Valentim
Era por volta do meio-dia quando recebi uma ligação de Marcelo dizendo que Fábio queria se encontrar com a filha do Antônio em um jantar após descobrir que ela já estava em minha casa, sob os meus cuidados.Eu não sei se posso dizer o que se passava na cabeça dele quando decidiu que queria vê-la antes do evento na boate. Muito menos se eu poderia dizer que gostava disso. Não, eu não gostava. Havia algo pairando sobre esta situação toda que estava me deixando com os nervos à flor da pele. E olha que, enquanto pensava nisso tudo, estava desconsiderando tudo que havia acontecido entre mim e Laura depois do café da manhã.Suspirei, frustrado por ter tido que aceitar tal "ordem" vindo de alguém que eu não — na teoria, pelo menos — precisava obedecer. Mas não tinha o que ser feito. Minha cabeça estava cheia demais por ter sacado minha arma e atirado com ela somente por uma provocação barata da minha principal inimiga; o que só me fez repensar se valiaValentimLinda não era a palavra que definia a mulher à minha frente. Não, estava bem longe de ser. Laura parecia uma musa grega, ou até mesmo as mais badaladas sambistas das escolas de samba que desfilavam com toda elegância no carnaval. Ela estava deslumbrante, um encanto igual às sereias da mitologia grega; bela e feroz, pronta para arrancar a língua de quem quer que a incomodasse. E isso não era de todo ruim para mim.O vestido preto, de mangas longas e colado parecia se encaixar perfeitamente em seu corpo esbelto, realçando cada curva e cada traço seu. Em contrapartida, a maquiagem não muito forte tornava seu rosto mais angelical, mais leve, como se ela não tivesse nenhuma preocupação tirando sua paz; como se aquilo que aconteceu entre nós de manhã não tivesse lhe atingido de verdade e tudo não passou de um delírio da minha mente perturbada.Se seu vestido não fosse de mangas longas e seus olhos não tivessem hesitado ao me ver, eu até poderia ter acre
LauraTenho que dizer que não consegui entender o que se passava por minha mente durante os momentos que fiquei mais próximo de Valentim. O jeito que ele estava agindo após toda aquela situação complicada que nós vivenciamos após o café da manhã quase me fazia acreditar que ele estava arrependido. Tinha minhas dúvidas, além de saber que tudo também poderia ser um jogo simples onde quem conquistava o outro primeiro ganhava; algo que nem eu e nem ele tínhamos ideia de quem estava liderando.Suspirei, atraindo sua atenção para mim. Ele dirigia a uma velocidade considerável pelas ruas do Rio, em direção a um lugar que me parecia ser um bairro bem chique e badalado.Não imaginava o que esperar daquele jantar. Poderia ser qualquer coisa, qualquer pessoa querendo ver a encrenca que eu havia me metido ou, talvez, alguém que queria me ajudar agora que eu estava aqui? Não seria estranho, muito menos impossível. Graças a Emily, uma tagarela, eu havia descoberto que m
LauraQuando enfim atravessei a porta misteriosa, não consegui esconder meu encanto com o ambiente. Haviam belíssimas pinturas de flores em preto e branco espalhadas pelas paredes, enquanto um sofá lateral preto contornava duas pequenas mesas de mármore branco, dívidas por uma divisória que fazia parte do móvel negro. Sobre elas jaziam, em cada uma, cinco taças vazias e duas garrafas de vinho tinto. Tudo devidamente preparado para trazer o maior conforto e elegância possível.Não nego que meus olhos brilharam, muito menos que nem cheguei a notar a única pessoa que destoava do ambiente com seu terninho azul marinho, elegante e curioso. Sorri para ele, um pouco envergonhada por tê-lo ignorado por um tempo que eu nem sabia o quanto era. Ele simplesmente retribuiu meu sorriso, trazendo para mim aquela sensação de familiaridade.O homem que havia aparecido com Valentim posicionou-se em pé ao lado do homem de meia idade que já estava presente ali. Tentei me forç
ValentimVi quando o rosto de Laura perdeu a cor e seus olhos ficaram tão opacos que pensei, por um segundo, que ela ia desmaiar. Para ser sincero, não consegui entender sua reação até olhar para o conteúdo da maleta que Fábio apresentava com tamanho orgulho.Uma faca tática estava posta com todo cuidado ao lado de alguns documentos; sua lâmina era serrilhada, negra como a noite, e possuía um símbolo que não me era estranho. Eu já o tinha visto em algum lugar, e acabei deduzindo que Laura compartilhava da mesma opinião, uma vez que ela murmurou um "isto é…" acompanhado de um "não é possível" enquanto uma de suas mãos tampava sua boca.— Parece que você reconheceu isso, minha querida — Fábio observou, com um sorrisinho de lado.— É-É claro — ela gaguejou, me causando certa estranheza. Essa era a primeira vez que a via agir de uma forma tão estranha. — Eu morei seis anos na Itália, então é impossível não reconhecer isto.— Realmente. — Ele
Valentim— Algum problema, Valentim? — Vicente perguntou, um tempo depois da saída de Laura e como se nós fôssemos próximos. Virei meu rosto em sua direção, nada feliz com sua falta de senso e noção sobre sua verdadeira posição na hierarquia do morro.— Meu assunto não é com você, capacho — retruquei, o vendo torcer a cara nada contente. No começo, não liguei para isso, apenas dei alguns passos em direção ao meu verdadeiro alvo. — Quero conversar um pouquinho com você a sós, Fábio. Pode mandar esse seu cão de guarda embora para bem longe daqui?— Se é o que meu querido amigo quer, por que não? — Sorriu, falso como uma víbora. — Me deixe sozinho com ele, Vicente.— Mas, senhor…— Tudo bem, nada demais vai acontecer — o tranquilizou, e eu cerrei o meu maxilar, pois ele estava certo, infelizmente.— Ok. Mesmo a contragosto, Vicente saiu da sala, deixando a mim e Fábio a sós.— O que você quer conversar, Valentim?
LauraO dia mal havia amanhecido e eu já me encontrava totalmente desperta, sem conseguir pregar meus olhos direito desde que me reencontrei com Fábio, há dois dias atrás. Na tela do meu celular, os números zero, três, vinte e cinco brilhavam, informando para mim que ainda demoraria muito para que uma alma viva pudesse ser ouvida naquela casa gigante. E isso era tão frustrante que chegava a me sufocar.Eu queria conversar com alguém sobre todos os sentimentos que estavam entalados em minha garganta, tudo que não poderia deixar sair na presença de Lopes, de Valentim, de Isabel e de Emily. Era tanta coisa, tantos fantasmas que haviam voltado para me assombrar depois de tanto tempo; como se quisessem tirar o que havia sobrado da minha paz, da minha sanidade mental após perder minha mãe, a única que sabia lidar com minhas crises noturnas e as lágrimas que escorriam por meus olhos na calada da noite, sem que ninguém visse.Suspirei, cansada de ficar ali, escora
Laura — Bom dia, flor do dia! Como está se sentindo depois de ter passado dois dias quase inteiros trancada em seu quarto? — Emily perguntou para mim, sem deixar de ressaltar a parte sobre minha pequena estadia prolongada em meu retiro provisório.— Um verdadeiro caco, como você pode ver — falei, erguendo meus ombros. O cansaço evidente em minha voz não passou despercebido por nenhuma delas.— Eu vejo — disse, e sorriu, tentando, de algum jeito, me alegrar com tal ato. Admito que me senti melhor só por esse pequeno gesto vindo dela. — Já que está assim, que tal se sentar aqui perto de mim e aproveitar esse banquete que temos à nossa disposição?— Não é uma má ideia.Dessa vez quem sorriu fui eu, não demorando para me aproximar da mesa somente para me sentar e poder começar a comer. Isabel, que estava calada até então, voltou seus olhos azuis para mim, encarando-me sem nenhum tipo de vergonha ou constrangimento.— Você não quer
ValentimNão sei explicar direito como foi minha rotina naquele dia. Eu apenas encontrei-me frustrado pelo segundo dia seguido ao não ver minha querida inimiga transitando pela minha casa, como se ela lhe pertencesse. Eu sabia que não era certo me sentir de tal forma — afinal, eu só queria alguém para me tirar da mesmice —, muito menos descontar minha raiva na primeira pessoa que atravessasse meu caminho, mas eu fiz, do jeito que provavelmente me renderia uma discussão quando visse Laura novamente — tudo que eu mais queria, por mais que isso soasse contraditório aos meus ideias.Sorri, recordando da cara do capacho, Lopes, quando lhe avisei que ele deveria se mudar para a casa dos empregados, ao lado da minha, apenas porque eu não queria vê-lo durante a noite, usando e abusando das mordomias que minha residência oferecia — uma vez que estar aqui em minha casa era, acima de tudo, um cárcere privado.Soltei um risinho satisfeito, saboreando o possível confro