Rosalyne
Assim que trocamos olhares, ele baixou o olhar e o fixou em Nicolau. — Nico?! Onde você estava, rapaz? — ele disse um pouco confuso e franziu o cenho. O cachorro começou a latir pra ele e eu o segurei para que não caísse. Que reação mais... amorosa? — Nicolau, calma. — o acariciei e ele parou de latir na mesma hora, o que surpreendeu tanto eu quanto o homem a minha frente. Fiz carinho no cachorro por ter se comportado e olhei curiosa para o homem a minha frente. — Ele é seu? — perguntei, tentando entender a situação. O homem coçou a nuca e se encostou na batente de sua porta. — Ele é! — disse olhando para o cachorro. — Ou pelo menos era. — brincou ao olhar para mim e eu dei um sorriso. — O que aconteceu? Ele fugiu? — Eu nem sei ao certo. Acabei de chegar do trabalho e notei que ele não estava. Joguei as coisas num canto e peguei uma capa de chuva pra ir procurar ele... — ele disse enquanto observava o cachorro. — Mas parece que gostou tanto de você que não me quer mais. Franzi o cenho e segurei o cachorro contra mim. — Mas... por que ele latiu para você? Isso não é estranho? O homem deu uma risada divertida, enquanto me olhava. — Esse cachorro é interesseiro. Olhei para o cachorro com a afirmação do suposto dono. O cachorro abanou o rabo e me lambeu. Interesseiro? Uma fofura dessas? — Pra provar o meu ponto, se você o colocar no chão, ele vai ir até onde estiver o interesse dele. Nicolau sempre me rejeita quando não quer ir embora. — ele explicou. O que ele dizia até fazia sentido. — Tudo bem. — disse um pouco curiosa e o coloquei no chão. No instante seguinte, Nicolau correu novamente para dentro do apartamento. Olhei intrigada para dentro e depois olhei para o homem. — Eu posso entrar? Fiquei curioso para saber por que fui trocado. — Claro. — dei espaço para ele entrar. Encostei a porta e segui o homem até a cozinha. Dei uma risada quando vi Nicolau sentadinho, perto da mesa onde o macarrão esfriava. — E com razão, o cheiro do macarrão está dando água na boca. — o homem comentou ao olhar para trás. — Olha como esse sem vergonha é interesseiro. — Eu havia esquecido quão interessado ele ficou na comida. — cruzei os braços e sorri, mas fiquei um pouco desconcertada ao perceber como ele me observava. Não era apenas o cachorro que parecia interessado. Ele desviou o olhar rapidamente, como se percebesse que havia me deixado constrangida. Limpou a garganta e mudou o foco: — Então, onde você o encontrou? — Bem perto do supermercado. Acho que deve ter uma hora. Ele assentiu, mas o sorriso fácil de antes desapareceu. De repente, ficou pensativo demais. Observei seus olhos âmbar se estreitarem levemente enquanto fitavam Nicolau. Ele sustentou o olhar, como se estivesse esperando algo que eu ainda não tinha dito. Era difícil não se sentir avaliada sob aqueles olhos âmbar. Ele passou os dedos pelos cabelos negros, o movimento lento e preciso, como se estivesse ponderando mais do que demonstrava. — Isso é estranho... — murmurou. — Estranho como? — perguntei, preocupada. Ele coçou a nuca e suspirou: — Quando eu sai essa manhã, me certifiquei de que tudo estava fechado e que Nico estava em sua casinha. Você notou algo estranho no apartamento ao lado durante o dia? Um pouco mais pensativa, busquei em minha memória alguma informação importante, até que me lembrei sobre a mulher de mais cedo. — Agora que você disse isso, quando fui pegar minha encomenda, vi uma mulher mais velha entrando em seu apartamento no mesmo instante. O homem cruzou os braços e parecia ponderar sobre o que eu havia dito. — Eu não pedi limpeza hoje, mas parece que a diarista veio mesmo assim. — seus olhos pareciam intrigados. Franzi o cenho: — Você acha que ela soltou Nicolau de propósito? — Não sei. — Ele deu um sorriso curto e sem humor, tentando disfarçar. — Provavelmente, estou apenas paranoico. Mas essa não é a primeira vez que algo assim acontece. Arqueei as sobrancelhas: — Não é? Antes que ele respondesse, Nicolau latiu alto, como se quisesse interromper a conversa. Seu latido ecoou na cozinha e nos fez olhar para ele. O homem pareceu relaxar, deixando escapar uma risada baixa. — Talvez eu esteja só exagerando... — ele disse, passando a mão pelos cabelos. Mas seus olhos, fixos em Nicolau, mostravam que ainda não estava totalmente convencido. Me aproximei, instintivamente pousando a mão no pequeno cachorro, que agora olhava para nós dois como se entendesse a tensão no ar. — Pode ser só um descuido mesmo. Ele não parece machucado ou assustado agora. — minha voz saiu suave, mas, internamente, eu também me perguntava: será que ele tinha razão? Não fazia muito sentido Nicolau ter ido parar tão longe sem que ninguém notasse. Ele soltou um suspiro longo e então me olhou diretamente. A intensidade daquele olhar me fez engolir em seco. — Obrigado... por cuidar dele. Meu estômago deu um pequeno salto, mas consegui sorrir. — Não foi nada. Nicolau foi uma ótima companhia. — baguncei o pelo de Nicolau e me levantei. Ele riu baixinho, balançando a cabeça. — Nico. Ele sempre dá um jeito de ser o centro das atenções. De repente, ele franziu o cenho como se tivesse acabado de se dar conta de algo. — Mas, falando nisso, você cuidou tão bem dele e... nem sei o seu nome. — ele sorriu de lado, o que me deixou ligeiramente nervosa. — Ah, claro. — respondi, desviando o olhar. — Eu sou Rosalyne, mas pode me chamar de Rosa... — Rosa... — ele repetiu, como se estivesse experimentando meu nome na boca. Me arrepiei. — Bonito. Combina com você. Minhas bochechas queimaram, mas antes que pudesse dizer algo, Nicolau latiu e correu para junto da panela de macarrão esfriando. Era como se estivesse reivindicando sua parte também. O homem riu, quebrando o clima estranho. — Parece que ele não está pronto para ir embora. — comentei humorada, cruzando os braços. — Certo, Nico, você venceu. — ele suspirou dramaticamente e se virou para mim com um sorriso fácil. — Acho que vou precisar de uma desculpa para voltar e buscá-lo depois. Você se importaria? Ergui as sobrancelhas, tentando disfarçar meu próprio sorriso. — Uma desculpa, é? — Com certeza. Mas, só por curiosidade... se eu voltar, devo chamar você de Rosa ou tem mais alguma surpresa no nome? — sua voz tinha uma leve provocação. Soltei uma risada leve, me sentindo mais à vontade. — Só Rosa está ótimo. E você? Como devo chamar o dono desse cachorrinho tão fofo? Ele pareceu surpreso por um momento, mas logo me deu um sorriso genuíno. — Cesare. — disse, estendendo a mão, como se quisesse formalizar. — Se pronuncia "Sizare". Olhei para a mão dele, achando aquilo engraçado, mas apertei-a mesmo assim. — É um prazer, Cesare. — respondi, rindo. — O prazer é meu, Rosa. E do Nicolau, claro. Dei uma risada assoprada e o observei ir até a porta do apartamento. Ele segurou a porta e olhou para trás. — Boa noite, Rosa. E... cuide bem do meu traidorzinho, por favor. Fiquei parada na cozinha por alguns segundos após ele sair, olhando para Nicolau, que agora tinha a cara mais inocente do mundo enquanto se encolhia aos meus pés. — Parece que você arrumou uma casa temporária, Nicolau. — murmurei, me abaixando e acariciando sua cabeça. Do lado de fora, ouvi o som distante da chuva diminuindo. Algo em mim sabia que aquele encontro era apenas o começo de algo inesperado. Nesse dia, eu realmente não tinha ideia do tipo de homem que estava me envolvendo.Rosalyne Estava deitada no sofá, sendo acompanhada por Nicolau que se aconchegou em meus braços, e assistia a minha série predileta. Eu ria baixo pelo horário e a televisão também estava com pouco volume, o suficiente para que somente eu escutasse. Nicolau roncava mais alto que a televisão. Vez ou outra, o observava enquanto ele dorme, parecendo mais um trator em miniatura, mas ainda assim tão fofo. Conforme ficava mais tarde, comecei a ficar sonolenta também e percebi que quase adormeci. Porém, quando um trovão ecoou pela janela, um frio gelado percorreu minha espinha ao notar uma silhueta tomada pela escuridão. Eu não estava mais sozinha. Havia alguém lá fora, observando o meu apartamento. Olhei para Nicolau, que agora estava acordado, latindo freneticamente. O barulho de seus latidos misturava-se ao som distante da chuva. Afim de observar minuciosamente as intenções daquela pessoa, me mantive quieta, sem fazer sequer um movimento brusco. E então, escutei batidas na porta. Fique
Rosalyne De todas as coisas, essa seria a última que eu iria cogitar. Eu cheguei até a pensar que ele era um policial, investigador ou parte de uma agência secreta. Estava completamente errada e bastante surpresa. Mafioso. Cesare é um mafioso? — Ficou sem palavras, não é? — ele disse ao observar o meu estado. Olhando para Cesare, sua aparência era realmente imponente. Eu estava realmente sem palavras. Agora fazia sentido a maneira como "inimigos" para ele soava tão natural. — Eu realmente fui pega de surpresa. — confessei, ainda o observando atentamente. — Mafioso... — repeti, pensativa. — Talvez fosse melhor eu não ter revelado? Balancei a cabeça negativamente. Na verdade, aprecio que ele não teve rodeios quanto a isso ou mentiu. — Por mais surpreendente que seja... você ainda não é um dentista. — comentei e ele riu levemente. — Mas, se você quiser correr, meu apartamento está disponível para isso. Eu só não indicaria você ir lá fora agora. — Tem pessoas que traba
Rosalyne Um trovejo alto foi escutado e eu estremeci no sofá. Cesare se levantou e puxou a cortina para cobrir a janela. O olhei agradecida e ele apenas assentiu em resposta. Acabei por bocejar e o cansaço do meu corpo me atingiu em cheio. Cesare notou isso e deu um pequeno sorriso.— Você parece bastante sonolenta. Irei preparar o quarto ao lado do meu para você. — disse e eu assenti.Enquanto o observei desaparecer pelo corredor, me encostei no sofá, passando a pensar sobre a nossa conversa. De certa forma, hoje conheci um pouco mais sobre ele. Um pouco mais sobre Nicolau. Em como nossos mundos parecem tão opostos. Era curioso e instigante. E o fato de que eu não poderia sair daqui hoje: caso contrário, estaria correndo um perigo que sequer posso imaginar. Pois, se tratanto do mundo dos mafiosos, o pior era sempre esperado se tratando de inimizades. Sem perceber, comecei a pescar ali mesmo no sofá. Era muita coisa para pensar e o sofá era tão confortável e tão quentinho que não p
A sala era ampla, com teto abobadado e janelas altas que deixavam entrar a luz pálida do entardecer. Os móveis de madeira escura e os estofados de veludo denso conferiam um ar austero ao ambiente. O som firme das botas de couro ecoava pelas paredes enquanto um homem de figura imponente atravessava o espaço. Seus ombros largos e postura ereta transmitiam autoridade, mas havia algo na rigidez de seu semblante que sugeria preocupação. Ao aproximar-se da mesa central, seus olhos — atentos, quase predatórios — notaram um envelope repousando sobre o tampo polido. Ele hesitou por um instante, os dedos robustos pairando no ar, antes de pegar a carta. O papel estava levemente amassado, como se alguém o tivesse manuseado repetidamente. Com movimentos lentos, ele rompeu o lacre e desdobrou a folha. A caligrafia era delicada, familiar. Seu rosto, que até então permanecera estoico, começou a mudar à medida que lia as palavras. A mandíbula apertou-se; as sobrancelhas franziram. Então, inespe