Laura
Assim que pisamos na pista de dança, todos se voltaram para nós, deixando meu ego ainda mais inflado do que ele já era. Sorri, passando minhas mãos pelos ombros de Valentim, entrando assim no ritmo da música, que agora não passava de apenas uma batida muito envolvente aos nossos ouvidos.Ele sorriu para mim, um sorriso de lado, safado e muito atraente. Não sei se estava me desafiando com aquele olhar intenso, mas senti até que tentava me induzir a cair de cabeça na dança, por mais diferente que fosse do que eu havia me acostumado nos seis últimos anos. E eu, como nunca rejeitava um bom desafio, comecei a seguir os passos que conhecia — ora rebolando, ora dançando colado a ele.Vez ou outra, mexia em meus cabelos, os jogando de um jeito que sempre capturava o olhar intenso de Valentim para mim, e isso me fazia lembrar da última vez que o tive tão perto e quase acabei jogando a promessa com minha mãe fora.Estar ali, colada a ele, era perigosLauraBalancei minha cabeça, erguendo meus olhos para encarar um Valentim tão afetado quanto eu. Percebi naquele momento que, como da última vez, nós dois não podíamos ficar no mesmo lugar — sozinhos — ao mesmo tempo. Era um perigo, tanto para minha sanidade quanto para a dele. Por isso, não hesitei em dar alguns passos para trás, com uma ideia tomando controle de minha mente tão rápido quanto a duração do nosso beijo doce e proibido.— Eu preciso de um ar — murmurei, me afastando ainda mais dele. Sem esperar uma resposta, me virei e corri rumo a saída, embora não soubesse se estava mesmo indo na direção certa.As pessoas com quem eu me esbarrava resmungavam, ora xingando ou pedindo por mais cuidado. Em nenhum momento, cogitei pedir desculpas. Não tinha tempo para isso; eu realmente precisava fugir daquilo tudo que estava preso dentro de mim e ousava querer sair.Na verdade, eu só precisava de um motivo para fugir dali, e nunca tivera que ser muit
LauraA primeira coisa que notei após ouvir um tiro sendo disparado em minha direção fora o corpo de um dos meus capangas caindo, sem vida, em direção ao chão; a segunda, por sua vez, foi o ferimento em meu braço, que reluzia escarlate em meio à pouca luz; e, por fim, a cruel verdade que se esfregava na minha cara sobre aquele lugar: ele já não era mais meu lar, e minha cabeça realmente estava a prêmio.Olhei para os lados à procura do atirador, mas a única coisa que meus olhos eram capazes de notar era o líquido rubro que começava a escorrer até meus pés e manchava meus sapatos bejes.Não sei dizer ao certo o que senti naquele momento. Era uma onda de fúria que surgia do meu interior e me fazia ficar vermelha; espanto, dor, incredulidade. Sentimentos e emoções diversas que me faziam querer destruir tudo e a todos, até descobrir o que caralhos estava acontecendo ali.— Mas que…Não consegui terminar a frase. Outro disparo foi ouvido e por pouco não acertou minha perna esquerda. Em um
LauraEu queria afirmar com toda a certeza que não estava preocupada com a situação em que me encontrava naquele momento. Queria dizer que isso era fichinha e, por mais complicado que parecesse aos olhos de quem me visse assim, era só uma questão de tempo para que eu estivesse livre e com as informações que tanto desejava.Mas, não, nunca era tão simples assim.Eu estava ferrada, se considerasse meu machucado, a falta de armas ao meu dispor e o atirador bem experiente em minha frente. Claro, tudo tinha um jeito, e para aquela situação não seria diferente. Só bastava começar a pensar com calma, algo bem difícil de se fazer.Suspirando, olhei para os lados, tentando considerar todas minhas alternativas — que não eram muitas — e me deparei com meu antigo esconderijo. Ali talvez houvesse algo que poderia me ajudar; um singelo e nojento saco de lixo. Para qualquer outra pessoa em minha situação, isso não seria nada, mas para mim era uma oportunidade que não eu iria ousar desperdiçar, e só
ValentimO osso de uma perna quebrado, pulmões perfurados por vários tiros de fuzil e um buraco no meio da testa destacavam-se no corpo estendido — já em estado de decomposição — na minha frente. Se não fosse pelas tatuagens espalhadas por todo seu corpo, jamais imaginaria que aquele ali era o ex-atirador da polícia que trabalhava para mim desde que perdera tudo para seu vício em drogas e sua enorme dívida com a boca de fumo.— Onde vocês o encontraram? — perguntei, desviando meus olhos da cena e prendendo a respiração para não sentir aquele cheiro podre que vinha do cadáver, mas foi em vão; o fedor apenas se intensificou com o ato.— Dentro de uma caçamba de lixo, na parte mais afastada do morro — Marcelo, meu melhor amigo, disse, cobrindo seu nariz com seu braço esquerdo. — Por que não saímos daqui antes de conversarmos? Não aguento mais ter que sentir e ver essa nojeira.Apenas assenti, ordenando os capangas que haviam trazido o corpo até mim para se livrarem dele em um lugar mais
ValentimJá era a terceira vez que ouvia um som de grito agoniado vindo do corredor, formando uma melodia grotesca acompanhada de ossos sendo quebrados e pedidos de misericórdia. Eu sorri, sentado em uma poltrona confortável, de frente para outra cena que se destacava muito mais para mim do que a primeira.A mulher de cabelos castanhos longos, olhos cor de avelãs, arrogantes, vestida com uma blusa lisa azul-marinho e calças jeans clara, tentava a todo custo ignorar o barulho quase ensurdecedor, enquanto batia seus pés calçados com sapatos de salto alto de grife no chão de forma impaciente; me deixando tentado a ordenar que intensificassem a tortura sobre o homem que havia aparecido ali com ela só para vê-la entrar em desespero completo bem diante de mim.Mas eu não fiz isso. Não porque tive pena do homem — isso eu nunca teria —, mas, sim, por imaginar que, se o fizesse, não seria a forma mais fácil de obter as respostas que queria. Não era, se eu continuasse levando em consideração qu
LauraEu não imaginava que o novo dono do morro era um maldito de um filho da puta. Sinceramente, pensei que houvesse um pouco de esperança quando ele apareceu diante de mim e se manteve alheio ao meu showzinho gratuito. Mas, não, era só uma falsa impressão minha. O desgraçado era mais fodido do que todos os homens que eu havia visto durante minha vida inteira, talvez até mais do que meu pai, que já não era um bom exemplo desde o começo.E, para piorar, eu não conseguia entender o que passou pela minha cabeça durante os minutos que estive com ele. Uma hora ela parecia não funcionar direito, presa no calor que aquele homem me causava em partes que nem ouso comentar; já em outras fazia-me sentir tão irritada que apenas desejava acabar com toda aquela farsa e encenação ali mesmo, desconsiderando todos os esforços gastos para chegar até ali.Mas não me deixei levar por isso. Eu precisava ser digna da imagem que tinham de mim, ser a patricinha mimada — mesmo me considerando velha demais pa
LauraSe alguém me dissesse, há um mês atrás, que teria que me submeter a esse tipo de situação — onde deveria fingir ser aquilo que mais odiei — era bem provável que iriam ouvir minha risada em alto e bom som. Talvez acabasse levando um tiro no pé ou, na melhor hipótese, seria chutado em suas partes baixas como punição pela ousadia.Eu jamais poderia pensar que após voltar para o Brasil depois de uma viagem para a Itália, que durara mais de seis anos, encontraria meu lar — por mais conturbado que fosse — de ponta cabeça e nas mãos de um homem que até então era um desconhecido para mim. Sem falar que meu pai estava preso sabe-se lá onde, vivo ou até morto, e sem nenhuma chance de escapar inteiro dali sem minha ajuda.Uma ajuda que não estava tão disposta assim a dar.Pelo menos não antes de ser alvo de um ex-policial que desejava minha cabeça acima de tudo. Antes disso, mesmo com minha família envolvida, aquela situação parecia irreal demais. Portanto, não acreditei até o momento que
ValentimEu me sentia irritado comigo mesmo. Talvez fosse por ter achado aquela vadia muito sedutora e sexy, algo que poderia muito bem atribuir ao fato de estar há muito tempo sem uma foda decente. Em contrapartida, também poderia ser por ter que deixar minha vingança para escanteio por um curto período de tempo. Era bem provável que fosse uma combinação dos dois, e isso deixava meu humor péssimo ao ponto de ninguém — nem mesmo meu melhor amigo — querer ficar ao meu lado no banco traseiro do carro em que eu estava.Soltei um suspiro de frustração, focando minha atenção na paisagem da favela que passava pela janela do carro que Marcelo dirigia. Não tinha muito tempo que nós dois havíamos saído do galpão que usávamos como base, mesmo assim, não demoraria muito mais que vinte minutos para chegarmos até nosso destino final.No percurso, os veículos que passavam por nós eram, em sua maioria, de mototaxistas que levavam consigo pessoas amedrontadas, por motivos