Rosalyne
De todas as coisas, essa seria a última que eu iria cogitar. Eu cheguei até a pensar que ele era um policial, investigador ou parte de uma agência secreta. Estava completamente errada e bastante surpresa. Mafioso. Cesare é um mafioso? — Ficou sem palavras, não é? — ele disse ao observar o meu estado. Olhando para Cesare, sua aparência era realmente imponente. Eu estava realmente sem palavras. Agora fazia sentido a maneira como "inimigos" para ele soava tão natural. — Eu realmente fui pega de surpresa. — confessei, ainda o observando atentamente. — Mafioso... — repeti, pensativa. — Talvez fosse melhor eu não ter revelado? Balancei a cabeça negativamente. Na verdade, aprecio que ele não teve rodeios quanto a isso ou mentiu. — Por mais surpreendente que seja... você ainda não é um dentista. — comentei e ele riu levemente. — Mas, se você quiser correr, meu apartamento está disponível para isso. Eu só não indicaria você ir lá fora agora. — Tem pessoas que trabalham pra você cuidando dos intrusos? — questionei assertiva e ele assentiu. — Você sabe ler bem a situação. E então, Rosa, você realmente não tem medo de mim? Ele me olhou com um misto de curiosidade e expectativa. — Não. — murmurei, pensando nas palavras. — Talvez seja mais confusão. Ou... compreensão. Não sei exatamente. — Interessante. — ele comentou, quase como se tivesse descoberto algo novo em mim. — Mas, se você quiser, posso te ajudar a entender melhor. Eu passei a mão pelos cabelos e olhei para frente, tentando organizar os pensamentos. Não era medo o que eu sentia, mas algo muito mais complexo. — Na verdade, me pergunto... por que não estou com medo? — disse alto, levantando sua curiosidade. — Deve ser porque... assim que percebeu que eu estava em perigo, correu para me buscar em meu apartamento. — voltei o olhar para ele. — Você me protegeu. E se fosse tão perigoso, assim que me visse com Nicolau em mãos, teria dado um fim em mim ali mesmo. Ele me observava, mas eu sabia que não era uma análise fria. Ainda assim, sua presença me fazia lembrar que, se quisesse, ele poderia ser letal. Só que, o que ele ainda não sabe, é que eu também poderia ser letal, se fosse necessário. Era um pensamento que raramente vinha à tona — possuo habilidades para salvar vidas, mas que poderiam ser usadas de forma oposta. No ambiente em que cresci, aprendi que sobreviver às vezes exigia saber lutar, e essa parte de mim nem sempre eu revelo às pessoas. Talvez por isso eu não o temesse: em algum nível, reconhecia a mesma sombra em nós dois. — Isso nunca esteve em minhas intenções. — ele balançou a cabeça negativamente. — Não sou inocente e não vou dizer que não mato pessoas: às vezes o meu trabalho me deixa sem escolhas. Mas eu não faço as coisas sem uma motivação maior. Saber disso me deixou um pouco mais tranquila. Ele não parecia ser mau, mas não quer dizer que ele fosse bom também. Se eu fosse colocar nas palavras certas, ele estava no meio termo. — Mas, mudando de assunto, você não me disse qual a sua profissão. — ele chamou minha atenção e somente agora me lembrei de sua pergunta anteriormente. — Não é nada tão incrível. — dei uma leve risada. — Eu sou médica. A resposta ficou no ar por alguns segundos, e a expressão de Cesare se suavizou ligeiramente. Ele me observou por um momento, como se tentasse entender o impacto de minhas palavras. — Médica, é? — ele disse, como se estivesse analisando cada sílaba que eu tinha dito. — Isso faz muito sentido, na verdade. Você tem esse olhar atento, como se estivesse sempre em alerta, avaliando a situação ao seu redor. E sem contar que... deve ter uma boa dose de coragem para lidar com o que lida todos os dias. Fiquei um pouco surpresa com a percepção dele. A ideia de que ele estava tentando entender meu mundo e minhas escolhas fez com que eu sentisse que ele não era resumido a imagem "ruim" que estava se moldando. — Eu lido com muitas coisas no meu trabalho, mas nem sempre tenho a opção de escolher quem entra pela porta do hospital. — respondi, tentando desviar da intensidade do olhar dele. — Às vezes são pessoas boas, às vezes são pessoas ruins. Não posso julgar todos pelo que fazem, só pelo que fazem comigo ou com os outros. Cesare fez uma leve careta, talvez em reconhecimento ao fato de que nossas profissões, de certa forma, nos colocavam em situações extremas. — Você lida com a vida. Eu lido com a morte. — ele disse, com um tom sério, mas sem agressividade. — E, nesse mundo, essas duas coisas têm um significado muito mais profundo do que o que as pessoas normalmente pensam. Eu fiquei quieta por um momento, pensando no que ele disse. A conexão entre a vida e a morte era mais próxima do que qualquer um poderia imaginar. Ele matava para proteger o que tinha, enquanto eu, como médica, tentava salvar o que pudesse ser salvo. Mas se desconsiderar minha profissão, talvez não fosse tão simples usar essas mesmas palavras para me descrever. A sala estava em silêncio, e Nicolau, agora dormindo ao meu lado, parecia alheio a toda a situação tensa. — Então... — comecei, quebrando o silêncio, — como você... entrou para esse "negócio"? Quero dizer, o que faz um homem como você escolher esse caminho? A pergunta estava no ar há algum tempo, e finalmente me senti ousada o suficiente para perguntar. O olhar de Cesare se tornou distante, como se as memórias da sua história o envolvessem em uma névoa de nostalgia amarga. — Eu não escolhi, Rosa. Eu fui escolhido. — ele parecia mais jovem naquele momento, e a sinceridade em sua voz me pegou de surpresa. — Quando você nasce em um mundo como o meu, não há muitas opções. Você aprende a sobreviver. E, para sobreviver, você faz o que for necessário. Não é uma escolha, é uma necessidade. Eu o observei, absorvendo suas palavras. O que ele estava dizendo parecia fazer sentido de uma maneira cruel. Não era como se ele tivesse sido um homem mau por natureza, mas sim que as circunstâncias o haviam moldado dessa forma. Ele foi forçado a se tornar o que era. — Eu entendo. — murmurei, mais para mim mesma do que para ele. A história dele parecia ser mais complexa do que eu imaginava. Eu queria entender mais, mas havia algo em seu olhar que me fazia hesitar. Mas então, ele me encarou de novo, como se estivesse esperando algo. Algo mais do que uma simples aceitação. — Está receosa de perguntar. — ele concluiu, quase desafiando minha calma. — Vamos lá, eu não mordo. — se inclinou um pouco mais para o meu lado. Com sua última fala, baixei a guarda e ri instantaneamente. Desviei o olhar, afim de me recuperar, e depois voltei o o olhar para ele. — É só que... parece complexo. Não tenho certeza sobre o que perguntar exatamente. Apenas me ocorreu um pensamento... De que o que você faz não é sobre maldade, mas sobre sobrevivência. Ele ficou em silêncio por um momento, como se ponderasse minhas palavras. Então, finalmente, deu um pequeno sorriso, o que fez com que uma leve sensação de alívio passasse por mim. — Acho que você acabou de me surpreender novamente, Rosa. — ele murmurou, mais para si mesmo, e sua expressão suavizou ainda mais. — Eu achei que você fosse apenas mais uma pessoa que veria a minha profissão como um erro ou uma aberração. Mas você... você vê a complexidade por trás disso. Assenti com um pequeno sorriso também. Estou convencida: ele não era um vilão clássico, e eu começava a entender que não havia um único rótulo para ele. Ele era uma mistura de facetas, e de alguma forma me senti curiosa em descobri-las. A tensão na sala parecia ter diminuído um pouco, mas a situação ainda estava longe de ser resolvida. Eu estava envolvida agora, mais do que nunca, e não sabia até onde a linha entre proteção e perigo iria me levar. — Eu não sou como você imagina, Rosa. — ele disse, quebrando o silêncio, sua voz suave. — Mas, de alguma forma, você já sabe disso. Eu só consegui balançar a cabeça em resposta. Não havia muito mais a dizer. A verdade era que, de alguma forma, ele estava certo. Eu já sabia com a breve conversa que tivemos. Cesare não era apenas o que ele fazia ou o que o mundo ao seu redor dizia que ele era. Havia algo mais ali, algo que eu ainda não conseguia nomear, mas que me puxava como uma força invisível. E isso era o que me deixava intrigada e, ao mesmo tempo, alerta sobre quem realmente era Cesare.Rosalyne Um trovejo alto foi escutado e eu estremeci no sofá. Cesare se levantou e puxou a cortina para cobrir a janela. O olhei agradecida e ele apenas assentiu em resposta. Acabei por bocejar e o cansaço do meu corpo me atingiu em cheio. Cesare notou isso e deu um pequeno sorriso.— Você parece bastante sonolenta. Irei preparar o quarto ao lado do meu para você. — disse e eu assenti.Enquanto o observei desaparecer pelo corredor, me encostei no sofá, passando a pensar sobre a nossa conversa. De certa forma, hoje conheci um pouco mais sobre ele. Um pouco mais sobre Nicolau. Em como nossos mundos parecem tão opostos. Era curioso e instigante. E o fato de que eu não poderia sair daqui hoje: caso contrário, estaria correndo um perigo que sequer posso imaginar. Pois, se tratanto do mundo dos mafiosos, o pior era sempre esperado se tratando de inimizades. Sem perceber, comecei a pescar ali mesmo no sofá. Era muita coisa para pensar e o sofá era tão confortável e tão quentinho que não p
A sala era ampla, com teto abobadado e janelas altas que deixavam entrar a luz pálida do entardecer. Os móveis de madeira escura e os estofados de veludo denso conferiam um ar austero ao ambiente. O som firme das botas de couro ecoava pelas paredes enquanto um homem de figura imponente atravessava o espaço. Seus ombros largos e postura ereta transmitiam autoridade, mas havia algo na rigidez de seu semblante que sugeria preocupação. Ao aproximar-se da mesa central, seus olhos — atentos, quase predatórios — notaram um envelope repousando sobre o tampo polido. Ele hesitou por um instante, os dedos robustos pairando no ar, antes de pegar a carta. O papel estava levemente amassado, como se alguém o tivesse manuseado repetidamente. Com movimentos lentos, ele rompeu o lacre e desdobrou a folha. A caligrafia era delicada, familiar. Seu rosto, que até então permanecera estoico, começou a mudar à medida que lia as palavras. A mandíbula apertou-se; as sobrancelhas franziram. Então, inespe
Rosalyne Assim que trocamos olhares, ele baixou o olhar e o fixou em Nicolau.— Nico?! Onde você estava, rapaz? — ele disse um pouco confuso e franziu o cenho.O cachorro começou a latir pra ele e eu o segurei para que não caísse. Que reação mais... amorosa? — Nicolau, calma. — o acariciei e ele parou de latir na mesma hora, o que surpreendeu tanto eu quanto o homem a minha frente. Fiz carinho no cachorro por ter se comportado e olhei curiosa para o homem a minha frente. — Ele é seu? — perguntei, tentando entender a situação. O homem coçou a nuca e se encostou na batente de sua porta. — Ele é! — disse olhando para o cachorro. — Ou pelo menos era. — brincou ao olhar para mim e eu dei um sorriso. — O que aconteceu? Ele fugiu? — Eu nem sei ao certo. Acabei de chegar do trabalho e notei que ele não estava. Joguei as coisas num canto e peguei uma capa de chuva pra ir procurar ele... — ele disse enquanto observava o cachorro. — Mas parece que gostou tanto de você que não me q
Rosalyne Estava deitada no sofá, sendo acompanhada por Nicolau que se aconchegou em meus braços, e assistia a minha série predileta. Eu ria baixo pelo horário e a televisão também estava com pouco volume, o suficiente para que somente eu escutasse. Nicolau roncava mais alto que a televisão. Vez ou outra, o observava enquanto ele dorme, parecendo mais um trator em miniatura, mas ainda assim tão fofo. Conforme ficava mais tarde, comecei a ficar sonolenta também e percebi que quase adormeci. Porém, quando um trovão ecoou pela janela, um frio gelado percorreu minha espinha ao notar uma silhueta tomada pela escuridão. Eu não estava mais sozinha. Havia alguém lá fora, observando o meu apartamento. Olhei para Nicolau, que agora estava acordado, latindo freneticamente. O barulho de seus latidos misturava-se ao som distante da chuva. Afim de observar minuciosamente as intenções daquela pessoa, me mantive quieta, sem fazer sequer um movimento brusco. E então, escutei batidas na porta. Fique