Como era possível sentir um vazio tão grande no peito?
Dentro de mim, tudo se encontrava oco, escuro e sem um pingo de emoção. Cinco meses pareciam não serem suficientes para fazer a dor passar, e mesmo assim eu estava tentando lutar contra ela, diferente de tudo o que as pessoas pensavam. Porque sim, eu sabia que pensavam, sondavam e diziam que eu estava prestes a morrer. Não era verdade. Eu estava destruída, mas não me mataria. Não indo contra cada vontade de Carter. Ele queria que eu fosse feliz de alguma forma, e hora ou outra acho que conseguiria fazer isso. Mas, no momento, precisava apenas me manter distante do mundo. Com os olhos focados na tela da televisão, ouvi o apito do alarme tocar e rapidamente peguei o controle para mudar a função e visualizar as imagens das câmeras. Uma caminhonete preta toda envelopada passou pela ponte de madeira há menos de dois minutos, e eu queria não ter reconhecido ela, mas sabia muito bem que enfim o idiota tinha me encontrado. Caralho, como eu odiava Logan! Ele, melhor do que ninguém, sabia que era um erro estar indo atrás de mim, e mesmo assim lá estava o homem, estacionando na frente da casa velha, descendo com uma mochila nas mãos e uma lanterna na outra. Que maravilha! Me mexi sobre o sofá com uma preguiça enorme e capturei a pistola que estava sobre a mesinha de centro. Lentamente a apontei para a porta, e aguardei. Se fosse realmente necessário, eu estava disposta a atirar. Ouvi a madeira da varanda rangendo, os passos pesados de Logan o denunciavam de longe, e então, quando sem nem bater ele abriu a porta, cerrou os olhos em minha direção ao ver a arma na minha mão. — Sério? — Se apoiou no batente, cruzando os braços. — Dê meia volta e suma daqui! — Ou então vai enfiar uma bala na cabeça de um fuzileiro? Você deve estar mesmo querendo achar problemas, não é? Torci o nariz e dei de ombros. — Não fui eu quem viajou mais de quatrocentos quilômetros para chegar até aqui, ou seja, não sou eu quem está procurando alguma coisa. Sem pedir permissão, o homem entrou, seu corpo alto e largo tomando meu espaço, e sua tranquilidade me mostrando que ele jamais se sentiria ameaçado por mim. Coitado... Se soubesse como meu dedo estava coçando para apertar aquele gatilho. Pra não cometer tal erro, voltei a depositar a pistola sobre a mesinha. — Você costumava ser irresponsável com muita frequência, mas desaparecer do radar até do seu superior? É bem idiota da sua parte. Bem idiota quando ele se sente responsável por você. — Jogou a mochila no chão da sala e se aproximou. — Se sentir responsável por mim não me faz ser uma adolescente que precisa de cuidados… Eu sei que ele deve ter feito a coisa mais clichê do mundo, e sei que você não vai poder cumprir com uma promessa. — Ele quem? O Carter? — Arqueou uma sobrancelha, me olhando de cima. — Acha que ele me fez prometer? — Você não estaria aqui agora se não tivesse prometido que cuidaria de mim. É a cara dele. Pedir para o melhor amigo me fazer ficar segura, como se eu precisasse de uma merda dessas. Ainda sentada com as pernas esticadas no estofado e cobertas por um edredom quentinho, permaneci sem fazer menção de me levantar. Eu deveria, para expulsar Logan, mas estava com preguiça. — Eu vou deduzir que você nem banho tomou nesses últimos dias, então sim, você precisa de cuidados. E quando estiver limpa e arrumada, vou te levar para casa. — Que casa, Logan? — Interessada, cruzei os braços. — A que você deixou destruída. A mesma que você e o Carter compraram juntos. Aquela que vocês escolheram a dedo para poder criar crianças futuramente. — E que agora vai ser completamente inútil porque não vai existir criança alguma! Me lembrando do porquê de odiar o homem, arranquei o edredom das minhas pernas e tirei a bunda do sofá, ignorando o fato de estar com um short minúsculo que não cobria nem metade das minhas coxas. — E você acredita piamente que ele não queria que você seguisse a sua vida, Kalid? Acha mesmo que ele ia amar te ver nesse estado caótico? — Me seguiu até a cozinha e parou, olhando assustado para a mesa quando notou a quantidade de garrafas de bebidas alcoólicas que havia sobre ela. — Faz só cinco meses. Só cinco. Eu preciso de mais tempo! — Apoie as mãos na pia e deixei a cabeça tombar para frente. — Você está bêbada nesse exato momento? — questionou, preocupado. Olhei por cima do ombro, notando que ele ainda sentia algum tipo de medo. — Não. O uísque acabou hoje de manhã e estava sem vontade de ir até a cidade para buscar mais... Que sorte a sua, não? — Sem conseguir esconder um sorriso debochado, me virei para ficar de frente para ele. — Vá tomar um banho, Kalid. Só… vá para a porra de um banho. Quando o sol nascer vou te levar para casa. — Essa é a minha casa, Logan — pontuei, rude. — Essa é a casa que te traz lembranças ruins. É por isso que quer estar aqui, porque quer se sabotar. Porque quer sentir a dor. — Não! — Balancei a cabeça de um lado para o outro. — Essa aqui é a casa que mais me faz não pensar nele. Porque foi aqui, nesta casa, que eu cometi merdas capazes de me causar lembranças que anulam as dele. E eu nunca vou me esquecer de como é estar sem o Carter, mas se eu posso escolher, escolho não pensar. São cinco meses, e parece pouco, mas eu já estou cansada de sofrer. Eu só… só quero que isso acabe. O homem suspirou pesado e umedeceu os lábios. Os olhos escuros se fixaram em meu rosto e senti uma agonia enorme ao ver a barba de Logan toda bagunçada. Minha vontade foi de enfiar os dedos nela e a arrumar, porém, eu não podia me aproximar. Não podia arriscar chegar perto. — Então vai querer ficar aqui? — É o único lugar que eu tenho. — Mesmo quando seus colegas estão preocupados e querem te estender a mão? — É o único lugar que eu tenho — reforcei. — Tudo bem! Então ficaremos nós dois aqui. Vamos ver quanto tempo você vai aguentar ter a porra da minha presença, pode ser? Balançando a cabeça freneticamente em um "não", comecei a caminhar para longe dele. — Você não vai ficar aqui! De jeito nenhum! Não vai! Quando Logan percebeu que eu estava prestes a pegar minha pistola que continuava na mesa de centro, o idiota me agarrou pela cintura e me puxou para longe da sala. — Não ouse, Kalid! Ou vou ter que dar um jeito de te repreender como se fosse a adolescente rebelde que diz não ser. Parando perto da escada que dava para o andar de cima, praticamente me jogou no chão e me encurralou contra o corrimão. Mas que desgraçado! — Vou quebrar essa sua cara se me fizer passar raiva, Logan! — ameaçei. — E eu vou te estapear se não ficar quieta e me obedecer... É o que você quer? Está desejando receber umas palmadas, Kali? O quê? Que filho da puta! Porra. — Quero que você vá para a puta que te pariu! — O empurrei com as duas mãos e, sem ficar para debater mais, corri para o meu quarto e me tranquei lá. Sabia que uma hora teria que enfrentar Logan, mas ainda era cedo demais. Era muito cedo para ter que lidar com uma situação como aquela. E eu tinha certeza, ele não ia facilitar, assim como nunca facilitou.• PASSADO • A quinta dose de vodka desceu pela minha garganta assim que perdi mais uma rodada. Fiz careta e revirei os olhos para Kalid. Aquela diaba sempre achava alguma brecha para me fazer beber. Ela sempre tinha uma pergunta bem elaborada ou uma informação que acabava com a minha reputação em segundos. Se bem que, minha reputação não era lá tão grande coisa. — Eu nunca transei com mais de duas pessoas que estão aqui nessa roda — Michael, ex namorado de Kalid, argumentou de propósito para atingi-la. Sim, eu amei, mas também pude ver a fúria de Carter aparecendo de repente. — Vocês homens podem contar vantagem por isso, não é? — Fechou a cara para ele mas não abaixou a cabeça. — Então eu também posso. Transei sim com mais de dois, até mais de três, e posso dizer que você foi o mais decepcionante. O alvoroço de zombaria surgiu de imediato e eu acabei rindo. Kalid e mais algumas pessoas beberam as doses de vodka e, dessa vez, pelo menos dessa vez, não tive que fazer iss
Até que número eu deveria contar para me manter paciente? Dez bilhões seria suficiente? Não... Não com Logan na minha casa, invadindo os meus dias. — Não tem porra nenhuma na geladeira. Você está há quantos dias sem se alimentar direito? Parei olhando para o céu ensolarado e até cheguei a pensar na pergunta. Talvez três, ou quatro dias. Não me recordava muito bem. — Estou saudável, pode ter certeza. — Eu te ouvi dizendo isso quando a gente era mais novo, até que um dia o Carter precisou te levar às pressas para o hospital porque estava desnutrida. Soltei a fumaça do cigarro pela boca e olhei de soslaio para Logan. Ele odiava cigarros. Odiava com todas as suas forças, e era exatamente por isso que eu estava fumando na varanda logo pela manhã. Provocar o homem sempre seria o meu hobby preferido. — Você ainda se lembra de muita coisa, não? — Me lembro de você chutando o meu saco, me lembro de que você espalhou pra todo mundo a mentira de que perdi a virgindade com outr
• PASSADO • As pessoas corriam apressadas quase trombando umas nas outras, me fazendo rir ainda mais. Chamaram a polícia, e agora o som alto tinha cessado, as garotas não mais dançavam alegres, e os jovens que tinham um alto teor de substâncias ilícitas em suas veias tentavam passar pelos policiais sem serem notados. Eu avisei, mas ninguém quis me escutar. — Se eu descobrir quem foi o filho da puta, juro que vou arrancar o pau! Olhei para Michael e tentei não mostrar os meus dentes enquanto ria de sua decepção. Julgava que, no meio das pernas do responsável por aquilo, não havia pênis algum, e sim uma boceta da qual ele já havia provado, como sempre gostava de proclamar. Tinha sido ela, com certeza tinha. Não deixar que Kalid fosse para sua festa de aniversário foi um tiro no pé, agora o garoto teria que lidar com as consequências dessa tamanha desfeita com sua ex. — Eu tenho a leve impressão de que, se ela te mandar ficar de quatro, você fica — provoquei, e logo após beb
Mas que saco! Eram só nove horas da manhã e eu já estava tendo que ingerir umas duas mil calorias apenas para agradar o senhor certinho, que insistia em dizer que eu tinha perdido peso. E se tivesse mesmo? Era normal. Logan sabia que era normal. Ele sabia muitíssimo bem como era normal.— Odeio ovos no café da manhã! — Revirei o alimento no prato, e fiz careta. Era mentira, eu amava comer ovos, mas para infernizar Logan eu falaria qualquer coisa. — Há, no mundo, alguma coisa que você não odeie? Sério, existe algo que você ame, ou que você adore? Porque às vezes eu penso que você mesma se odeia, então, repito a minha pergunta… Há alguma coisa que você não odeie?Deixei minha postura suavizar e recostei no estofado macio da poltrona. É, eu odiava bastante coisa, mas muitas outras se salvavam desse meu sentimento, com certeza. — Amo marshmallow assado. O homem umedeceu os lábios e sorriu com cinismo.— Mas o que tem pra você comer agora é um café da manhã saudável, então, por favo
Eu não gostava de Kalid Clarkson, mas não gostava ainda mais de quem tinha a coragem de tentar fazer ela passar raiva além de mim. Maggie e Michael foram uma pequena parte de um pesadelo. Se ousassem retornar para arruinar a mulher de alguma forma, iam acabar conhecendo um lado meu que não costumava mostrar com frequência. — Uísque não vai te ajudar com a dor — pontuei, vendo ela servir mais um copo generoso de bebida. — Sua voz no meu ouvido também não vai. — Tem certeza disso? — sussurrei de propósito, bem perto de seu rosto.Kalid fez menção de se virar, mas permaneceu parada de frente para a pia da cozinha. Seus olhos, no entanto, me devoravam com ferocidade. Sabia que se ela pudesse, enfiaria um tapa em minha cara. — A forma como você pede por um tapa é bem interessante.Não falei?Sorri me afastando e acabei caminhando até a porta da frente, olhando para o lago próximo que refletia a luz do sol enquanto alguns patos pairavam pela superfície da água. — Vai voltar comigo, o
[8 anos antes] Quando cheguei no quarto após trombar com Logan no corredor, avistei Maggie e Carter juntos, mais especificamente, fodendo no chão.Foi isso que deixou Logan Baker com a cabeça soltando fumaça. A garota estava de quatro. Tinha o vestido levantado até a cintura e um dos seios estava para o lado de fora. Não havia sinal algum de calcinha, o que significava que ela não estava usando uma em momento algum da nossa festinha. Carter, que investia contra ela, de joelhos sobre o tapete, me viu parada na porta e sorriu safado.— Achei que você não ia vir, amor. Ele umedeceu os lábios cheios sem deixar de se movimentar, e a loira me olhou com tesão, deixando de apoiar uma das mãos no chão para me chamar com o indicador.— Vem, Kali! Eu deveria ir. Deveria me juntar a eles e fazer aquilo também, mas não encontrar o colar estava me deixando extremamente inquieta, então apenas sorri sem graça para os dois. — Esqueci de apagar as luzes! Já volto.Ouvi o resmungo deles, mas bat
Não tinha como negar que muitas vezes me senti culpado por coisas que fiz com ela. Nós éramos cruéis um com o outro, mas quem sofria mais sempre era ela, por mais que não mostrasse isso a ninguém, nem mesmo ao Carter.Só que, eu tinha uma mãe presente e super amorosa, tinha irmãos legais, e tinha uma ótima educação. Kalid, no entanto, tinha um homem que a visitava uma vez na semana para saber como ela estava, e que levava algumas coisas para tentar agradar a garota, mas nada mudava o fato de que vivia sozinha. Nada. Cheguei a me encontrar encantado com a coragem dela de viver na casa do lago, sem uma segurança real - além da arma que tinha -, e sem se preocupar com as diversas possibilidades de coisas horríveis que poderiam acontecer com uma garota desacompanhada. Ela parecia gostar de correr esse risco. — Ainda pensa nele? Kalid não se assustou com a minha voz. Sentada na beirada do lago, com um graveto na mão, ela continuou mexendo nas pedrinhas com tranquilidade. — Você nã
[8 anos antes]Maldito garoto curioso! Logan nunca estava satisfeito em entrar na minha vida de enxerido. Para completar sua invasão, além de roubar meu colar há umas duas semanas, tinha também ligado para Carter a fim de contar o estado em que me encontrou durante a noite. Caída. Na varanda de casa. Sozinha… Queimada. E daí que eu tinha me machucado? Qual a porra do problema? Por que ele fingia se preocupar, quando na verdade ninguém se importava de verdade? Me abaixei na beirada do lago e juntei as mãos formando uma concha para pegar a água e jogar contra meu rosto. Respirei fundo, tentando despertar e não pensar em mil formas de matar Logan Baker estraçalhado. Nada foi capaz de amenizar a raiva. Carter estava voltando para casa e eu ainda teria que me justificar quando ele visse meu braço. — Aí está você! Me assustei com a voz rouca e de imediato deixei a postura ereta, buscando pelo filho da mãe.Logan estava bravo. Seus olhos repletos de lágrimas diziam que aquele ne