Adônis Hart
Sério isso? Uma reunião em pleno domingo de manhã? Senhor Conrado não podia ao menos esperar até depois do almoço? Tem dias que eu me pergunto se ele faz essas coisas só pra provar que manda em todo mundo. Saio da casa em que moro com meus pais, que na prática é um anexo para empregados na mansão dos Santini. Trabalhar para eles é um destino que já estava traçado desde que eu era moleque. Cresci sendo treinado para isso — técnicas de defesa, condução, segurança particular. Meu pai é segurança pessoal do senhor Conrado há anos, e desde pequeno ele deixou claro que um dia eu seguiria o mesmo caminho. O que eu não esperava era começar antes dos trinta. Enquanto caminho para o escritório, passo pela cozinha e cumprimento minha mãe, que já está ocupada organizando o café da manhã de todo mundo, inclusive o nosso. Dou um beijo rápido no rosto dela, e ela sorri antes de voltar ao trabalho. Minha mãe é daquelas que sabe tudo sobre a casa e a família Santini, afinal, ela trabalha aqui há mais de vinte anos. Entro no escritório onde meu pai já está, de pé, ao lado do senhor Conrado. Respiro fundo antes de falar, mantendo a postura que aprendi a ter desde cedo. — Bom dia, pai. Senhor Santini. — Bom dia, Adônis. Pontual, assim como seu pai. Gosto disso — ele diz, com aquele ar superior de quem acha que o mundo gira ao redor dele. — Vamos direto ao ponto. Tenho observado seu progresso nos treinamentos de defesa pessoal e segurança particular. Acho que está na hora de assumir um cargo aqui na casa. — Isso é ótimo, senhor — respondo, sem demonstrar nenhuma emoção. — Conversei com seu pai, e decidi que agora ele será meu segurança pessoal. Tenho algumas questões sigilosas para resolver e preciso de alguém em quem confie completamente. Sendo assim, você assumirá o lugar dele como motorista e segurança pessoal da minha filha, Pietra. Reviro os olhos internamente, mas mantenho a expressão neutra. Trabalhar para a princesinha? Fala sério. — Entendido, senhor — respondo. — Você será responsável por levá-la e acompanhá-la em todos os compromissos do dia. Além disso, é fundamental que me mantenha informado sobre tudo o que ela faz. Quero saber se ela está cumprindo sua agenda. — Certo — confirmo, ainda sem contestar. — Você começa amanhã, Adônis. Confio em você — conclui. Aceno com a cabeça, me retiro do escritório e respiro fundo. Grande coisa. Passei a vida inteira treinando para lidar com situações de risco, proteger pessoas importantes, e agora vou ser babá de uma patricinha mimada. Quando chego na cozinha minha mãe está me esperando, já sabendo que a reunião tinha acabado. Ela me lança um olhar curioso enquanto arruma uma bandeja. — E aí, como foi, meu filho? — pergunta, com aquele tom de mãe que já desconfia da resposta. — Adivinha só, mãe. Vou ser babá da mimadinha do chefe — digo, revirando os olhos enquanto me encosto na bancada. Minha mãe ri, mas não parece surpresa. — Você vai se surpreender com a dona Pietra. Ela é uma querida, e acredite em mim: de mimada, ela não tem nada. — Ah, fala sério, mãe. Você só defende ela porque praticamente criou a garota. Minha mãe me encara com aquela expressão que só ela tem, misto de paciência e autoridade. — Pietra não é nada do que você imagina. Você a viu poucas vezes, Adônis. Mal teve contato com ela e já tirou conclusões. É verdade. Eu realmente não convivi com Pietra. A vi algumas vezes em festas da família ou passando pela mansão, sempre com aquele jeito de princesa loira dos olhos claros, vestida de marca da cabeça aos pés. No meu mundo, é o suficiente pra classificar alguém como patricinha. — Não sei, mãe. Ela sempre me pareceu o tipo que nunca levantou um dedo pra nada na vida. Aposto que vou ter que abrir portas pra ela, carregar as compras e ouvir sobre a última bolsa que ela quer comprar. Minha mãe ri de novo, mas dessa vez com mais força, como se eu tivesse contado uma grande piada. — Ah, meu filho, você realmente não conhece a Pietra. Vai descobrir que ela é bem diferente do que pensa. — Sei lá, mãe. Mas, de qualquer forma, é o que tem pra agora, né? Não tem como discutir com o senhor Santini. Ela se aproxima, me dá um beijo rápido na bochecha e sorri, daquele jeito que só ela consegue, misturando carinho e ordem. — Já mandei o café dos seguranças e pedi pra um deles levar o seu lá pra casa. Agora vai descansar, porque amanhã você começa uma nova fase. — Tá bom, dona Malena. Não vou discutir com a chefe aqui de casa também — brinco, arrancando um sorriso dela. Saio da cozinha e caminho até o pequeno anexo onde moramos. Meus ombros largos e braços fortes carregam um peso maior do que aparenta: a expectativa da minha família e o legado do meu pai. Cresci sabendo que minha vida seria assim, mas algo sobre essa nova tarefa me incomoda. Ser motorista e segurança de Pietra parece um rebaixamento, algo que está muito aquém de tudo o que treinei a vida inteira. Por outro lado, uma parte de mim — talvez a que puxei da minha mãe — sente que tem algo nessa história que ainda não entendi. Pietra pode ser mais do que a patricinha que imagino? Só o tempo vai dizer. E eu? Eu só espero que esse “trabalho de babá” não teste minha paciência mais do que já imagino que vai.Pietra Santini — Bom dia, Maleninha — cumprimento ao entrar na cozinha, depositando um beijo em sua bochecha enquanto ela termina de organizar o café da manhã.— Bom dia, querida. Vai sair hoje, mesmo sendo domingo? — pergunta com aquele tom carinhoso que só ela tem.— Ensaio extra de balé. Tem uma apresentação infantil chegando, e minha professora me escalou para ajudar as meninas — explico, suspirando, já sentindo o cansaço antecipado.— Você não para mesmo, hein? — ela sorri, com aquele ar gentil que parece um abraço silencioso. — Pelo menos se alimente direito, Pietra. Você anda comendo tão pouco ultimamente.— Ah, você sabe como é, Malena. Tenho que manter a forma — digo, sem graça, desviando o olhar.A verdade é que o balé nunca exigiu tanto de mim. A pressão para ser impecável não vem das aulas, nem das apresentações, mas sim do meu pai. Ele é o tipo de homem que vê uma mulher apenas como um reflexo de aparência, como se nossas conquistas fossem irrelevantes diante de uma cint
Pietra Santini Acordei com o corpo pesado, a sensação de exaustão me consumindo. Ontem as meninas no balé pareciam ter uma fonte infinita de energia, enquanto a minha já estava no limite. Ainda assim, eu não tinha escolha. A vida, com todas as suas exigências, não me dava tempo para parar.— Bom dia, Malena — digo, entrando na cozinha e me sentando à mesa.— Bom dia, querida. Sente-se e tome seu café — ela responde, já colocando um prato à minha frente.Enquanto pegava uma tigela de iogurte com granola e morangos, decidi perguntar algo que já sabia a resposta.— Meu pai está em casa?Malena suspira, o rosto expressando o mesmo pesar de sempre.— Não, meu amor. Ele viajou ontem, pouco depois de você chegar.— Certo — respondo, tentando soar indiferente, mas a sensação familiar de abandono lateja no fundo.Terminei meu café sem pressa. Não estava com muita fome, para variar. Hoje era dia de aula de alemão, e eu mal conseguia reunir energia para me arrastar até lá.Caminhei até o carro,
Pietra SantiniEnquanto o garfo vai da minha mão até a boca, noto o olhar de Alana. Ela não disfarça nem um pouco. Adônis está sentado do outro lado da mesa, alheio — ou fingindo estar alheio —, e ela o devora com os olhos como se ele fosse um banquete. É irritante.— Para de encarar o Adônis desse jeito — resmungo, tentando manter a voz baixa. — Deixa o cara comer em paz.Alana solta uma risada que me faz revirar os olhos antes mesmo de ouvir a resposta.— Não dá, amiga. O cara é um pedaço de mal caminho. Se você não quiser, eu quero.— Nem se eu quisesse — murmuro, cruzando os braços. — Ele é grosso e parece que tem algum problema comigo.— Será que vocês não já se conheciam? — Alana pergunta, inclinando a cabeça como se tentasse montar um quebra-cabeça. — Sei lá, brigaram na infância ou coisa assim?— Tenho certeza que não. Apesar de morarmos no mesmo terreno, eu quase não o via. Acho que... observava ele de longe às vezes, mas nada demais.— Então ele só não foi com a sua cara mes
Pietra Santini Ao abrir a porta de casa, fui recebida pelo som abafado de vozes na cozinha. Malena e Adônis conversavam em tom baixo, como se compartilhassem segredos. O contraste entre a seriedade habitual de Adônis e o sorriso sutil de Malena me surpreendeu. Era raro vê-lo assim, com traços tão humanos.Meu coração pesou. Talvez por inveja. Talvez pela saudade de algo que nunca tive. A ausência de minha mãe parecia ainda mais cruel em momentos como esse, em que uma interação simples me lembrava do vazio que carregava. Se ela estivesse aqui, tudo seria diferente. Talvez fôssemos uma família de verdade, e hoje, em vez de lidar com as sombras de um passado que não vivi, estaríamos comemorando seu aniversário.Tentei ignorar a dor enquanto caminhava até a cozinha.— Malena, estou com febre hoje, tudo bem? — perguntei, a frase carregada de um significado que só ela entenderia.Ela levantou os olhos para mim, preocupada.— Querida, tem certeza? Ele pode desconfiar. — A preocupação na voz
Adônis Hart Era uma tarde tranquila quando me vi sentado à mesa com minha mãe e Pietra. O cheiro de pão fresco misturado com o café recém-passado preenchia a cozinha, e Pietra, como de costume, tagarelava animadamente. Ela parecia estar à vontade, falando sem parar sobre qualquer assunto que surgisse em sua mente, e confesso que achava isso divertido. Era raro vê-la tão descontraída, talvez porque não tivesse tantas oportunidades de conversar assim.Eu tomei um gole da minha Coca-Cola e, sem querer, soltei um arroto alto, o que fez Pietra explodir em gargalhadas. Minha mãe, por outro lado, me deu um tapa no braço, indignada.— Ai, mãe! Tá doida? — reclamei, esfregando o local onde ela tinha acertado.— Respeita as damas, menino! Essa não foi a educação que eu te dei — disse ela, incrédula. — Um porco desse jeito, não é à toa que não arruma namorada. Quem é que vai querer?— Credo, mãe! Eu sou um ótimo partido. Olha só pra essa belezura aqui — brinquei, apontando para mim mesmo. Pietr
Pietra Santini Acordo com a claridade invadindo o quarto, o sol batendo diretamente no meu rosto e forçando meus olhos a piscarem várias vezes. Por alguns segundos, me sinto confusa, tentando entender onde estou. A sensação de estranhamento me domina até que finalmente me lembro: estou no quarto do Adônis. O quarto está vazio, e a cama ao meu lado também. Ele já deve ter levantado há algum tempo. Respiro fundo, tentando juntar coragem para sair dali. A vergonha começa a me consumir, especialmente pensando no que a Malena pode estar imaginando sobre mim. Jesus, o que ela vai pensar? E se achar que estou abusando da hospitalidade deles? Não consigo evitar esses pensamentos enquanto me levanto, os pés afundando no tapete macio do chão. Preciso sair daqui logo, antes que o desconforto me consuma. Caminho até o banheiro, onde encontro uma gaveta entreaberta. Lá dentro, vejo uma escova de dentes lacrada. “Que cuidado,” penso, enquanto abro a embalagem, escovo os dentes e lavo o rosto
Adônis Hart Segunda-feira começou de um jeito diferente para mim. Meu pai voltou de viagem logo cedo, e confesso que senti falta dele. Ter a presença dele em casa novamente traz uma sensação de conforto, algo que parece colocar as coisas no lugar, mesmo que temporariamente. Mas a volta dele também significa que o senhor Conrado Santini está em casa, e isso me deixa em alerta. Sempre que penso nele, meu pensamento vai direto para Pietra. Não deveria ser assim, mas é. Não deveria me importar tanto com ela, mas é impossível evitar. Pietra é como uma daquelas sereias das lendas: ela me atrai de uma forma que desafia a lógica. Cada olhar, cada sorriso, é como um canto hipnotizante, e mesmo sabendo que isso pode me afundar, eu simplesmente não consigo ignorá-la. E isso, justamente isso, é tudo o que não deveria acontecer. Encosto no carro, cruzando os braços enquanto a espero aparecer. O sol está forte, mas eu nem noto o calor, porque minha cabeça está ocupada demais pensando nela. O te
Pietra Santini Eu não estava com disposição para enfrentar essa aula de alemão, mas como sempre, não tinha outra escolha. Sentada na última fileira, mal prestava atenção no que o professor dizia. Meus pensamentos estavam em outro lugar, ou melhor, em outra pessoa: Adônis. Desde o fim de semana, não consigo tirá-lo da cabeça. A maneira como ele esteve ao meu lado, como me abraçou quando eu precisava… Sinto algo que não deveria sentir. Ele é apenas um funcionário da minha família, mas nos últimos dias, parece que o mundo ao nosso redor mudou. — Ei, amiga, tá tudo bem? — a voz de Alana me puxa de volta à realidade. Olho para ela, um pouco perdida, mas tento disfarçar. — Sim, só estou um pouco distraída. Vamos almoçar juntas hoje? Ela sorri, sempre com aquele jeito gentil que a faz ser uma das poucas pessoas em quem confio. — Claro! Bom, assim você aproveita e me conta por que está com os olhos inchados, né? Dou uma risadinha sem graça e concordo com um aceno. Ela sempre percebe tud