Artêmis
Dias atuais...
Eu costumava passar boa parte da minha vida trancado nesse quanto e olhando pela janela e me perdendo nas dores do meu passado. Lembrar do meu fracasso, da forma como perdi o que eu mais amava sempre me manteve com os meus pés no chão. Mas a pior parte foi ter que aceitar que ela não seria mais minha. Que a minha atual condição a afastou para sempre de mim e que eu nunca teria outra pessoa na minha vida além dela. Jamais amarei outra pessoa como a amei. Mas principalmente, eu nunca ousadia conquistar outro alguém. Ela não merece um fardo tão pesado quanto o meu. Contudo, vê isso escrito em um papel timbrado com letras douradas dizendo para mim com todas as palavras que a perdi para sempre é o que está me matando agora. Corina se afastou de mim há três anos, porém, essa é a primeira vez que a vejo beijando outro homem que não seja eu nas redes sociais e droga, ela está tão feliz! Trinco o maxilar e com raiva jogo o celular para bem longe de mim. Aperto um botão da minha cadeira de rodas e ela imediatamente corre para fora do meu esconderijo. Entretanto, quando o pequeno elevador que me leva a sala de visitas se abre escuto o som de algumas vozes animadas e resolvo ir para o jardim. Não estou a fim de comemorações agora.
— O que faz aqui, meu garoto? — A voz doce de Victória me acalenta. Ela me lembra um pouco da minha mãe e mata um pouco dessa saudade que me sufocou por anos. Devo dizer eu sou grato a Olívia pela sua presença aqui na minha casa.
— Não é nada, não se preocupe. Eu só quero ficar sozinho um pouco.
— Hum, entendi. Você não quer falar, mas quando quiser eu estarei bem aqui. — A sua mão descansa no meu ombro e logo a minha mão para sobre a sua, recebendo de bom grado o seu carinho. — Você já conheceu a Kim?
— Kim?
— Ela é a irmã da Olívia.
— Ah, ela está aqui?
— O Romão a trouxe.
— Romão?
—É uma longa história.
— Entendi. Me desculpe, Victória, mas eu não estou a fim.
— Tudo bem, querido, vai no seu tempo.
— Obrigado!
— Farei um jantar especial essa noite em comemoração à sua vinda. Espero que esteja melhor até lá.
Temo que nunca ficarei melhor. Penso com um suspiro sutil. No entanto, apenas sorrio para ela recebendo um daqueles beijos doces no meu rosto que só ela sabe dar. Ainda não sei por que me lamento tanto. Essa é a minha verdadeira condição desde aquela noite fatídica e já devia tê-la aceitado. Entretanto, não é esse o meu problema e sim o fato de me sentir vazio o tempo todo.
Com a noite se aproximando decido entrar na casa, porém, apenas os observo festejar em um canto afastado. Uma conversa animada e o fato de Olivia estar radiante é o que me deixa feliz. A final, ela foi a causa de tanta mudança nessa casa, de trazer a vida de volta para esse lar e de resgatar o meu irmão do seu inferno. Por causa dela eu tenho um motivo especial para sorrir todos os dias. Então sim, estou feliz muito por ela. Durante o jantar a conversa animada faz todos rirem o tempo todo e o fato de a garota evite me olhar me dá a possibilidade de analisá-la um pouco. Ela tem um sorriso fácil e gosta de falar como a sua irmã, mas é agitada demais para o meu gosto, embora isso não seja tão ruim assim.
— Faz tempo que não temos uma mesa tão cheia de pessoas assim. — Resolvo me envolver na conversa e pela primeira o seu olhar encontra o meu. Eles são brilhantes e cheios de vida. Vida que eu já nem tenho mais.
— É bom ir se acostumando, irmão porque essa mulherada estará conosco de agora em diante. — Athos fala e eu posso afirmar que essa sua alegria é quase palpável. No entanto, dou de ombros.
— Pode ter certeza de que não vou reclamar, mano. — Estendo a minha mão para pegar uma xícara de café, porém, sem desviar os meus olhos das pessoas que nesse instante nos cercam e sem perceber, viro o conteúdo quente nas minhas pernas, mas o fato de não sentir dor arrasa comigo.
— Por Deus, homem levante-se dessa cadeira ou vai se queimar todo! — A garota grita me fazendo desviar os olhos desse incidente patético e imediatamente todos ficam no mais completo silêncio. A sua atitude me deixa envergonhado, porém, puto da vida. Contudo, a sua ficha parece finalmente cair.
— Ah... me desculpe eu... — Ah, não faz isso! Rosno mentalmente e não seguro a minha explosão.
— Sua estúpida!
Eu não preciso da sua pena. Não preciso da pena de ninguém.
Inferno!
— Por favor, deixe-me ajudá-lo! — Ela pede agora desconfortável, pega um lenço em cima da mesa e quando se inclina, eu dou uma ré na cadeira. Um par de olhos doces, porém apavorados me encaram, mas já é tarde demais. Eu queria fulminá-la apenas por tentar me tocar.
— Não ouse me tocar! — Um tom frio passa pela minha garganta e a vejo encolher a sua mão no mesmo instante. —Eu não preciso da sua ajuda e nem da ajuda de ninguém! — digo ainda mais irritadiço, saindo da sala imediatamente e vou direto para o meu quarto. — AAAAAH! — berro ensandecido passando a minha mão pela mesa de escritório montada no meu quarto e tudo em cima dela vai ao chão. — Uma batida suave na porta me faz olhar direto para a madeira. — VAI EMBORA! — grito porque não quero ver ninguém.
— Artêmis, sou eu a Victória. — Fecho os meus olhos bem apertados para não a machucar com as minhas palavras e só após respirar bem fundo decido lhe responder.
— Só vai embora, eu quero ficar sozinho — sibilo sentindo um nó apertar a minha garganta e para o meu alívio, ela não insiste. Solto o ar pela boca.
Garota estúpida! Como ela pode ser tão idiota assim? Rosno mentalmente e após um grande esforço para sentar-me na minha cama, pego o meu celular e decido olhar as redes sociais outra vez. Bufo ao ver mais uma foto dela com o mesmo homem.
— Eu não preciso de você também — grunho a excluindo do meu ciclo de amizade e volto a largar o aparelho de qualquer jeito.
***
No dia seguinte...
Me olho no espelho pela terceira vez me sentindo orgulhoso de mim mesmo. Hoje estou voltando a trabalhar na Law e Order. É o meu primeiro dia desde que me afastei e estou ansioso por isso. Portanto, vesti o meu melhor terno e pus a minha melhor gravata também. Pressiono os lábios quando penso que terei que enfrentar aqueles olhares de pena e especulativos outra vez, mas preciso seguir com a minha vida, certo? Não dá para simplesmente ficar parado aqui e deixar a minha vida passar como as correntes das águas de um rio. Assim que o elevador se abre recebo na sala de visitas da mansão uma recepção que eu não esperava e não seguro um sorriso largo, e satisfeito de todos os meus amigos.
— Isso é para você, querido. — Victória diz se aproximando.
— Como soube? — inquiro quando abro a pena e estreita caixa aveludada, revelando uma caneta prateada dentro dela.
— O Athos contou. — Olho para o meu irmão que faz um gesto desdenhoso para mim. — Quero que faça muitas assinaturas importantes com ela.
— Pode deixar, Vick! — Recebo o seu beijo carinhoso. O primeiro do dia.
— Estou feliz que esteja voltando, meu irmão!
— Obrigado, irmão! — Depois, receber o abraço de todos ficou bem mais fácil. Contudo, não vi a garota sem noção durante o café da manhã e dei graças aos céus por isso. Ela está me evitando e eu acho isso ótimo! — Vamos? — pergunto ansioso bebendo o meu último gole de café e me afasto da mesa.
— Só um instante, Artêmis. Eu vou me despedir das crianças. — Ele pede e eu concordo. No entanto, ao me aproximar de uma janela da sala de visitas a vejo no jardim. Os seus movimentos graciosos, a maneira como ela mexe o seu corpo, os olhos fechados e as suas mãos... elas se mexem como o leve bater das asas de uma borboleta. Me pego suspirando com a sua visão. Kimberly parece completamente absorta de tudo ao seu redor.
— Lindo, não é? — A voz de Olívia me pega de surpresa e eu solto um pigarro incomodado por ter sido descoberto. — Ela ama dançar! — Minha cunhada comenta e outra vez me pego preso a sua visão.
— Vamos? — Athos fala atrás de nós e não penso duas vezes em me afastar da janela para ir para o carro. Entretanto, quando o veículo entra em movimento impulsivamente olho na direção da bailarina no mesmo instante que ela dá um salto e o seu rosto encontra os raios solares, que dão um tom lindamente dourado a sua pele e é o fim, eu não consigo mais vê-la.
Kim... Por Deus, homem levante-se dessa cadeira ou vai se queimar todo!Você não podia fazer um papel mais ridículo do que esse, Kim. Penso enquanto me curvo suavemente e dou um rodopio igualmente suave, erguendo os meus braços para encerrar a minha dança. O meu propósito era me esquecer do papel de idiota que paguei na noite passada, mas não funcionou. O que é de se admirar já que a dança sempre funcionou para mim.... Ah... me desculpe eu... ... Sua estúpida! ... Por favor, deixe-me ajudá-lo! ... Não ouse me tocar!Eu preciso fazer algo para consertar esse meu erro, droga! É claro que ele ficou irritado comigo. Uma louca completamente estranha invade a sua casa de repente, se senta na sua mesa e ainda o constrange daquela maneira na frente de todos? Bufo audivelmente e adentro a casa um tanto cautelosa. A última coisa que eu quero agora é encontrar o Senhor Malvadão na minha frente.Rio desse apelido. Até que combina bem com ele.— Bom dia, Kim!— Ah, bom dia, Victória! Onde est
KimFouettés.Fouettés.Fouettés.Repito nos meus pensamentos, girando e girando sem parar e quando enfim paro, me curvo esticando a ponta de um dos pés, mantendo os meus braços em posição como se eles fossem lindas asas.Plié.Tendu. Plié.Enquanto faço os passos mais complicados do balé clássico, é fácil imaginar uma linda e imensa plateia me assistindo. O som da orquestra sinfônica ditando a intensidade ou a ternura da história contada por uma dança leve como uma pluma, mas que também pode carregar uma tragédia no seu conto. Juro que consigo ver a sensibilidade nos seus olhos, as lágrimas emocionadas e me sinto viva com isso. E para finalizar...Fouettés.Fouettés.Fouettés.— Ah! — Solto um grito de susto quando sinto o meu pé esbarrar fortemente em algo duro, me fazendo desequilibrar repentinamente e em uma fração de segundos estou sentada no colo de Artêmis Mazza. Inevitavelmente o olho nos olhos completamente ofegante, mas ele está me olhando com tanta raiva que eu caio na rea
Artêmis— Me beija, Artêmis. Me beija!Ela pede tão sofregamente e tão perto do meu rosto que me sinto instintivamente atraído pela pele sensível. Inevitavelmente os meus olhos encaram os seus lábios carnudos pintados de um tom de rosa claro e me pego fechando os meus olhos quando o desejo me inflama por dentro. O meu coração luta bravamente dentro do meu peito, rasgando cada músculo seu com violência em uma busca brutal pela sua liberdade assim que a minha boca roça suavemente na sua. Deus, como quero reivindicá-la para mim, mesmo sabendo que não tenho esse direito. As minhas veias antes gélidas começam entrar em ebulição, a queimar, arder de uma forma quase insuportável, e logo me sinto sufocar com essa aproximação tão absurda quanto avassaladora. Contudo, antes que algo realmente aconteça aqui, Kim parece perder as suas forças e a sua cabeça pende repentina sobre o meu ombro.— Kim? — A chamo baixinho, porém, levemente ofegante, mas ela não se mexe. — Kim, você dormiu? — ralho com
KimAlguns minutos antes...— Ai! Ai! Ai, como dói! — resmungo sentindo a minha cabeça latejar e imediatamente levo uma mão a minha cabeça me sentando no colchão. Só então me forço a abrir os olhos e para a minha surpresa encontro um copo de suco e uma aspirina em cima da mesinha de cabeceira. Não penso duas vezes e engulo o comprimido, esvaziando o copo logo em seguida. Minutos depois, estou de banho tomado e ansiosa para tomar um delicioso café da manhã. Contudo, sinto o meu estômago embrulhar só de sentir o cheiro da comida.Hu, pelo jeito não vou conseguir ingerir nada, nem mesmo a cara de mal humor de Artêmis Mazza me desce bem hoje. Será que ele não se cansa de estar com raiva o tempo todo? Ralho mentalmente quando ele solta um resmungo de desaprovação me fazendo revirar os olhos internamente.Quer saber, nem vale a pena debater com ele!— Eu vou praticar a dança lá no jardim, mais tarde pego um copo de suco na cozinha, pode ser? — falo para a minha irmã, saindo antes que um cer
ArtêmisMomentos antes da boate...— Senhora Mazza, aqui estão os papéis que me pediu. — Uma funcionária diz adentrando o meu escritório.— Deixe-os na minha mesa! — ordeno sem olhá-la e logo escuto a porta se fechar.— Será amanhã de noite, Artêmis. — Athos diz invadindo a minha sala e eu me forço a erguer a minha cabeça para olhá-lo. — Você está bem? — Ele interpele preocupado.— Estou e como vai ser? — Tento mantê-lo no assunto anterior e mesmo analisando o meu rosto por alguns segundos, ele se senta em uma cadeira de frente para mim e sorri.— Vou precisar viajar bem cedo, mas posso resolver algumas coisas por telefone e você terá que sair mais cedo daqui claro. A Victória já estará preparando tudo e quando chegarmos, quero que ela seja surpreendida por todos.— Ótimo, será tudo exatamente como você deseja, irmão. — Ele franze a testa.— Tem certeza de que está tudo bem com você? — Reviro os olhos com impaciência.— Eu já disse que sim, Athos. Agora saia, eu preciso trabalhar ness
ArtêmisEstá na hora de voltar para casa. Penso. Contudo, os meus olhos param em cima da garota dançando perto da mesa, enquanto ela segura o seu copo de vodca. O seu sorriso, a maneira como ela fecha os olhos, como o seu braço envolve o seu corpo... Chego a cogitar que queria que fosse eu a abraçá-la agora. No entanto, sacudo a minha cabeça.Ela está fazendo outra vez.Penso zangado.Está tentando penetrar as minhas barreiras, mas advinha eu não vou permitir e se for preciso machucá-la para afastá-la de mim, eu farei.— Boa noite! — Desperto quando um idiota diz se aproximando e claro que a Anne ficou eriçada com a sua aproximação dele. Contudo, o cara não veio sozinho e o outro babaca está praticamente devorando a bailarina com os seus olhos na cara dura. Solto um pigarro incomodado com essa situação e decido ir falar com ela.— Já chega, Kim! — falo com um tom seco, tomando o copo da sua mão.— Ei, o que pensa que está fazendo? — A garota retruca malcriada.— Eu vou pedir um suco p
Kim... Porque eu não achei que valia a pena beijar uma garota como você.Uma garota como eu.Eu nunca me senti tão inferior na minha vida como nessa noite. Achei que o provocar seria a melhor solução, que poria um pouco de entusiasmo na sua vida, mas não. Artêmis Mazza está determinado a viver na solidão e acho que dessa vez aprendi a minha lição.— Você conseguiu, Mazza — digo sentindo um gosto amargo no meu paladar. — Eu vou me afastar definitivamente de você — sussurro secando as lágrimas de desgosto que segurei por todo esse tempo e no mesmo instante começo a me livrar das minhas roupas para ir tomar um banho. Debaixo do chuveiro procuro manter a minha mente desligada o máximo possível. Eu não quero pensar nessa noite, nas coisas que vi e ouvi da sua boca. Eu só quero que o mundo pare de girar só um pouco para eu poder me reestabelecer. Contudo, nada parece dar certo e eu decido sair do quarto para ir para o jardim. Entretanto, assim que abro a porta o vejo sair do seu quarto.Se
Kim— Que estranho, eu estou me sentindo meio tonta — comento quando já estamos terminando o nosso lance, levando o dorso das minhas mãos para os meus olhos.— Deve ser efeito do remédio. — Artêmis diz repentino me fazendo franzir o cenho.— Que remédio? Do que está falando?— Não fique com raiva de mim, Kimberly. É que faz dias que você não dorme e eu tive que fazer isso.— Que droga, Artêmis, você não tinha esse direito! — reclamo quase sem forças, saindo do banco e logo sinto o meu corpo fraquejar.— Você só precisa dormir um pouco e acordará renova. Precisa descansar, Kimberly, entenda isso.— Eu confiei em você! — retruco irritada.— Kim, olhe pra mim. — Ele pede um tanto autoritário e eu faço um pouco de dificuldade. — Confie em mim, eu só quero o melhor pra você. Agora venha comigo. — Sem ter outra alternativa o sigo para fora da cozinha e ele me leva direto para um elevador privativo. O observo entrar nele com a sua cadeira e entro logo em seguida. — Vamos para o seu quarto, o