Era a segunda semana em que Carly estava empenhada no tratamento de reabilitação do seu pai. Mas, dessa vez, sua motivação ia além da rotina profissional. Havia algo corroendo seu peito, uma necessidade urgente de respostas. Respirou fundo, tentando manter a compostura. Caminhou em passos firmes pela entrada de pedras bem cuidadas da mansão, cumprimentando brevemente os funcionários.Arthur abriu a porta, antes mesmo que ela tocasse a campainha, como se já estivesse esperando por sua chegada.— Bom dia, senhorita Carline. O governador a aguarda na biblioteca.Ela subiu pelos degraus, até o primeiro andar. Assim que pisou no hall, Elisa veio recebê-la com um abraço e sorriso gentil.— Bom dia, está tudo bem?Ela assentiu, sem dizer nada, seguindo para a biblioteca onde o pai já a esperava. Ele estava sentado em uma poltrona, ao lado da grande janela de vidro, resolvendo palavras-cruzadas. — Bom dia, minha filha — disse ele, sem tirar os olhos do livro.— Vamos começar? — Ela respondeu,
"No final, o que realmente importa? Será que o borrão que vejo pela janela é um sinal de uma vida embaçada? Por muito, buscamos respostas que não fazem sentido ou não tem solução."O caminho de volta para casa foi um borrão. Carly sentia o peito apertado enquanto encarava a paisagem que desfilava pela janela do táxi. O envelope repousava em seu colo, a sensação era como se carregasse um fardo de anos. A caligrafia de sua mãe, tinha curvas suaves e delicadas, parecia congelada no tempo, um eco de um passado que nunca fora completamente revelado. O que aquela carta diria? Por que seu pai a guardará por tanto tempo? Ao chegar em casa, Carly entrou e fechou a porta atrás de si, trancando-se no silêncio que agora parecia sufocante. O envelope tremia entre seus dedos, como se contivesse segredos capazes de despedaçar o mundo que ela conhecia. Sentou-se na poltrona, encarando o papel amarelado pelo tempo. Inspirou fundo, passando os dedos sobre as palavras escritas na frente do envelope:
A lembrança do papel entre os dedos de Carly parecia um pedaço de fogo vivo, queimando sua pele, gravando cada palavra em sua memória. Ela piscou várias vezes, tentando esquecer o que tinha lido. Mas uma frase percorria insistentemente em seus pensamentos: "Eu só queria ser amada, apesar de tudo." O celular ainda estava em sua mão, a tela brilhando com a ligação. Carly sentiu o coração bater forte contra o peito, como se quisesse sair pela boca. O nome de Serina não era o que esperava ouvir. Por um momento, ela imaginou que fosse alguém trazendo mais um segredo, mais uma peça do quebra-cabeça que sua família escondia. Mas não foi. — Por que você ligou de um número privado? — Carly perguntou, sem rodeios, tentando esconder o alívio misturado com irritação. Serina hesitou por um momento. — Foi sem querer. Tenho esse benefício no meu plano. A voz dela parecia estranhamente casual, mas Carly conhecia as tramas de sua irmã. Havia algo por trás naquele tom de voz, algo que não queri
O restaurante típico de Porto, à beira-mar, possuía uma decoração contemporânea e que também remetia aos aspectos culturais da cidade. Carly e Monteiro entraram e sentaram-se à mesa. Em meio aquele recinto, estava Helena segurando um copo de suco, distraidamente enquanto ouvia a conversa das outras senhoras da igreja. Elas falavam sobre os eventos, os novos projetos sociais e, claro, sobre os jovens que estavam se afastando do seu papel na igreja, como era o caso de Pedro. Mas algo roubou sua atenção.Ela notou do outro lado do restaurante, uma pessoa familiar chamou seus olhos. Ela franziu os olhos, estreitando a visão. Aquela silhueta, aquele rosto... não podia ser. Era Carly. Mas ela não estava sozinha.Helena inclinou-se levemente para frente, tentando ver melhor, sem ser notada. A jovem estava sentada à mesa com um homem alto, negro, forte e de expressão séria. Algo na postura dele indicava que era alguém acostumado a manter controle das situações.Mas o que mais chocou Helena f
Enquanto se dirigia para casa, Carly se viu com a mente longe. As palavras de Thiago ainda ecoavam como um sussurro insistente em sua cabeça. "É fácil pensar que, quando você reencontra alguém do passado tenha superado. Mas acabei percebendo que isso não é verdade. Quer dizer, se ela realmente foi marcante na sua vida. Esse sentimento estava adormecido dentro de mim, mas a chama ressurgiu assim que te vi." Ela estava com as emoções conflitantes dentro de si. O reencontro com seu ex tinha sido necessário, mas a forma como terminou... aquilo a incomodava. Ele ainda a irritava profundamente. Ela seguiu em direção a sua casa. Assim que fechou a porta, recostou-se contra ela, respirando fundo. Sentia-se exausta, mas não fisicamente. Era uma exaustão mental e emocional. Monteiro soube como a desestabilizar. Ele tinha essa maneira envolvente, esse jeito que fazia com que qualquer conversa se tornasse algo mais intenso. E agora, ele parecia disposto a reviver um passado que ela lutou tant
Carly andava de um lado para o outro na cozinha, tentando encontrar palavras para explicar a Pedro o que realmente aconteceu no almoço. Ele chegaria a qualquer momento, e ela sabia que evitar o assunto só pioraria a situação. O som da campainha ecoou pela casa, trazendo consigo um frio na barriga. Ela respirou fundo, ajeitou o cabelo e seguiu até a porta. Pedro estava lá, sério, esperando por ela. — Oi... — ela disse, abrindo espaço para que ele entrasse.Pedro passou por ela sem dizer nada e caminhou até a sala. Carly podia sentir a irritação dele no ar. — Você pode me dizer agora quem é esse velho amigo com quem almoçou? — Ele se sentou à mesa, os braços cruzados, os olhos fixos nela. Carly engoliu em seco. — Pedro, não quero que você pense errado sobre isso. Eu fui atrás do Monteiro porque precisava da ajuda dele. — Monteiro? — Pedro repetiu, tentando buscar o nome na memória. — E quem é ele? Ela hesitou antes de completar: — Isso. Ele é um investigador.Pedro piscou algum
"Nos dias mais frios e solitários estava comigo e eu nem percebi. No momento que pensei ter chegado ao fim, clamei por Ti."O frio cortante de Montreal parecia penetrar até os ossos. Carly apertava as mãos ao redor do volante, tentando ignorar a névoa que se formava nos vidros do carro. A nevasca tinha piorado. Talvez tenha sido um erro sair da universidade e insistir em voltar para casa naquela noite. Suas amigas tinham dito para ela esperar por lá até o dia seguinte, mas Carly não queria. Algo dentro dela sempre a impulsionava a seguir sozinha, a não depender de ninguém.As luzes dos postes tremiam na estrada coberta de neve. O rádio tocava uma canção suave, mas seu coração disparou, com a adrenalina do momento, em um presságio que ela ignorou. O carro deslizou. De repente, tudo se tornou um borrão. O volante fugiu de suas mãos. As rodas perderam a aderência ao asfalto coberto de gelo, e, antes que pudesse reagir, o veículo saiu da estrada, deslizando como se fosse uma folha ao vent
O dia amanhecia devagar. O céu ainda estava tingido de um azul profundo quando Pedro estacionou o carro na garagem, sentindo o peso do plantão exaustivo nas costas. Seus ombros estavam tensos, e sua mente, mergulhada nos pensamentos que o acompanhavam desde a noite anterior. Ele não podia negar que o encontro de Carly com o ex-namorado o incomodava. Ele tentou afastar as preocupações. O cansaço físico que sentia fazia sua mente parecer um emaranhado de fios soltos.Ao entrar em casa, encontrou um cenário familiar: sua mãe concentrada, à mesa de jantar, com a Bíblia aberta e um caderno ao lado, com algumas anotações espalhadas. Ele observou por um momento a maneira como ela estudava, rabiscando palavras, refletindo os textos. Havia algo de reconfortante naquele cenário. Desde pequeno, via sua mãe assim, buscando sabedoria na Palavra, extraindo verdades que guiavam sua vida e as de muitos outros ao seu redor, como a dele.Pedro aproximou e abriu um sorriso cansado, encostando-se à cadei