2.

Artêmis

Dias atuais...

Eu costumava passar boa parte da minha vida trancado nesse quanto e olhando pela janela e me perdendo nas dores do meu passado. Lembrar do meu fracasso, da forma como perdi o que eu mais amava sempre me manteve com os meus pés no chão. Mas a pior parte foi ter que aceitar que ela não seria mais minha. Que a minha atual condição a afastou para sempre de mim e que eu nunca teria outra pessoa na minha vida além dela. Jamais amarei outra pessoa como a amei. Mas principalmente, eu nunca ousadia conquistar outro alguém. Ela não merece um fardo tão pesado quanto o meu. Contudo, vê isso escrito em um papel timbrado com letras douradas dizendo para mim com todas as palavras que a perdi para sempre é o que está me matando agora. Corina se afastou de mim há três anos, porém, essa é a primeira vez que a vejo beijando outro homem que não seja eu nas redes sociais e droga, ela está tão feliz! Trinco o maxilar e com raiva jogo o celular para bem longe de mim. Aperto um botão da minha cadeira de rodas e ela imediatamente corre para fora do meu esconderijo. Entretanto, quando o pequeno elevador que me leva a sala de visitas se abre escuto o som de algumas vozes animadas e resolvo ir para o jardim. Não estou a fim de comemorações agora.

— O que faz aqui, meu garoto? — A voz doce de Victória me acalenta. Ela me lembra um pouco da minha mãe e mata um pouco dessa saudade que me sufocou por anos. Devo dizer eu sou grato a Olívia pela sua presença aqui na minha casa.

— Não é nada, não se preocupe. Eu só quero ficar sozinho um pouco.

— Hum, entendi. Você não quer falar, mas quando quiser eu estarei bem aqui. — A sua mão descansa no meu ombro e logo a minha mão para sobre a sua, recebendo de bom grado o seu carinho. — Você já conheceu a Kim?

— Kim?

— Ela é a irmã da Olívia.

— Ah, ela está aqui?

— O Romão a trouxe.

— Romão?

—É uma longa história.

 — Entendi. Me desculpe, Victória, mas eu não estou a fim.

— Tudo bem, querido, vai no seu tempo.

— Obrigado!

— Farei um jantar especial essa noite em comemoração à sua vinda. Espero que esteja melhor até lá.

Temo que nunca ficarei melhor. Penso com um suspiro sutil. No entanto, apenas sorrio para ela recebendo um daqueles beijos doces no meu rosto que só ela sabe dar. Ainda não sei por que me lamento tanto. Essa é a minha verdadeira condição desde aquela noite fatídica e já devia tê-la aceitado. Entretanto, não é esse o meu problema e sim o fato de me sentir vazio o tempo todo.

Com a noite se aproximando decido entrar na casa, porém, apenas os observo festejar em um canto afastado. Uma conversa animada e o fato de Olivia estar radiante é o que me deixa feliz. A final, ela foi a causa de tanta mudança nessa casa, de trazer a vida de volta para esse lar e de resgatar o meu irmão do seu inferno. Por causa dela eu tenho um motivo especial para sorrir todos os dias. Então sim, estou feliz muito por ela. Durante o jantar a conversa animada faz todos rirem o tempo todo e o fato de a garota evite me olhar me dá a possibilidade de analisá-la um pouco. Ela tem um sorriso fácil e gosta de falar como a sua irmã, mas é agitada demais para o meu gosto, embora isso não seja tão ruim assim.

— Faz tempo que não temos uma mesa tão cheia de pessoas assim. — Resolvo me envolver na conversa e pela primeira o seu olhar encontra o meu. Eles são brilhantes e cheios de vida. Vida que eu já nem tenho mais.

— É bom ir se acostumando, irmão porque essa mulherada estará conosco de agora em diante. — Athos fala e eu posso afirmar que essa sua alegria é quase palpável. No entanto, dou de ombros.

— Pode ter certeza de que não vou reclamar, mano. — Estendo a minha mão para pegar uma xícara de café, porém, sem desviar os meus olhos das pessoas que nesse instante nos cercam e sem perceber, viro o conteúdo quente nas minhas pernas, mas o fato de não sentir dor arrasa comigo.

— Por Deus, homem levante-se dessa cadeira ou vai se queimar todo! — A garota grita me fazendo desviar os olhos desse incidente patético e imediatamente todos ficam no mais completo silêncio. A sua atitude me deixa envergonhado, porém, puto da vida. Contudo, a sua ficha parece finalmente cair.

— Ah... me desculpe eu... — Ah, não faz isso! Rosno mentalmente e não seguro a minha explosão.

— Sua estúpida!

Eu não preciso da sua pena. Não preciso da pena de ninguém.

Inferno!

— Por favor, deixe-me ajudá-lo! — Ela pede agora desconfortável, pega um lenço em cima da mesa e quando se inclina, eu dou uma ré na cadeira. Um par de olhos doces, porém apavorados me encaram, mas já é tarde demais. Eu queria fulminá-la apenas por tentar me tocar.

— Não ouse me tocar! — Um tom frio passa pela minha garganta e a vejo encolher a sua mão no mesmo instante. —Eu não preciso da sua ajuda e nem da ajuda de ninguém! — digo ainda mais irritadiço, saindo da sala imediatamente e vou direto para o meu quarto. — AAAAAH! — berro ensandecido passando a minha mão pela mesa de escritório montada no meu quarto e tudo em cima dela vai ao chão. — Uma batida suave na porta me faz olhar direto para a madeira. — VAI EMBORA! — grito porque não quero ver ninguém.

— Artêmis, sou eu a Victória. — Fecho os meus olhos bem apertados para não a machucar com as minhas palavras e só após respirar bem fundo decido lhe responder.

— Só vai embora, eu quero ficar sozinho — sibilo sentindo um nó apertar a minha garganta e para o meu alívio, ela não insiste. Solto o ar pela boca.

Garota estúpida! Como ela pode ser tão idiota assim? Rosno mentalmente e após um grande esforço para sentar-me na minha cama, pego o meu celular e decido olhar as redes sociais outra vez. Bufo ao ver mais uma foto dela com o mesmo homem.

— Eu não preciso de você também — grunho a excluindo do meu ciclo de amizade e volto a largar o aparelho de qualquer jeito.

***

No dia seguinte...

Me olho no espelho pela terceira vez me sentindo orgulhoso de mim mesmo. Hoje estou voltando a trabalhar na Law e Order. É o meu primeiro dia desde que me afastei e estou ansioso por isso. Portanto, vesti o meu melhor terno e pus a minha melhor gravata também. Pressiono os lábios quando penso que terei que enfrentar aqueles olhares de pena e especulativos outra vez, mas preciso seguir com a minha vida, certo? Não dá para simplesmente ficar parado aqui e deixar a minha vida passar como as correntes das águas de um rio. Assim que o elevador se abre recebo na sala de visitas da mansão uma recepção que eu não esperava e não seguro um sorriso largo, e satisfeito de todos os meus amigos.

— Isso é para você, querido. — Victória diz se aproximando.

— Como soube? — inquiro quando abro a pena e estreita caixa aveludada, revelando uma caneta prateada dentro dela.

— O Athos contou. — Olho para o meu irmão que faz um gesto desdenhoso para mim. — Quero que faça muitas assinaturas importantes com ela.

— Pode deixar, Vick! — Recebo o seu beijo carinhoso. O primeiro do dia.

— Estou feliz que esteja voltando, meu irmão!

— Obrigado, irmão! — Depois, receber o abraço de todos ficou bem mais fácil. Contudo, não vi a garota sem noção durante o café da manhã e dei graças aos céus por isso. Ela está me evitando e eu acho isso ótimo! — Vamos? — pergunto ansioso bebendo o meu último gole de café e me afasto da mesa.

— Só um instante, Artêmis. Eu vou me despedir das crianças. — Ele pede e eu concordo. No entanto, ao me aproximar de uma janela da sala de visitas a vejo no jardim. Os seus movimentos graciosos, a maneira como ela mexe o seu corpo, os olhos fechados e as suas mãos... elas se mexem como o leve bater das asas de uma borboleta. Me pego suspirando com a sua visão. Kimberly parece completamente absorta de tudo ao seu redor.

— Lindo, não é? — A voz de Olívia me pega de surpresa e eu solto um pigarro incomodado por ter sido descoberto. — Ela ama dançar! — Minha cunhada comenta e outra vez me pego preso a sua visão.

— Vamos? — Athos fala atrás de nós e não penso duas vezes em me afastar da janela para ir para o carro. Entretanto, quando o veículo entra em movimento impulsivamente olho na direção da bailarina no mesmo instante que ela dá um salto e o seu rosto encontra os raios solares, que dão um tom lindamente dourado a sua pele e é o fim, eu não consigo mais vê-la.

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