A lembrança do papel entre os dedos de Carly parecia um pedaço de fogo vivo, queimando sua pele, gravando cada palavra em sua memória. Ela piscou várias vezes, tentando esquecer o que tinha lido. Mas uma frase percorria insistentemente em seus pensamentos: "Eu só queria ser amada, apesar de tudo." O celular ainda estava em sua mão, a tela brilhando com a ligação. Carly sentiu o coração bater forte contra o peito, como se quisesse sair pela boca. O nome de Serina não era o que esperava ouvir. Por um momento, ela imaginou que fosse alguém trazendo mais um segredo, mais uma peça do quebra-cabeça que sua família escondia. Mas não foi. — Por que você ligou de um número privado? — Carly perguntou, sem rodeios, tentando esconder o alívio misturado com irritação. Serina hesitou por um momento. — Foi sem querer. Tenho esse benefício no meu plano. A voz dela parecia estranhamente casual, mas Carly conhecia as tramas de sua irmã. Havia algo por trás naquele tom de voz, algo que não queri
O restaurante típico de Porto, à beira-mar, possuía uma decoração contemporânea e que também remetia aos aspectos culturais da cidade. Carly e Monteiro entraram e sentaram-se à mesa. Em meio aquele recinto, estava Helena segurando um copo de suco, distraidamente enquanto ouvia a conversa das outras senhoras da igreja. Elas falavam sobre os eventos, os novos projetos sociais e, claro, sobre os jovens que estavam se afastando do seu papel na igreja, como era o caso de Pedro. Mas algo roubou sua atenção.Ela notou do outro lado do restaurante, uma pessoa familiar chamou seus olhos. Ela franziu os olhos, estreitando a visão. Aquela silhueta, aquele rosto... não podia ser. Era Carly. Mas ela não estava sozinha.Helena inclinou-se levemente para frente, tentando ver melhor, sem ser notada. A jovem estava sentada à mesa com um homem alto, negro, forte e de expressão séria. Algo na postura dele indicava que era alguém acostumado a manter controle das situações.Mas o que mais chocou Helena f
Enquanto se dirigia para casa, Carly se viu com a mente longe. As palavras de Thiago ainda ecoavam como um sussurro insistente em sua cabeça. "É fácil pensar que, quando você reencontra alguém do passado tenha superado. Mas acabei percebendo que isso não é verdade. Quer dizer, se ela realmente foi marcante na sua vida. Esse sentimento estava adormecido dentro de mim, mas a chama ressurgiu assim que te vi." Ela estava com as emoções conflitantes dentro de si. O reencontro com seu ex tinha sido necessário, mas a forma como terminou... aquilo a incomodava. Ele ainda a irritava profundamente. Ela seguiu em direção a sua casa. Assim que fechou a porta, recostou-se contra ela, respirando fundo. Sentia-se exausta, mas não fisicamente. Era uma exaustão mental e emocional. Monteiro soube como a desestabilizar. Ele tinha essa maneira envolvente, esse jeito que fazia com que qualquer conversa se tornasse algo mais intenso. E agora, ele parecia disposto a reviver um passado que ela lutou tant
Carly andava de um lado para o outro na cozinha, tentando encontrar palavras para explicar a Pedro o que realmente aconteceu no almoço. Ele chegaria a qualquer momento, e ela sabia que evitar o assunto só pioraria a situação. O som da campainha ecoou pela casa, trazendo consigo um frio na barriga. Ela respirou fundo, ajeitou o cabelo e seguiu até a porta. Pedro estava lá, sério, esperando por ela. — Oi... — ela disse, abrindo espaço para que ele entrasse.Pedro passou por ela sem dizer nada e caminhou até a sala. Carly podia sentir a irritação dele no ar. — Você pode me dizer agora quem é esse velho amigo com quem almoçou? — Ele se sentou à mesa, os braços cruzados, os olhos fixos nela. Carly engoliu em seco. — Pedro, não quero que você pense errado sobre isso. Eu fui atrás do Monteiro porque precisava da ajuda dele. — Monteiro? — Pedro repetiu, tentando buscar o nome na memória. — E quem é ele? Ela hesitou antes de completar: — Isso. Ele é um investigador.Pedro piscou algum
"Nos dias mais frios e solitários estava comigo e eu nem percebi. No momento que pensei ter chegado ao fim, clamei por Ti."O frio cortante de Montreal parecia penetrar até os ossos. Carly apertava as mãos ao redor do volante, tentando ignorar a névoa que se formava nos vidros do carro. A nevasca tinha piorado. Talvez tenha sido um erro sair da universidade e insistir em voltar para casa naquela noite. Suas amigas tinham dito para ela esperar por lá até o dia seguinte, mas Carly não queria. Algo dentro dela sempre a impulsionava a seguir sozinha, a não depender de ninguém.As luzes dos postes tremiam na estrada coberta de neve. O rádio tocava uma canção suave, mas seu coração disparou, com a adrenalina do momento, em um presságio que ela ignorou. O carro deslizou. De repente, tudo se tornou um borrão. O volante fugiu de suas mãos. As rodas perderam a aderência ao asfalto coberto de gelo, e, antes que pudesse reagir, o veículo saiu da estrada, deslizando como se fosse uma folha ao vent
O dia amanhecia devagar. O céu ainda estava tingido de um azul profundo quando Pedro estacionou o carro na garagem, sentindo o peso do plantão exaustivo nas costas. Seus ombros estavam tensos, e sua mente, mergulhada nos pensamentos que o acompanhavam desde a noite anterior. Ele não podia negar que o encontro de Carly com o ex-namorado o incomodava. Ele tentou afastar as preocupações. O cansaço físico que sentia fazia sua mente parecer um emaranhado de fios soltos.Ao entrar em casa, encontrou um cenário familiar: sua mãe concentrada, à mesa de jantar, com a Bíblia aberta e um caderno ao lado, com algumas anotações espalhadas. Ele observou por um momento a maneira como ela estudava, rabiscando palavras, refletindo os textos. Havia algo de reconfortante naquele cenário. Desde pequeno, via sua mãe assim, buscando sabedoria na Palavra, extraindo verdades que guiavam sua vida e as de muitos outros ao seu redor, como a dele.Pedro aproximou e abriu um sorriso cansado, encostando-se à cadei
O vento frio cortava o fim da tarde, trazendo consigo um cheiro de terra molhada, misturado com o aroma de folhas caídas que se acumulavam nos cantos da calçada. A chuva que havia caído mais cedo deixara poças espalhadas pela rua, refletindo a luz fraca dos postes que começavam a acender. Carly apertou a jaqueta contra o corpo, sentindo o tecido úmido grudar em sua pele. Ela desceu do táxi em frente à sua casa. Seus passos eram rápidos e decididos, mas seu coração hesitava. Antes mesmo de alcançar o portão, percebeu a silhueta familiar encostada no carro estacionado na rua. Monteiro estava ali, esperando. Ele usava uma jaqueta preta, as mãos enfiadas nos bolsos, e o olhar atento acompanhava cada movimento dela. Ela sentiu um certo desespero, mas não de surpresa. Era como se uma parte dela já soubesse que ele estaria ali, como se ele fizesse parte daquela paisagem que ela tentava, sem sucesso, ignorar. Mas tinha medo do que poderia acontecer. — Está me esperando há muito tempo? — per
O interfone ainda ecoava enquanto Carly caminhava para ver quem era. Ela levantou-se tão rápido da mesa que a xícara de chá ao seu lado balançou, derramando algumas gotas pela blusa. O peso do momento fazia seu coração pulsar em compassos mais rápidos, e cada passo parecia mais difícil do que o anterior. Pedro havia avisado que passaria lá, mas na agitação, ela acabou esquecendo completamente. Monteiro acompanhou a sua inquietação.— O que foi, Carly? Qual é o Problema? — Ele perguntou, sua postura indicava preocupação, mas no fundo já sabia a resposta.— Pra variar, Pedro! — Ela retrucou, passando a mão na cabeça , tentando organizar os pensamentos. — Você precisa ir, agora!Ele não se apressou. Em vez disso, inclinou-se para trás no sofá, os dedos batendo uma batida