ser esperar e esperar. E o tempo passava, e eu a maior parte dele lendo os diários e descobrindo quem foi Salma Hernandez, praticamente trancada dia e noite no quarto.- Oi, pai.- Tentei ligar para você inúmeras vezes. E não atendeu.- Não recebi as chamadas, pai. – Achei estranho.- Já faz um tempo que partiu. Quando pretende vir nos visitar?- Em breve, juro.- E será uma visita ou posso esperar seu retorno oficial para casa?Mordi o lábio, confusa:- Eu... Estou estudando, pai.Ouvi o suspiro dele do outro lado da linha:- Sabe que amo você, não é mesmo?- Sim.- E que nada, repito: “nada” do que fizer, poderá esconder de mim.Meu coração acelerou e senti um frio na barriga:- Não sei... Do que