Kim
Um ano e meio antes...
— Kim? Kim venha aqui, filha. Temos algo para te falar. — Escuto mamãe gritar do andar de baixo e sem ânimo encaro o teto do meu quarto.
— Já estou indo, mamãe! — respondo com um tom sobressaltado para ela me ouvir e ansiosa, pulo para fora da minha cama.
Desde que a Ollie saiu de casa há alguns dias tudo aqui ficou quieto demais, não importa o quão eu seja animada, nada é mais como antes.
— Kim, venha logo, filha! — Ela insiste com uma animação que eu desconheço e empolgada, saio com pressa do quarto. — Vai ser o melhor a fazer, querido. — A escuto dizer para o meu pai à medida que desço os batentes da escadaria e isso me faz desacelerar. — Não podemos correr o risco de perdê-la para esse mundo cruel como aconteceu com a sua irmã.
Suspiro.
Está acontecendo de novo. Penso sentindo o meu coração se comprimir dentro do meu peito.
— Ah, você está aí, querida! — A Senhora Martin fala com um tom doce na voz que também não reconheço. Quer dizer, ela não é uma mãe má, mas também não é um exemplo de amor e de carinho. A verdade, é que eu fui criada no seio de uma família extremamente conservadora e cheia de regras, e a minha mãe é um tanto rígida quanto a nossa educação. O meu pai então nem se fala. Ele rege essa família com punhos de ferro. Contudo, a Senhora Martin também se considera casamenteira. Portanto, a sua melhor habilidade é arranjar casamentos para as moças desse bairro. Uma tradição ridícula que transcende o século atual. Penso que ela tentou fazer isso com a Ollie, mas felizmente não deu certo. Agora sinto que é a minha vez de passar por todo esse tormento. — Sente-se, querida. — Desperto quando ela me pede.
— O que está acontecendo? — pergunto me acomodando em uma cadeira, mesmo sabendo da sua resposta.
— Filha, você já tem a maior idade já tem algum tempo. — Ela começa, mas apenas olho de um para o outro sem nada a dizer. — E pensamos que já está na hora de você assumir uma responsabilidade, meu amor.
— Uma responsabilidade? — Mamãe meneia a cabeça de uma forma positiva, mas eu procuro os olhos do meu pai que nesse instante estão rígidos me encarando. — E o que isso quer dizer?
— Que você precisa se casar, filha.
— Não! — rebato enfática sem pensar duas vezes, ficando de pé.
Essa é a primeira vez que a respondo um tanto autoritária.
— Acontece que não é você quem decide isso, Kimberly! — Papai fala duramente pela primeira vez me fazendo engolir em seco. — A caso quer ficar mal falada igual a sua irmã? — Fecho as mãos em punho, à medida que seguro firme o tecido da saia do meu vestido.
— Se eu não decido nada aqui então por que estão me contando como se eu tivesse uma escolha?
— Sente-se, garota. Não seja insolente com seus pais, Kim!
— Vocês não podem fazer isso comigo! — retruco baixo, porém, firme. — Não podem decidir a minha vida como se ela fosse a droga de um jogo de tabuleiro!
— Vá para o seu quarto, Kimberly e pense um pouco nesse seu comportamento grosseiro. — Abro a boca para rebater, mas sou estupidamente interrompida. — Vá, e só saia de lá na hora do jantar. O seu futuro marido virá para cortejá-la. — Sem pensar duas vezes corro para a escadaria e subo os batentes com pressa, trancando-me no meu quarto, e imediatamente me jogo na minha cama.
Cortejar-me. A que século eles pertencem a final?
— Você disse que viria me buscar, Ollie — sibilo chorosa, abraçando o travesseiro. — Por que você não vem logo e me tira de uma vez desse lugar?
Algumas horas depois estou em agonia e andando de um lado para o outro dentro do cômodo apertado. A noite está chegando e eu sei que não poderei me livrar desse futuro trágico.
***
O som das vozes animadas vindo da sala de visitas da minha casa me diz que está na hora de enfrentar o meu destino. Portanto, desço as escadas devagar entre um suspiro e outro, sentindo o controle da minha vida ser arrancado das minhas mãos. Eu tenho um sonho, mas a partir de hoje sei que ele nunca se tornará uma realidade. Não com esse casamento inesperado, a final não importa quem seja o meu noivo e futuro marido, ele nunca me permitirá vive-lo um dia.
— Olha ela aí! — Papai fala com uma certa animação na voz, fazendo um gesto para eu me aproximar. — Filha, se lembra do Senhor Galbir, ele é o banqueiro aqui da nossa cidade. Faço uma análise rápida do homem em pé na minha frente enquanto o meu pai nos apresenta. Ele é um homem velho e careca que deve ter pelo menos uns sessenta anos.
Isso é uma grande loucura. Penso quase que petrificada.
— Isso é para você, querida. — Ele diz me estendendo um buquê de rosas vermelhas que apenas fito em silêncio, porém, a minha mãe o recebe por mim.
— Boa noite, Senhor Galbir! — Forço a minha voz a sair da minha garganta apenas por educação me acomodando no sofá maior do lado de minha mãe, porém, bem longe dele.
— Me diga se a Kim não é a coisa mais linda que já viu, Senhor Galbir? — Mamãe comenta me deixando desconfortável. Contudo, o olhar guloso do homem cai em cima de mim, avaliando-me de cima a baixo. — A Kimberly é uma menina muito doce. Ela é muito prendada e nunca responde mal, não é verdade, filha? — Engulo sentindo a minha garganta arder devido a sua secura.
— Mãe, eu posso...
— Querida, sirva um café para o Senhor Galbir. — Ela pede me interrompendo e obediente, vou fazer o que me pediu.
— Senhor e Senhora Martin, eu gostaria de realizar o nosso casamento em uma semana se isso não for um problema para vocês. — Essa informação me faz largar bruscamente a bandeja com algumas xícaras que estão em cima dela e com o impacto da porcelana no chão, o líquido quente molha as minhas pernas, mas o queimor não é meu maior incomodo agora.
— Kimberly, querida, você está bem? — Senhor Galbir pergunta se aproximando rapidamente. Ele parece assustado... preocupado eu acho. Contudo, eu me afasto rapidamente, fazendo-o lançar-me um olhar confuso.
— Filha, responda para o Senhor Galbir! — Mamãe exige. Entretanto, eu queria correr para bem longe daqui.
— Eu... estou bem — gaguejo com um tom baixo demais, recebendo um sorriso seu.
— Vai se limpar, filha e volte para jantar conosco. — Céus, isso soou como música para os meus ouvidos. Penso saindo da sala o mais rápido que posso direto para o banheiro, mas ao entrar no cômodo ofego de desespero.
Deus, eu não consigo fazer isso. Eu não posso me casar com um homem como esse. Penso segurando as lágrimas que insistem em queimar os meus olhos sem dó. Contudo, respiro fundo algumas vezes, paço um pano úmido nas minhas pernas e me forço a voltar para o meio deles.
... Pliê... Tendu... Pliê... Rond de jambe.
Repito cada passo de uma dança clássica de balé dentro da minha cabeça apenas para fugir da conversa na mesa. Eu realmente não quero ouvir sobre os planos para esse dia e não quero saber dos detalhes dessa minha nova prisão. No entanto, desperto com o pedido repentino da minha mãe.
— Querida, leve o seu noivo até o portão. — Engulo em seco outra vez e como se eu fosse um robô me levanto da cadeira e o sigo para fora de casa.
— Logo você será a minha esposa, querida Kimberly. Você precisa perder essa sua timidez e falar mais abertamente comigo. — Ele sugere parando bem na saída da casa. Um sorriso seguido de um gesto carinhoso e uma beijo curto, porém, inesperado no canto da minha boca provoca uma violenta ânsia de vômito. — Boa noite, meu anjo! — Com uma respiração profunda o observo se afastar e depois ele entra no seu carro, só então me permito sair correndo direto para o banheiro da casa e debruçada no vaso sanitário ponho o pouco que ingeri do jantar para fora.
Deus, eu não posso ficar aqui esperando esse dia chegar. Penso determinada. Eu preciso sair daqui o quanto antes. Preciso fugir de casa ou esse será o meu fim.
ArtêmisTrês anos antes...... Para Athos! Para o carro, porra!Grito completamente apavorado enquanto ele acelera como um louco no asfalto molhado.... PARA! VOCÊ VAI NOS MATAR, CARALHO!Berro dessa vez, mas é tarde demais e o controle da toda a situação escapa das minhas mãos sem que eu possa detê-lo....— Oi, querido! — Escuto o som baixo da voz de Corina bem do meu lado e com uma respiração profunda abro os meus olhos, percebendo que estou em um leito de hospital.— O que aconteceu? — pergunto aturdido, olhando para os fios colados no meu corpo e depois para as máquinas que não param de fazer barulho. — Onde estou? — inquiro apavorado, arrancando os fios e logo as máquinas começam a protestar.— Calma, Artêmis, fique calmo por favor! Você sofreu um acidente e precisa ficar parado. — Ela pede segurando as minhas mãos que não param de se mexer. Entretanto, lembranças de algumas cenas de terror preenchem a minha mente. Vidros quebrados, pessoas se aproximando de todos os lados. A m
Kim— Kim, filha, olha o que acabou de chegar aqui pra você! — Mamãe entra esfuziante no meu quarto. Ela segura uma caixa branca grande e um tanto pesada. Curiosa me ponho de pé, porém, não chego perto. Apenas espero ela a abrir e não demora para um lindo e exuberante vestido de noiva aparecer no meu campo de visão. No mesmo instante perco a capacidade de respirar, pois a visão do vestido torna tudo mais real. — Meu Deus, como ele é muito lindo, filha! Realmente o Senhor Galbir tem muito bom gosto. O que achou dele, querida? — Não a respondo. Eu simplesmente não tenho palavras para dizer, só continuo olhando para o objeto, enquanto puxo uma respiração que não vem. — Eu vou deixá-lo aqui mesmo no seu quarto, querida. Assim poderá admirá-lo até o momento do casamento. — Ela fala e o arruma em um cabide, abrindo um sorriso tão grande que quase não cabe no seu rosto e por fim, sai do quarto fechando a porta.Admirá-lo até o momento. Eu sinto raiva só de olhá-lo. Penso e saio imediatament
ArtêmisDias atuais... Eu costumava passar boa parte da minha vida trancado nesse quanto e olhando pela janela e me perdendo nas dores do meu passado. Lembrar do meu fracasso, da forma como perdi o que eu mais amava sempre me manteve com os meus pés no chão. Mas a pior parte foi ter que aceitar que ela não seria mais minha. Que a minha atual condição a afastou para sempre de mim e que eu nunca teria outra pessoa na minha vida além dela. Jamais amarei outra pessoa como a amei. Mas principalmente, eu nunca ousadia conquistar outro alguém. Ela não merece um fardo tão pesado quanto o meu. Contudo, vê isso escrito em um papel timbrado com letras douradas dizendo para mim com todas as palavras que a perdi para sempre é o que está me matando agora. Corina se afastou de mim há três anos, porém, essa é a primeira vez que a vejo beijando outro homem que não seja eu nas redes sociais e droga, ela está tão feliz! Trinco o maxilar e com raiva jogo o celular para bem longe de mim. Aperto um botão
Kim... Por Deus, homem levante-se dessa cadeira ou vai se queimar todo!Você não podia fazer um papel mais ridículo do que esse, Kim. Penso enquanto me curvo suavemente e dou um rodopio igualmente suave, erguendo os meus braços para encerrar a minha dança. O meu propósito era me esquecer do papel de idiota que paguei na noite passada, mas não funcionou. O que é de se admirar já que a dança sempre funcionou para mim.... Ah... me desculpe eu... ... Sua estúpida! ... Por favor, deixe-me ajudá-lo! ... Não ouse me tocar!Eu preciso fazer algo para consertar esse meu erro, droga! É claro que ele ficou irritado comigo. Uma louca completamente estranha invade a sua casa de repente, se senta na sua mesa e ainda o constrange daquela maneira na frente de todos? Bufo audivelmente e adentro a casa um tanto cautelosa. A última coisa que eu quero agora é encontrar o Senhor Malvadão na minha frente.Rio desse apelido. Até que combina bem com ele.— Bom dia, Kim!— Ah, bom dia, Victória! Onde est
KimFouettés.Fouettés.Fouettés.Repito nos meus pensamentos, girando e girando sem parar e quando enfim paro, me curvo esticando a ponta de um dos pés, mantendo os meus braços em posição como se eles fossem lindas asas.Plié.Tendu. Plié.Enquanto faço os passos mais complicados do balé clássico, é fácil imaginar uma linda e imensa plateia me assistindo. O som da orquestra sinfônica ditando a intensidade ou a ternura da história contada por uma dança leve como uma pluma, mas que também pode carregar uma tragédia no seu conto. Juro que consigo ver a sensibilidade nos seus olhos, as lágrimas emocionadas e me sinto viva com isso. E para finalizar...Fouettés.Fouettés.Fouettés.— Ah! — Solto um grito de susto quando sinto o meu pé esbarrar fortemente em algo duro, me fazendo desequilibrar repentinamente e em uma fração de segundos estou sentada no colo de Artêmis Mazza. Inevitavelmente o olho nos olhos completamente ofegante, mas ele está me olhando com tanta raiva que eu caio na rea
Artêmis— Me beija, Artêmis. Me beija!Ela pede tão sofregamente e tão perto do meu rosto que me sinto instintivamente atraído pela pele sensível. Inevitavelmente os meus olhos encaram os seus lábios carnudos pintados de um tom de rosa claro e me pego fechando os meus olhos quando o desejo me inflama por dentro. O meu coração luta bravamente dentro do meu peito, rasgando cada músculo seu com violência em uma busca brutal pela sua liberdade assim que a minha boca roça suavemente na sua. Deus, como quero reivindicá-la para mim, mesmo sabendo que não tenho esse direito. As minhas veias antes gélidas começam entrar em ebulição, a queimar, arder de uma forma quase insuportável, e logo me sinto sufocar com essa aproximação tão absurda quanto avassaladora. Contudo, antes que algo realmente aconteça aqui, Kim parece perder as suas forças e a sua cabeça pende repentina sobre o meu ombro.— Kim? — A chamo baixinho, porém, levemente ofegante, mas ela não se mexe. — Kim, você dormiu? — ralho com
KimAlguns minutos antes...— Ai! Ai! Ai, como dói! — resmungo sentindo a minha cabeça latejar e imediatamente levo uma mão a minha cabeça me sentando no colchão. Só então me forço a abrir os olhos e para a minha surpresa encontro um copo de suco e uma aspirina em cima da mesinha de cabeceira. Não penso duas vezes e engulo o comprimido, esvaziando o copo logo em seguida. Minutos depois, estou de banho tomado e ansiosa para tomar um delicioso café da manhã. Contudo, sinto o meu estômago embrulhar só de sentir o cheiro da comida.Hu, pelo jeito não vou conseguir ingerir nada, nem mesmo a cara de mal humor de Artêmis Mazza me desce bem hoje. Será que ele não se cansa de estar com raiva o tempo todo? Ralho mentalmente quando ele solta um resmungo de desaprovação me fazendo revirar os olhos internamente.Quer saber, nem vale a pena debater com ele!— Eu vou praticar a dança lá no jardim, mais tarde pego um copo de suco na cozinha, pode ser? — falo para a minha irmã, saindo antes que um cer
ArtêmisMomentos antes da boate...— Senhora Mazza, aqui estão os papéis que me pediu. — Uma funcionária diz adentrando o meu escritório.— Deixe-os na minha mesa! — ordeno sem olhá-la e logo escuto a porta se fechar.— Será amanhã de noite, Artêmis. — Athos diz invadindo a minha sala e eu me forço a erguer a minha cabeça para olhá-lo. — Você está bem? — Ele interpele preocupado.— Estou e como vai ser? — Tento mantê-lo no assunto anterior e mesmo analisando o meu rosto por alguns segundos, ele se senta em uma cadeira de frente para mim e sorri.— Vou precisar viajar bem cedo, mas posso resolver algumas coisas por telefone e você terá que sair mais cedo daqui claro. A Victória já estará preparando tudo e quando chegarmos, quero que ela seja surpreendida por todos.— Ótimo, será tudo exatamente como você deseja, irmão. — Ele franze a testa.— Tem certeza de que está tudo bem com você? — Reviro os olhos com impaciência.— Eu já disse que sim, Athos. Agora saia, eu preciso trabalhar ness