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Alguns minutos podem ficar na sua cabeça por horas.

TEMPOS ATUAIS | FLORENÇA/ITÁLIA

SUZAN MATTIAZZO

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Os plantões noturnos são sempre os melhores, o número de parto muitas das vezes superam o do turno da manhã e nessa madrugada realizei um que foi intenso, triste e de alguma forma feliz, também.

Infelizmente perdi a mamãe, mas a Alicia é linda e a coisa mais adorável do mundo.

— Doutora! — segui a voz que me chamava e vi o Dr. Fongaro, parado na porta atrás de mim — Não cansa de ficar aqui.

— Nunca… — confirmei voltando a admirar a pequena Alicia — Veja essa mãozinha, olha esse narizinho.

Ele se aproximou de nós e mesmo quase em cima de mim me deixando desconfortável, não queria sair de onde estava, por Alicia estar segura meu dedo.

— Lindas… — revirei os olhos para suas piadinhas — Vem, dará sete da manhã e pelo que sua residente mencionou está aqui desde quando a bebê veio para cá, doutora.

— Ela se chama Alicia… — esclareci com rudez — Estou no Plantão até às 18h e ficarei aqui até o pai voltar e poder ficar com ela ou aparecer algum atendimento.

— E a mãe? 

— Não resistiu… — sussurrei — teve eclampsia e chegou aqui quase sem vida. 

— Sinto muito. — apoiou a mão no meu ombro e me sacudi para que tirasse-a do lugar — Pegarei algo para você comer.

 — Não precisa! Logo o Dr. Mattiazzo chegará.

Afirmei sabendo que meu irmão trará algo para eu comer.

— Tudo bem, qualquer coisa não hesite em pedir. — concordei sem me dar o trabalho de olhar para ele.

Sem jeito por ser ignorado, saiu nos deixando no silêncio de antes. Me deu uma tristeza por ter mencionado o falecimento da mãezinha dela. Segurei minhas emoções, porque os bebês sentem tudo ao seu redor e não desejo que as primeiras horas de vida da Alicia sejam marcadas pela tristeza.

Ela resmungou abrindo sua boquinha rosada e banguela e não teve jeito, as lembranças dessa madrugada vieram a mente e permiti meu consciente repassar a noite em minha cabeça: 

Estava aqui no berçário com Matchello que nasceu gordinho e cheio de saúde quando tive um chamado às onze da noite, a paciente chegou em estado de (PE) com 30 semanas de gestação, o casal estava em uma viagem em família, por Florença quando ela passou mal.

Como somos um hospital grande e bem localizado, vieram para cá.

 Durante o caminho até a sala de parto, notei seu desgaste físico e sua fisionomia me dizia que seria uma parto daqueles. Tentando mantê-la acordada conversei sobre como estava sendo a viagem e disse que era as dos sonhos, pois saiu de Florença muito jovem e voltar e poder ver a mãe e as irmãs foi algo maravilhoso.

— Alicia tem o nome da mãe.

Sorri ao lembrar da mãe dizendo toda orgulhosa que a filha teria o seu nome e que foi decisão do marido. Sequei meu rosto devido as lembranças intensas estarem rolando em minha mente.

 O parto foi complicado, ela não tinha tanta força para me ajudar a trazer essa bonequinha ao mundo e fiz de tudo para não perdê-la, mas assim que Alicia nasceu a mãe teve a primeira parada. Tentei de tudo para salvá-la, só que infelizmente não obtive êxito.

Com o corpo ainda quente a coloquei em cima da mãe e apresentei as duas dizendo que a mamãe foi guerreira e que agora ela seguiria para o céu e que cuidaria dela lá de cima.

— Não foi fácil… — murmurei —, não foi, caramba!

Depois de toda a situação que passei, fui passar a triste notícia ao pai e quando com ele andando de um lado a outro. Nos sentamos na sala de espera e contei como a esposa foi guerreira, mas todas as circunstâncias a empurravam para o fim da vida. 

Esperei que me tratasse mal, que me culpasse e estava pronta para isso, mas se levantou e pediu que cuidasse dela até que voltasse com a sogra.

Me deu um abraço forte e prometi ficar com elazinha até que chegasse. Entendi que o choque o deixou assim, compreendi que perder o amor da sua vida talvez seja algo intenso demais.

— Suh… — sai dos meus devaneios com Ninho que veio me abraçar — sinto muito.

— Eu também.

Mesmo Dionísio sendo um grosseirão com o mundo e às vezes comigo também, sempre que peço ajuda vem ao meu socorro. 

Ficamos abraçados não sei por quanto tempo e com o aperto reconfortante soltei algumas lágrimas. Lorenzo chegou logo depois e veio falar comigo, por saber como fico quando perco uma mamãe.

— Às vezes não depende só da gente, tem coisas que são bem maiores do que nossas vontades ou desejos. Mesmo não estando aqui, sei que deu o seu melhor, Dra. Mattiazzo. — tentou me dar um afago, mas Ninho não deixou.

As vezes acho que esse dois tem uma amizade de anos, porque viviam se estapeando quando não tem ninguém por perto. Parece dois adolescentes. 

— Ela sabe disso, nós dois sabemos, mas para a gente que temos a obrigação de salvar vidas, perder uma, não parece certo. — Dionísio comunicou e nós dois concordamos.

— Vim aqui por dois motivos, ver se está bem para ficar no plantão, já que fará dois dias que está aqui, e comunicar que a família da bebê…

— Ela se chama, Alicia! 

— Ok, o pai e a avó da Alicia estão aí, posso pedir que entrem? — disse que sim saindo dos braços do meu irmão para conversar com essa bonequinha — Sim, o que?

— Continuarei no plantão, quero ficar no mínimo 3 dias na vila.

— Sairá que hora? Não posso permitir esses plantões absurdos, sabe muito bem que não gosto que se afaste tantos dias daqui. — achei uma afronta suas palavras, já que raros são os momentos que me ausento — Não me olhe assim! Três dias? Parece até férias.

— Por falar nelas, cadê minhas férias, Lorenzo? — deu um passo em direção a porta como se quisesse fugir do assunto  — Nem adianta sair de fininho! 

— De novo! Todo ano a mesma coisa — fiquei pasma e Dionísio começou a rir —, acho que está equivocada e para melhor esclarecimento verei se já está na hora de entrar de férias novamente, não tem nem um ano que voltou da anterior.

— Claro que tem! — exclamei, mas negou com a cabeça.

— Ele gosta de nos escravizar, devemos denunciá-lo para o conselho de medicina de Roma, talvez assim nos dê folgas extras. — com um tom irônico Dionísio acrescentou.

— Pode para com esse discurso, Dionísio! Quem vem aqui nas folgas é você. Suzan praticamente mora no Meyer, se é necessário uma denúncia farei eu, e serão os doutores Mattiazzo a irem para um conselho! — os dois iniciaram uma discussão típica de adolescentes que acordaram a Alicia que deu seus berros potentes exigindo silêncio.

Shhh… parem de discutir no meu berçário! — dei as costas a eles para pegá-la em meus braços — Olha que chorinho forte.

— Desculpa! — Lorenzo se retratou — Seu irmão me estressa.

— Jura? Não é o contrário, Lorenzo? — e lá está eles novamente e tive que ser rude com eles — Desculpa Suh, desculpa Alicia. 

— Pedirei que os pais entrem, e você! — apontou para o Ninho — Vamos a minha sala, tem um glioma que quero conversar contigo.

Eles finalmente saíram e pude acalmar essa princesinha. Ela possui poucos cabelos e não pesa nem dois quilos, mas é a coisa mais linda que já vi na vida. 

— Papai está aí fora e logo te dará o carinho, atenção e amor que você merece. — suas mãozinhas se agitaram e agarrei uma que fechou em torno do meu dedo — Que aperto forte, princesa!

— Oi… — uma senhora junto ao pai entraram no berçário — essa é minha netinha?

— Sim, apresento a vocês, Alicia. — entreguei a ela que começou a chorar — Minhas mais sinceras condolências a vocês e a toda família, fiz o que pude…

— Sabemos que sim, e sou grata por isso, doutora. — o pai veio apertar minha mão.

Com calma expliquei como será a liberação da Alicia e que por hora ficará aqui, pois nasceu prematura e acrescentei que o acompanhamento médico é necessário. Mesmo sendo bem saudável, precisará de banho de luz e de medicações para ganhar peso. 

Perguntaram quanto tempo, informei que no mínimo um mês e meio. Passei quase uma hora com eles e expliquei que por hora não tem direito a um acompanhante, mas que podem visitá-la duas vezes ao dia, no horário habitual e às dezenove podendo ficar até as vinte uma. 

Após tudo esclarecido ficamos admirando a pequena até eles irem embora, Ninho me ligou dizendo que deixou minha comida no meu consultório e disse que devo descansar um pouco que mais tarde vai me ver. 

A enfermeira veio fazer suas verificações e aproveitei para ir me alimentar.  

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