Despertei cuspindo uma lufada involuntária de água com gosto de cloro. Uma boca tinha acabado de tocar a minha, mandando ar para meus pulmões com toda a força, mas eu não identifiquei quem era, minha visão era o menos importante dos meus sentidos nesse momento.
Pensando bem, foi o primeiro beijo que eu recebi em toda a vida.
Fiquei alguns segundos entre a consciência e a inconsciência e senti meu corpo sendo carregado. Quando me forcei a abrir os olhos de vez, pensei que iria desmaiar. O amor da minha vida me carregava nos braços: Otávio Prescott.
Deus existe. Segurei meu rosário, em louvor. Eu sempre o manuseava, até inconscientemente, um hábito que adquiri desde a infância.
Fiquei tão ruborizada por ele estar ali que esqueci da multidão que tinha ao meu redor e que se perguntava onde estava o valentão que provocou meu acidente.
Eu só pensava em uma coisa. Toquei minha boca e lembrei que fui beijada. Assumi, imediatamente, que Otávio tinha feito respiração boca-a-boca em mim.
Quando olhei as pontas dos dedos, havia gotículas vermelhas. Só então, percebi que quase morri num acidente. Passei a língua nos lábios e senti o machucado. Ardeu.
Alessandra discutia com algumas pessoas, mas estava acompanhando tudo. Fui levada até a enfermaria por Otávio, que cuidou de mim como em várias outras oportunidades. Ele fez um curativo tão delicado na minha boca que fiquei mais apaixonada. Foi tão fofo que não reparei em mais ninguém ali presente. Aqueles olhos cor de mel junto aos meus fizeram meu coração palpitar rapidamente. Seu toque era tão delicado, atencioso. Acho que ele era o homem mais bonito que já esteve perto de mim. Seu hálito tinha aroma de menta.
— Você tem alguém para levá-la em casa? — Perguntou Otávio, preocupado, mas viu que eu estava bem. Eu estava sentada na maca da enfermaria, e ele estava diante de mim. Só não deve ter entendido minha cara de idiota apaixonada.
— T..tenho. — Falei.
Falei com o meu amor. Tremi de nervosismo, como em todas as outras consultas. Aquela ansiedade ao estar perto dele nunca ia passar?
Eu me recordei dos lábios que senti me tocando. Eram os dele. Meu primeiro beijo foi com meu amor? Só posso estar sonhando, alguém me belisca?
— A Luciana bateu a cabeça, professor. — Reivindicou Alessandra, me beliscando. Eu sofri um acidente e a idiota me belisca. Ela ouviu meus pensamentos? — Não temos como levá-la em casa.
— M...mas é só… — É só chamar o chofer, pensei.
— Calada, você bateu a cabeça muito forte. — Alessandra me beliscou de novo. Eu apalpei a região assiduamente. Já tinha tomado um soco na cara e dois beliscões. Eu me sentia esculachada como aquelas mulheres que brigam por homem na rua.
Só quando ouvi uma voz desconhecida notei que tinha alguém ali do lado de Otávio.
— Eu as levo em casa, Otávio. — Disse um rapaz loiro. Ele era forte, e era bem bonito, na verdade. Ele estava de braços cruzados e expressão preocupada. Ele estava com os cabelos molhados.
— Pode fazer isso, Chris? Vou com você, depois você me deixa em casa. — Disse Otávio.
Eu reprimi um susto. Reconheci aquele cara! Era ele quem estava ao lado da piscina, foi a ele que eu disse aquelas gracinhas antes de ser jogada na água. Meu Deus, eu tinha falado besteiras bêbada para um conhecido do meu professor!
Virei meu rosto e o escondi com uma mecha de cabelo, ruborizada. Chris. Espero que ele não conte nada para o Otávio sobre mim.
Eles nos levaram de carona até meu apartamento e depois conversaram com minha mãe sobre o que aconteceu, mas eu juro que não senti aquele momento, ainda estava em choque e pensando em como Otávio era perfeito e responsável. Eu amei ver seu lado daddy preocupado. Eu estava nas nuvens.
Tive mais certeza de que preciso dele em minha vida.
Alessandra foi muito cuidadosa, e preparou um chá quente para mim. Ela estava acostumada a mexer nos armários da cozinha da minha mãe, que falou alguns impropérios sobre o acidente enquanto eu mergulhava na minha cama.
Olhei em volta e percebi como eu não sentia mais meu antigo quarto como sendo meu.
Alguns minutos depois de deitar na minha cama e sentir as dores começarem a voltar, tentei rebobinar a fita e entender tudo que aconteceu. E lembrei-me que Alessandra tinha muito a me explicar.
Alessandra trouxe minha xícara e se deitou ao meu lado na cama, ficamos escondidas sob o cobertor enquanto eu tomava um gole quente e revigorante daquele líquido. Era camomila, bem o que eu estava precisando.
— Alê, o que aconteceu? — Indaguei, finalmente.
— Amiga, antes de mais nada, você tem que me agradecer por ter procurado o professor-médico para socorrer você.
— Obrigada, Alê. — Abracei-a, muito emocionada só de lembrar. — Mas, você mexeu mesmo com a namorada daquele babaca?
— Amiga... — Alessandra ofegou um pouco antes de responder. — Você realmente acertou mais cedo. Eu sou lésbica.
Continuei olhando para ela. Acho que ela pensou que eu ia surtar e se decepcionou.
— Ok. — Eu disse.
— Ok? Não vai falar que tem medo de eu me apaixonar por você e por isso vai se afastar de mim? Todas as minhas amigas fizeram isso. — Murmurou a ruiva, fazendo um beicinho.
— Amiga, olha para você. Você é linda, seria uma honra se me quisesse.
A gente riu um pouco.
— Você é maravilhosa, Luci. — Ela falou, acariciando meu rosto. — Detesto sua mãe por fazer você pensar o contrário.
Suspirei. Eu nem sei por que ela mandou os rapazes nos trazerem aqui no apartamento da Amélia. Eu fico muito mais confortável sozinha. Quis mudar de assunto e disse:
— Obrigada por ter me ajudado com o professor.
— Como se sentiu sendo carregada por ele? — Ela perguntou, risonha.
— Maravilhosa! — Abracei meu travesseiro, tentando resgatar da memória tudo que podia sobre o acontecimento. Eu estava com a boca machucada e dores no corpo, mas tudo bem. Deu tudo certo, afinal. — Alê, você não pode pegar mulheres comprometidas.
— Ela estava dando mole para mim, Luci! — Alessandra murmurou.
— Mesmo assim. — Fechei meus olhos e continuei sonhando acordada, lembrando do sabor dos lábios do meu médico favorito.
— Você está bem, Luci? Achei que ia morrer. Foi uma queda de metros, e tudo por minha causa.
— Nossa, eu não sei o que seria de mim sem os remédios para dor. Mas, vaso ruim não quebra. — Murmurei.
— Caramba, foi tudo muito rápido. Eu só consegui gritar. Desci correndo as escadas para te ajudar e acabei encontrando o professor no meio do caminho. Só falei "Acidente! Minha amiga sofreu um acidente!" e puxei ele pelo braço. Ele foi correndo ajudar, bem solícito.
— Ele é um amor. Eu o amo. — Apertei o travesseiro com minhas pernas, sorrindo. — Mas como eu não morri afogada? Deu tempo de ele correr e mergulhar na piscina?
— Não, amiga, não teria dado mesmo. — Alessandra explicou. — Quem mergulhou para te salvar foi o Chris.
— Chris? Quem é esse? — Fechei a expressão, eu tinha ouvido aquele nome em algum lugar.
— O irmão do professor. — Alessandra falou como se fosse óbvio.
— Irmão do professor? — Comecei a não gostar daquele assunto. Se fosse quem eu estava imaginando, faria sentido ele estar de cabelo molhado. — Está bem, mas... mas... O professor chegou e fez respiração boca-a-boca em mim.
Fiquei apavorada. As próximas palavras de Alessandra poderiam me levar do céu ao inferno.
— Não, amiga. — Alessandra estranhou. Ela só percebeu nesse momento o quanto eu estava iludida. — O professor te levou à enfermaria. Quem fez respiração boca-a-boca em você foi o Chris.
O quê?!
Aqueles lábios que eu pensei serem do meu amado Otávio eram de outra pessoa?
Quem me deu o meu primeiro beijo foi o Chris?!
LucianaGritei. Esfreguei minha cabeça com as mãos, bagunçando as mechas lisas, numa tentativa inútil de embaralhar os pensamentos.— Eu não queria que meu primeiro beijo fosse nele! Tinha que ser com Otávio! — Eu sequei minhas lágrimas direto no travesseiro. Toda a felicidade que eu tinha sentido até então foi vã.— Luciana García Benelli, não foi beijo, sua louca! — Alê queria torcer meu pescocinho nessa hora. — O Chris estava tentando salvar sua vida!— Meu primeiro beijo foi num desconhecido! — Cobri o meu rosto com o travesseiro, de modo a me esconder do mundo. Ria de mim, universo, pode rir. Sou uma piada cósmica.Minha mãe meteu a cabeça no vão da porta entreaberta, depois de ouvir meus gritos, e disse:— Você est&aacu
LucianaCorri da festa, abandonando as risadas debochadas para trás. Eu queria cavar um buraco e meter a minha cabeça dentro. Quase acabei fazendo isso sem querer quando tropecei nos meus próprios pés no fim da escada.Eu caí no chão, ralando minhas extremidades. Do meu joelho direito começou a escorrer um fino fio de sangue, mas não consegui sentir dor por causa da pressa. Levantei-me como se não tivesse acontecido nada, e continuei correndo.Parei antes de atravessar a rua somente por causa do sinal fechado, e acabei perdendo um pouco da adrenalina que me levou até ali. A força nas minhas pernas se esvaiu, por fim. Fiquei sentada no meio-fio, cobrindo o rosto para amenizar o choro público.Comecei a sentir os sinais da ardência no joelho. Meu peito estava disparado, a vergonha e humilhação que aquela universidade t
LucianaA que ponto cheguei na vida?Pedir ajuda para o irmão do cara que eu gosto a fim de conquistar o cara que eu gosto? Eu não preciso disso.A quem eu quero enganar? Preciso, sim. Preciso muito.Virou uma obsessão.Acho que depositei na conquista de Otávio todas as minha expectativas de ser feliz algum dia.Isso era extremamente perigoso. E se desse errado?Tinha tudo para dar errado. A grande pergunta era: o que eu faria se desse errado?Bem, quando desse errado, eu ia descobrir. Eu não conseguia evitar aquela sensação de pagar para ver.Alessandra já torceu o nariz quando soube que eu teria outra ajuda para conquistar Otávio. Afinal, ela estava decidida que Otávio era o maior babaca da face da Terra e que eu devia me amar mais. Mesmo assim, ficou curiosa em relação a Christofer.Com "curiosa" e
LucianaFiquei pensando no meu primeiro beijo.Foi gostoso.O beijo dele era bom? Ou beijar era bom?Será que Otávio também beija assim? Será que a língua dele é assim quente e gostosa?Será que faz aquelas coisas no pescoço?Que vergonha, que situação embaraçosa. Apalpei meu rosário no pescoço.Pensando bem, estou com vergonha de olhar na cara de Christofer de novo. Ele deve estar me julgando por beijar mal.E eu estou me julgando por ficar mordendo os lábios e pensando nas coisas que ele fez.Fiquei reflexiva.Acho que quero de novo.Bem, eu não devo nada a Christofer. Não preciso me importar com o que ele pensa. Ele está com meu celular, então tem que me dar pelo menos mais mil beijos.Meu chip agora estava em um celular antigo s
LucianaDessa vez, fomos para o meu apartamento. Fiz questão de ficar parada esperando-o ligar para o irmão na minha frente e colocar no viva-voz.— Otávio… — Christofer já revirava os olhos.— O que é, garoto ingrato? Já se arrependeu de largar seu irmão por causa de mulher? — Otávio falou, do outro lado da linha.— É sobre isso que eu queria falar. — Ele ficou com os olhos fixos em mim. — Eu não estava saindo com aquela garota, era só uma amiga.— E eu com isso? — Otávio murmurou.— Eu disse que ele falaria isso. — Christofer tapou a entrada de som do celular e ralhou comigo, sussurrando.— Problema seu, ninguém mandou me beijar na faculdade. — Reclamei. Christofer revirou os olhos de novo e ouvimos Otávio fa
LucianaEu senti aquele momento. Christofer não estava brincando, e eu tive que engolir em seco. Acho que ele é do tipo egocêntrico que tem ciúme da atenção dos outros, quer todos os olhos para si.Comecei a sacar tudo. Christofer era um cafajeste. Ele viu uma menina bobinha apaixonada pelo irmão dele, que ele odeia, e propôs essa situação para me fazer apaixonar por ele e esquecer Otávio.Muito cruel. Ele não podia brincar comigo assim. Mordi o lábio, eu não podia perder minha única chance com Otávio, mas entrei numa fria.Christofer nunca ia me ajudar de verdade.Mesmo assim, eu precisava ser mais esperta que ele e fingir que nada aconteceu. Não ia deixar que ele tirasse o foco de Otávio.— Palhaço. — Murmurei, soltando uma risada. Eu percebi que devia
LucianaOs momentos seguintes foram bem tristes. Ela gritava sobre o que seus pais iam pensar, o que iam fazer quando soubessem, como ela iria criar a criança, etc. Eu a abracei e fui dando saídas para todas as perguntas dela.Como ela iria criar o bebê? Com apoio da família e da amiga, com suporte médico e tudo mais.O que os pais iam pensar? Teriam que aceitar.É claro que eu estava no chão com a novidade, mas eu não podia demonstrar. Não queria deixá-la ainda mais nervosa.— Amiga, temos que contatar o pai da criança. — Falei. — Ele tem que saber.— Não posso. — Ela ficou nervosa. Tremia. Eu nunca vi Alessandra desse jeito, ela parecia ser sempre tão forte e tão bem resolvida!— Por quê? — Perguntei.Ela suspirou e mordeu o lábio. Era um daquele
LucianaUma torrente vermelha jorrou na metade inferior do rosto de Gustavo. Ele soube pela dor que seu nariz estava quebrado e começou a se engasgar com o próprio sangue que escorria.Ainda tentava entender o que tinha acontecido.— Sem brigas aqui! — O garçom tentou interceder por Gustavo.— Sem brigas, né? — Chris estava irritado, apesar de contido, mas precisou sentir a mão de Alessandra em seu ombro para perceber que tinha que terminar o confronto naquele momento. Gustavo gorgolejava de falta de ar por ter caído sobre o banquinho e batido as costas. Estava inalando sangue. — Quando esse otário empurrou a Luciana no chão ninguém fez nada!As pessoas só olhavam.— Deixa, Chris. — Murmurou Alessandra, puxando-o. — Temos que ajudar a Luci. Esse babaca não vai mais fazer mal a ningu&eacut