Laura
Enquanto as duas mulheres mantinham sua atenção presa nas roupas sobre a cama, minha mente começou a vagar por locais que eu não esperava ir até então. Por um mero segundo, esses devaneios — onde me via em paz pela primeira vez em muito tempo — soaram tão tentadores que quase abdiquei de tudo por eles, mas foi só um quase.Logo a realidade bateu duramente em minha porta, me fazendo lembrar que, por mais que eu quisesse manter aquele sonho de viver amigavelmente com meus "inimigos" para sempre, isso não era possível, não possuía um jeito ainda. Na guerra silenciosa que travávamos todos os dias, só teria um vencedor; este poderia muito bem ser eu ou não. O que realmente iria definir o ganhador seria quem tivesse a capacidade de domar o outro primeiro, e eu, depois de tudo, já me sentia perto de cair nesse abismo profundo chamado de amizade.E eu não poderia permitir isso, por mais que uma parte de mim desejasse tanto.— O que tanto perna, LaurValentimSe tem uma coisa que eu aprendi a entender com o tempo era, nunca, em hipótese alguma, questionar uma mulher sobre o tempo que ela irá gastar se arrumando. Por isso, quando Isa me mandou uma mensagem avisando que eu poderia chegar mais tarde, já que elas iriam atrasar, nem me dei ao trabalho de questionar. Só mandei um "ok" e esperei que isso fosse suficiente para não parecer alheio demais, embora já tivesse minhas dúvidas muito antes de clicar para enviar.Por isso, eu me encontrava sentado sobre minha cama macia, me perguntando quanto tempo ainda eu teria que esperar. Dez, vinte, trinta minutos? Talvez mais, talvez menos. Eu não tinha certeza de nada, e isso começava a tirar minha paciência recém adquirida, mesmo que eu tenha a recuperado só após um delicioso banho.Não queria ter que tomar outro para reavê-la novamente.Suspirando, me ergui da cama e olhei para meu quarto. Não era um lugar muito decorado, apenas mantinha-se combinando
LauraTudo era uma questão de interpretação. Essas palavras resumiam muito bem o que qualquer um pensou assim que me viu pisar na boate mais frequentada da Rocinha junto de Valentim, Isabel, Emily e Marcelo. Quem olhasse, podia apenas imaginar que éramos amigos de longa data, conversando e se divertindo como se nada demais estivesse acontecendo por trás dos panos, onde, na realidade, tudo era muito mais complicado do que aparentava ser, por mais infeliz que essa realidade me fizesse ficar.Suspirei, o mais discreta possível. Com meus olhos atentos, tentei procurar por rostos conhecidos em meio às pessoas — principalmente o de Lopes — mas não vi ninguém que merecesse minha atenção. Eram só estranhos, que, hora ou outra, tentavam se aproximar para jogar uma conversa fora, com palavras mais vazias do que qualquer outra que eu já tivesse dito antes — ou quase isso.Balancei minha cabeça, focando minha atenção em só continuar andando. Querendo ou não, isso era
LauraAssim que pisamos na pista de dança, todos se voltaram para nós, deixando meu ego ainda mais inflado do que ele já era. Sorri, passando minhas mãos pelos ombros de Valentim, entrando assim no ritmo da música, que agora não passava de apenas uma batida muito envolvente aos nossos ouvidos.Ele sorriu para mim, um sorriso de lado, safado e muito atraente. Não sei se estava me desafiando com aquele olhar intenso, mas senti até que tentava me induzir a cair de cabeça na dança, por mais diferente que fosse do que eu havia me acostumado nos seis últimos anos. E eu, como nunca rejeitava um bom desafio, comecei a seguir os passos que conhecia — ora rebolando, ora dançando colado a ele. Vez ou outra, mexia em meus cabelos, os jogando de um jeito que sempre capturava o olhar intenso de Valentim para mim, e isso me fazia lembrar da última vez que o tive tão perto e quase acabei jogando a promessa com minha mãe fora.Estar ali, colada a ele, era perigos
LauraBalancei minha cabeça, erguendo meus olhos para encarar um Valentim tão afetado quanto eu. Percebi naquele momento que, como da última vez, nós dois não podíamos ficar no mesmo lugar — sozinhos — ao mesmo tempo. Era um perigo, tanto para minha sanidade quanto para a dele. Por isso, não hesitei em dar alguns passos para trás, com uma ideia tomando controle de minha mente tão rápido quanto a duração do nosso beijo doce e proibido.— Eu preciso de um ar — murmurei, me afastando ainda mais dele. Sem esperar uma resposta, me virei e corri rumo a saída, embora não soubesse se estava mesmo indo na direção certa.As pessoas com quem eu me esbarrava resmungavam, ora xingando ou pedindo por mais cuidado. Em nenhum momento, cogitei pedir desculpas. Não tinha tempo para isso; eu realmente precisava fugir daquilo tudo que estava preso dentro de mim e ousava querer sair.Na verdade, eu só precisava de um motivo para fugir dali, e nunca tivera que ser muit
LauraA primeira coisa que notei após ouvir um tiro sendo disparado em minha direção fora o corpo de um dos meus capangas caindo, sem vida, em direção ao chão; a segunda, por sua vez, foi o ferimento em meu braço, que reluzia escarlate em meio à pouca luz; e, por fim, a cruel verdade que se esfregava na minha cara sobre aquele lugar: ele já não era mais meu lar, e minha cabeça realmente estava a prêmio.Olhei para os lados à procura do atirador, mas a única coisa que meus olhos eram capazes de notar era o líquido rubro que começava a escorrer até meus pés e manchava meus sapatos bejes.Não sei dizer ao certo o que senti naquele momento. Era uma onda de fúria que surgia do meu interior e me fazia ficar vermelha; espanto, dor, incredulidade. Sentimentos e emoções diversas que me faziam querer destruir tudo e a todos, até descobrir o que caralhos estava acontecendo ali.— Mas que…Não consegui terminar a frase. Outro disparo foi ouvido e por pouco não acertou minha perna esquerda. Em um
LauraEu queria afirmar com toda a certeza que não estava preocupada com a situação em que me encontrava naquele momento. Queria dizer que isso era fichinha e, por mais complicado que parecesse aos olhos de quem me visse assim, era só uma questão de tempo para que eu estivesse livre e com as informações que tanto desejava.Mas, não, nunca era tão simples assim.Eu estava ferrada, se considerasse meu machucado, a falta de armas ao meu dispor e o atirador bem experiente em minha frente. Claro, tudo tinha um jeito, e para aquela situação não seria diferente. Só bastava começar a pensar com calma, algo bem difícil de se fazer.Suspirando, olhei para os lados, tentando considerar todas minhas alternativas — que não eram muitas — e me deparei com meu antigo esconderijo. Ali talvez houvesse algo que poderia me ajudar; um singelo e nojento saco de lixo. Para qualquer outra pessoa em minha situação, isso não seria nada, mas para mim era uma oportunidade que não eu iria ousar desperdiçar, e só
ValentimO osso de uma perna quebrado, pulmões perfurados por vários tiros de fuzil e um buraco no meio da testa destacavam-se no corpo estendido — já em estado de decomposição — na minha frente. Se não fosse pelas tatuagens espalhadas por todo seu corpo, jamais imaginaria que aquele ali era o ex-atirador da polícia que trabalhava para mim desde que perdera tudo para seu vício em drogas e sua enorme dívida com a boca de fumo.— Onde vocês o encontraram? — perguntei, desviando meus olhos da cena e prendendo a respiração para não sentir aquele cheiro podre que vinha do cadáver, mas foi em vão; o fedor apenas se intensificou com o ato.— Dentro de uma caçamba de lixo, na parte mais afastada do morro — Marcelo, meu melhor amigo, disse, cobrindo seu nariz com seu braço esquerdo. — Por que não saímos daqui antes de conversarmos? Não aguento mais ter que sentir e ver essa nojeira.Apenas assenti, ordenando os capangas que haviam trazido o corpo até mim para se livrarem dele em um lugar mais
ValentimJá era a terceira vez que ouvia um som de grito agoniado vindo do corredor, formando uma melodia grotesca acompanhada de ossos sendo quebrados e pedidos de misericórdia. Eu sorri, sentado em uma poltrona confortável, de frente para outra cena que se destacava muito mais para mim do que a primeira.A mulher de cabelos castanhos longos, olhos cor de avelãs, arrogantes, vestida com uma blusa lisa azul-marinho e calças jeans clara, tentava a todo custo ignorar o barulho quase ensurdecedor, enquanto batia seus pés calçados com sapatos de salto alto de grife no chão de forma impaciente; me deixando tentado a ordenar que intensificassem a tortura sobre o homem que havia aparecido ali com ela só para vê-la entrar em desespero completo bem diante de mim.Mas eu não fiz isso. Não porque tive pena do homem — isso eu nunca teria —, mas, sim, por imaginar que, se o fizesse, não seria a forma mais fácil de obter as respostas que queria. Não era, se eu continuasse levando em consideração qu