Susan passou a noite em claro, com os olhos brilhando pelas lágrimas que marcavam o rosto angelical, enquanto as olheiras evidenciaram a falta de sono.
Ela se levantou da cama já com tudo preparado para a viagem à capital real, mesmo estando sonolenta e com a mente lenta demais para acompanhar os próprios pensamentos e sentimentos. Ao sair do quarto, deparou-se com o pai, que estava cabisbaixo e silencioso. Ao vê-la, seu semblante de surpresa e choque ao notar o rosto e o cabelo bagunçados a fez engolir em seco. ─ Filha... - ele murmurou, engasgando de preocupação. Ela lhe ofereceu um sorriso doce e tranquilo, acenando um leve adeus enquanto se movia até a porta. Ao chegar na igreja, sua presença chamou a atenção dos cavaleiros, da amiga e do padre. Alguns ficaram em choque ao verem seu rosto e suspiraram surpresos ao notarem o sorriso doce e despreocupado, apesar da evidente exaustão. ─ Você deveria descansar, Susan - aconselhou o padre, preocupado. Ela soltou um riso fácil e enganador, respondendo com um sorriso. ─ Garanto que estou bem, só não estava preparada para o que foi dito - explicou, mentindo. Mas, de canto de olho, ela percebeu o Cavaleiro Negro observando-a como se soubesse que ela estava mentindo para não preocupar mais ninguém. A mentira funcionou, já que o padre e a amiga suspiraram, mais calmos do que antes. ─ Bom, quando partimos? - indagou, olhando para o relógio. Cada minuto contava para salvar Crystal. ─ Assim que eu passar a liberação da sua magia para um deles - avisou o padre, chamando a atenção dela. O Cavaleiro Negro aproximou-se com uma expressão neutra e disse: ─ Fui enviado pelo rei exatamente para isso - informou, estendendo o braço para o padre, que colocou a pulseira, antes pertencente a ele, no pulso do cavaleiro. Alguns minutos depois, na carruagem a caminho da capital, o cansaço começou a aparecer. Foi nesse momento que o Cavaleiro Negro e seu cavalo pararam ao lado da carruagem. ─ Algum problema? - perguntou ela, bocejando. Ele a olhou com uma sobrancelha arqueada, mas não disse nada. Aquele silêncio a fez fechar os olhos. Não se lembrava se havia dormido ou não, mas, quando acordou, estava na floresta, com a carruagem tombada. Levantou-se cambaleando e olhou ao redor: grama alta, árvores, arbustos, a carruagem destruída, e o cavalo negro... morto. Ela encarou o animal imóvel até sentir uma mão tapando seus lábios e puxando-a para trás de uma árvore. Um barulho alto chamou sua atenção, e ela viu um ogro no local, terminando de devorar o cavalo cinza que puxava a carruagem. Enquanto o ogro comia, Susan reconheceu a voz do Cavaleiro Negro pelo cheiro de madeira e capim, que a deixava tonta e levemente atraída por ele. ─ Ele atacou enquanto você dormia. Os outros estão seguros, mas nós não. Use sua magia - ordenou ele, com certa grosseria. Ela tentou falar, mas a mão dele ainda estava em sua boca. Assim que ele a soltou, ela sussurrou de volta: ─ Não precisa falar, eu sei o que fazer. Não sou da sua equipe - respondeu, levemente irritada. Ele a olhou com um sorriso sarcástico, o que a fez ficar em silêncio, esperando. Sentiu um leve susto quando ele pressionou a mão em sua cintura, mantendo-a imóvel e colada ao tronco da árvore. As bochechas dela coraram, e ela ouviu o pequeno riso dele. Ela tentou não se arrepiar, mas era impossível, ainda mais com ele a segurando assim. Soltou um suspiro lento e tortuoso. O cavaleiro a girou tão rápido que, quando se deu conta, ele estava muito próximo, a ponto de ela sentir sua respiração e ver o canto da boca dele curvado em um sorriso sarcástico. Susan o observou descaradamente, reparando na barba feita, nos cabelos escuros, na boca marcada pela covinha que às vezes aparecia, nos olhos que pareciam mudar de cor, do cinza de uma tempestade para um vermelho intenso. ─ Eu sei que sou lindo e irresistível, não precisa me olhar assim, senhorita Vernon - murmurou ele, em tom baixo. Ela piscou, saindo do transe. Sua observação pareceu inflar ainda mais o ego dele. Ele a segurou com certa rapidez, e, quando piscou, estavam mais longe do ogro. A árvore onde se esconderam estava agora caída no chão. Ela se soltou dele, levantou a mão, e o ogro virou lama na mesma velocidade que ela se virou para o cavaleiro, com a mão na cintura, enquanto ele se encostava em outra árvore. ─ O que você é, afinal? - perguntou ela, agora mais séria. Ele bagunçou o próprio cabelo com a mão, e ela notou quando a mesma mão foi parar em seu queixo, um sorriso rápido aparecendo junto com a covinha e os olhos em um tom escuro de vermelho. ─ O que acha, que sou uma bruxa? - perguntou ele, com a voz levemente rouca, o rosto neutro, mas com certo divertimento. ─ Não sei, ainda estou em dúvida entre vampiro, lobisomem ou híbrido - respondeu ela, defensiva. Ele cruzou os braços no peito e sorriu arrogantemente. ─ Se continuar assim, vou achar que quer me levar para a cama - avisou, descarado. O rosto dela esquentou rapidamente com a declaração, e ela se virou para o outro lado. ─ Não seja tão arrogante. Não o acho tão atraente assim - retrucou. Mas, então, sentiu uma brisa e virou-se rapidamente, quase caindo, se ele não a tivesse segurado. Ela soltou um resmungo. ─ Porra, não me assuste assim! Poderia ter te prendido na árvore - reclamou, ainda com ele a segurando. Ele arqueou a sobrancelha. ─ Você tem uma boca bem suja para alguém com cara de anjo - comentou, se aproximando mais. Ela arqueou a sobrancelha em desafio, e ele a soltou. Ela respondeu: ─ Não me lembro de ter dito que sou um anjo... Ou disse, e não estou me lembrando? - perguntou, inclinando a cabeça. Ele parou lentamente, observando-a com sarcasmo e divertimento, um sorriso brincando em seu rosto antes de dizer: ─ Tem razão, você nunca disse que era um anjo, coelhinha - murmurou, divertido. ─ O que você disse? - perguntou ela, confusa pela língua diferente no final da frase dele. ─ Quantas línguas você sabe? - perguntou ele, começando a andar na frente dela. Ela começou a segui-lo rapidamente e soltou um suspiro. ─ Até onde sei, latim para a magia, embora eu possa simplesmente pensar na magia em português - respondeu, e ele riu. ─ Imaginei. Precisa conhecer mais línguas - aconselhou ele, com um sorriso sarcástico. Ela pensou em socá-lo, mesmo sem saber seu nome. Parou, passou a mão pelos cabelos e soltou um riso. ─ Crystal me mataria se visse essa falta de educação que cometi sem perceber - murmurou. ─ E qual seria essa falta, coelhinha ? - perguntou ele, sarcástico. ─ Não me apresentei e nem perguntei seu nome - avisou, suspirando. ─ Eu sei o seu nome, coelhinha - disse ele, coçando a cabeça. ─ Mas eu não sei o seu... - respondeu ela, mas foi derrubada no chão quando um pequeno lobo apareceu abanando o rabinho, e o cavaleiro riu. ─ Susan, Time, venha aqui! - ouviu uma voz familiar que não escutava há muito tempo. O lobinho saiu de cabeça baixa, e ela riu ao se levantar. ─ É bom revê-lo, Time... Mirl - disse ela, com o rosto levemente corado. ─ Oi, Susan. Veio por causa do meu pai? - perguntou Mirl. Ela soltou um suspiro preso, enquanto o cavaleiro não tirava os olhos dela.Ela ficou em silêncio por um tempo, até que uma garota ruiva apareceu com sua amiga. A ruiva se curvou e, com um sorriso, disse: — Olá, princesa. É bom revelá-la — indagou com um tom enigmático. A outra garota, visivelmente incomodada com a presença da ruiva, soltou um murmúrio de desgosto, mas logo levou um leve peteleco de sua companheira. — Susan Vernon, sua presença aqui certamente vai tornar as coisas mais interessantes — disse uma voz familiar, carregada de ironia. Susan, surpreendida, quase caiu para trás ao ver a garota diante dela. Só não se desequilibrou completamente porque o cavaleiro ao seu lado a segurou a tempo. — Imperatriz... — sussurrou ela, incrédula. A imperatriz sorriu brevemente, mas logo seu sorriso desapareceu, dando lugar a uma expressão pálida, quase aterrorizada, ao fixar os olhos no rapaz ao lado de Susan. Ela tentou disfarçar o nervosismo, mas não conseguiu evitar olhar por cima do ombro, onde o rapaz estava. Sua figura parecia distorcida, co
Susan e Mara agora estavam diante de um desafio mais perigoso do que imaginavam. A criatura, feita de pura escuridão, era um guardião, protetor de segredos antigos, e atacá-la de frente seria fatal. Susan sabia que precisavam provar que eram dignas de descobrir o que a floresta escondia, e a solução não estava em força, mas em sabedoria. Lembrando-se de um antigo feitiço de comunicação, Susan começou a recitar palavras em uma língua há muito esquecida. A entidade hesitou por um momento, sua forma oscilando como sombras ao vento. O tom gutural de sua voz retornou: — Por que deveriam vocês, seres de carne e osso, ter acesso aos segredos que protejo? Apenas os corajosos de espírito podem avançar. Mara, aflita, perguntou em um sussurro: — O que fazemos agora? Susan manteve a calma. A floresta reagia a magia antiga, e elas precisavam se conectar a esse poder. Sabendo disso, Susan recitou um verso sobre coragem e verdade. A escuridão ao redor pareceu absorver suas palavras, enquanto a
Susan e Mara seguiram em silêncio, a escuridão da floresta densa envolvendo-as como um manto. As palavras do espírito da floresta ainda ecoavam em suas mentes, pesando sobre cada passo que davam. A atmosfera ao redor tornava-se cada vez mais opressiva, como se a própria floresta soubesse que o fim estava próximo. Elas não apenas carregavam o fardo de salvar uma vida, mas também o peso de desfazer um pacto antigo, manchado por traição.— Temos que achar o local do juramento — disse Susan, quebrando o silêncio. — Foi ali que tudo começou e é ali que podemos acabar com isso.Mara hesitou. O medo e a incerteza visíveis em seu olhar a deixavam vulnerável, mas Susan percebeu que, apesar disso, sua amiga continuaria. Elas não tinham outra escolha.Enquanto avançavam, o terreno tornou-se acidentado, como se a floresta estivesse tentando impedi-las de chegar ao seu destino. O ar ficou denso, cheio de uma névoa estranha que dançava em torno delas, quase viva. De repente, o vento trouxe sussurro
Mara ainda estava ajoelhada na clareira, seus soluços ecoando na vastidão da floresta que agora parecia adormecer ao redor dela. A sensação de perda era avassaladora, e o vazio deixado pela partida de Susan pesava em seu peito como um ferimento aberto. Por um momento, ela ficou ali, sem saber o que fazer. A clareira antes sombria agora estava iluminada por um brilho pálido e suave, como se a floresta finalmente estivesse em paz, mas o preço era alto demais. Ela sentiu uma brisa leve passar por seus cabelos, trazendo consigo um sussurro familiar. Era a voz de Susan, suave e distante, como se viesse de um lugar entre os mundos. — Você precisa continuar, Mara. O reino ainda precisa de você. Levantando-se com dificuldade, Mara enxugou as lágrimas e olhou para a clareira, onde agora apenas uma marca cintilante na pedra negra lembrava do sacrifício de sua amiga. Ela sabia que a missão ainda não havia acabado. O pacto estava desfeito, mas a maldição não desapareceria tão facilmente. O esp
Mara, agora aclamada como a heroína do vilarejo, passou os dias seguintes coordenando a reconstrução das casas e cuidando dos feridos. Apesar da dor pela perda de Susan, ela se manteve firme, utilizando a memória de sua amiga como combustível para seguir adiante. A presença dela parecia estar em cada ato de bondade, em cada sorriso que ela via nos rostos daqueles que ela ajudava. Uma noite, enquanto descansava em sua pequena tenda nos limites do vilarejo, Mara sentiu uma inquietação no ar. O vento carregava consigo um sussurro familiar, como se as folhas das árvores estivessem cantando. Ela se levantou, seguindo o som até a borda da floresta, onde a luz da lua iluminava o caminho. Era como se a floresta a estivesse chamando. Ao se aproximar das primeiras árvores, a névoa reapareceu, mas, desta vez, era mais sutil, menos ameaçadora. Ela fechou os olhos e escutou o que parecia ser a voz de Susan, distante, mas clara. — Não tenha medo, Mara. O caminho ainda não terminou. A voz er
Depois de descansarem no templo purificado, o grupo se preparou para seguir em frente. As sombras pareciam mais leves e a floresta, menos opressiva. Mas todos sabiam que, com cada fragmento destruído, os desafios se tornariam mais complexos. A própria essência da maldição tentaria impedi-los de alcançar o sucesso final. Elara, estudando o mapa antigo que trouxera, mapeou o próximo destino: as Ruínas de Norr, uma cidade antiga e esquecida, agora um ponto de concentração da energia sombria. Era ali que, segundo os textos, o próximo fragmento estava escondido. As ruínas estavam localizadas ao norte, além de um desfiladeiro que cortava a terra como uma cicatriz. — As Ruínas de Norr são um lugar de memória e perda — explicou Elara, enquanto o grupo se preparava. — Dizem que antes da maldição, era uma cidade próspera, mas as traições que ocorreram ali a tornaram um túmulo para almas inquietas. Precisamos estar prontos para enfrentar essas memórias. O grupo partiu, caminhando por trilh
A manhã trouxe com ela uma neblina espessa e um frio cortante que se espalhava pelo vilarejo. Mara se preparava para partir em sua nova jornada, acompanhada por um grupo de quatro pessoas que haviam se voluntariado para ajudá-la. Havia Rael, o caçador, cuja habilidade com o arco era conhecida por todos; Lena, uma curandeira jovem e promissora; Dorin, um ferreiro de coração nobre; e Elara, uma estudiosa das antigas magias, cujos conhecimentos seriam cruciais para decifrar as pistas que encontrariam. O grupo se reuniu na clareira central, com as expressões carregadas de determinação e incerteza. Mara olhou para eles com gratidão e força. Sabia que não poderia enfrentar essa jornada sozinha, e ver que tantos estavam dispostos a lutar ao seu lado renovava sua coragem. — Obrigada por estarem aqui — disse Mara. — Esta jornada será perigosa, e as sombras que enfrentaremos não são apenas criaturas da floresta. As marcas da maldição ainda estão enraizadas no coração do reino, e só unidos s
Enquanto avançavam pela floresta, o grupo se tornava mais unido, cada um desempenhando seu papel com precisão e coragem. As sombras ao redor pareciam mais intensas, e a sensação de serem observados aumentava a cada passo. Mara sabia que os fragmentos restantes se tornariam mais difíceis de encontrar, e que os guardiões que os protegiam seriam ainda mais perigosos. Em uma clareira aberta, o grupo decidiu fazer uma pausa. Lena preparava ervas para curar as feridas que Dorin havia sofrido na última batalha, e Rael observava atentamente os arredores, sempre em alerta. Elara estava sentada no chão, de olhos fechados, tentando sentir a energia mágica que emanava da floresta. Mara se aproximou dela. — Elara, está tudo bem? — perguntou, percebendo a expressão de preocupação no rosto da amiga. — Sinto algo estranho — respondeu Elara, sua voz baixa. — Os espíritos estão mais agitados, e há um fragmento próximo, mas é diferente dos outros. Parece mais poderoso, mais antigo. Mara franziu