A manhã começou mais agitada do que o normal. Eu cheguei cedo à empresa, com os olhos ainda pesados de sono e o coração acelerado por motivos que nada tinham a ver com trabalho — e tudo a ver com a ligação picante de Richard na noite anterior. Suspirei e sacudi a cabeça, tentando afastar os pensamentos indevidos. Não era hora pra isso. Hoje seria a reunião com o grupo de São Paulo e, como braço direito de Enzo, eu precisava estar focada e impecável.Às 7h25 eu já estava na sala de reuniões, com o tablet em mãos, os arquivos abertos e a mente tentando se manter no modo profissional. Quando Enzo entrou, pontual como sempre, seu olhar se encontrou com o meu por um segundo, e eu senti aquele frio bobo na barriga. Ele vestia um terno cinza escuro, a gravata ligeiramente desalinhada — como se tivesse saído às pressas — e aquele perfume amadeirado que me fazia perder a linha.— Bom dia — ele disse, simples, mas com um sorriso de canto que só ele sabia dar.— Bom dia — respondi, mantendo o to
Enzo AlbuquerqueO som do teclado preenchia a sala ampla, mesclado ao zumbido do ar-condicionado e ao vaivém constante de funcionários. Mesmo com toda aquela movimentação, eu estava desconectado. Minha mente vagava desde que Ana Luiza saiu da sala dizendo que precisava resolver uma coisa. Sua expressão estava tensa, o tom da voz carregado de urgência, e ela nem esperou minha resposta quando perguntei se precisava de ajuda. Só vi a porta se fechando atrás dela, e desde então, não consegui me concentrar em mais nada.Apoiei os cotovelos na mesa e pressionei as têmporas. Meu olhar se perdeu na tela do computador, mas os números e gráficos já não faziam sentido algum. Peguei o celular mais uma vez. Nenhuma mensagem. Nenhuma ligação.— Que cara é essa, irmão? — a voz de Rafaela me trouxe de volta à realidade.Ela apareceu do nada na minha sala, como sempre fazia em meu apartamento. Encostou-se à porta, cruzando os braços, com aquele olhar curioso típico dela.— A AnaLu recebeu uma ligação
Ana Luiza Martinelli Eu não lembrava de ter corrido tanto na vida. Meus pés pareciam flutuar pelo chão frio do hospital enquanto mantinha Nando firme nos meus braços. Ele estava mais calmo, mas o susto ainda latejava no meu peito. Ver meu filho desmaiar sem aviso não era algo que eu esperava, muito menos em um dia que começou tão comum quanto qualquer outro.A recepcionista já nos aguardava, graças à ligação da escola, e não demorou para que um médico viesse nos atender. Sentada ao lado da maca onde Nando estava deitado, acariciei seus cabelos castanhos, tentando manter o controle enquanto ele olhava ao redor, curioso com tudo.— Vai ficar tudo bem, meu amor — sussurrei, beijando sua testa.O doutor entrou pouco depois, gentil, um senhor de meia idade com olhar experiente. Fez alguns exames rápidos, conversou conosco e, depois de uma coleta de sangue, pediu que aguardássemos. Eu tentava manter a mente longe das possibilidades ruins, mas era difícil. Nando sempre foi ativo, saudável,
Afundei no sofá da sala com um suspiro longo, o tipo que a gente solta quando o corpo está em casa, mas a cabeça continua no hospital. Os últimos acontecimentos ainda pesavam na minha mente. Nando estava dormindo, e graças a Deus estava mais tranquilo, mas minha alma... ah, essa estava em frangalhos.O sofá parecia mais acolhedor do que nunca. Envolvi-me com a manta que mamãe sempre deixava jogada por ali, um cheirinho familiar de lavanda e amaciante que me trouxe um certo conforto. Cruzei os braços sobre o peito e fechei os olhos por um instante, apenas sentindo o silêncio da casa, quebrado apenas pelos passos leves da minha mãe na cozinha.— O que foi, minha filha? — ouvi a voz dela se aproximando.Abri os olhos devagar e olhei para ela, que vinha com uma xícara de chá fumegante nas mãos. Sentei-me um pouco mais ereta e aceitei o chá com um leve sorriso.— Cadê o Gabby? — perguntei, levando a xícara aos lábios.— Já foi pra casa dele — respondeu, sentando-se na poltrona ao lado com
O dia seguinte começou como qualquer outro. O despertador tocou cedo demais, e me arrastei para fora da cama com o corpo pesado, mas a cabeça mais leve do que nos últimos dias. Conversar com minha mãe na noite anterior tinha me ajudado mais do que imaginava. Ainda sentia um aperto no coração, claro, mas agora havia uma centelha de decisão dentro de mim. Eu sabia que precisava encarar o passado em algum momento. E talvez esse momento estivesse mais perto do que eu queria admitir.Me arrumei com capricho, vestindo uma calça de alfaiataria preta e uma camisa branca de seda. Prendi o cabelo em um coque baixo, coloquei um leve batom nude e finalizei com um perfume suave. Quando me olhei no espelho, vi uma mulher determinada. Por dentro, a bagunça ainda estava lá, mas por fora, eu parecia pronta para enfrentar o mundo.Cheguei na empresa antes do horário, como de costume. Entrei pela recepção e caminhei com passos firmes até o elevador. Assim que as portas se abriram no andar da diretoria,
— Então... é verdade? — ela perguntou, baixinho. — Ele é filho do Enzo?Fechei os olhos por um instante e assenti.— Sim. O Nando é filho do Enzo.Ela levou as mãos ao rosto, chocada. Seus olhos se encheram de lágrimas, e por um momento ela não conseguiu dizer nada. Depois, encarou o menino mais uma vez e soltou um riso nervoso.— Ele é a cara do meu irmão! Não tem como negar, Ana. Ele vai surtar quando souber disso!— Rafa, por favor... — pedi, pegando a mão dela. — Não conta nada para ele. Por favor. Me ouve antes.Ela ficou me olhando por alguns segundos antes de assentir devagar.— Tudo bem. Mas você precisa me explicar tudo.Respirei fundo, sentindo o peso de todos aqueles anos prestes a explodir. As palavras vieram em ondas.— Quando descobri que estava grávida, fiquei em choque. Não sabia o que fazer, mas decidi que criaria meu filho, com ou sem o Enzo. Mas antes que eu pudesse contar a ele, a mãe de vocês apareceu na minha casa.Rafaela franziu o cenho.— Minha mãe?Assenti.—
Depois de algum tempo observando Nando brincar, Rafaela olhou o relógio e suspirou.— Eu preciso ir, Ana. Mas... obrigada por confiar em mim. De verdade.— Obrigada por me ouvir. Por não me julgar. — respondi, abraçando-a.Ela me apertou com força, como se quisesse me passar coragem através do gesto.— A gente se fala, tá? E... qualquer coisa, estou aqui.Assenti, com o coração aquecido por tê-la de volta na minha vida. Assim que ela se afastou, chamei Nando:— Filho, vamos embora? Já está ficando tarde.Ele veio correndo, com as bochechas coradas e os cabelos bagunçados.— Tá bom, mamãe!Entramos no carro e, assim que liguei o motor, procurei uma música animada para deixar o clima leve. Logo, a batida contagiante de uma música que ele adorava começou a tocar.— Mamãe, é aquela que a gente dança!— É essa mesmo, Nandinho! Vamos cantar?E começamos a cantar alto, desafinados e felizes. Ele ria das caretas que eu fazia, e eu me perdia na alegria simples do momento. Era nessas horas que
Fátima Maria Martinelli A noite estava quente, mas havia uma brisa gostosa no ar, daquelas que a gente sente e sabe que vai viver algo diferente. Estava cansada da rotina e, confesso, da sensação constante de que tudo girava em torno dos meus filhos e neto. Não que eu não os ame com todas as minhas forças, mas havia momentos em que a mulher dentro de mim pedia para respirar.Foi por isso que saí. Coloquei um vestido bonito, um salto que não usava havia tempos, passei um perfume daqueles que me fazem sentir poderosa e fui até um bar que eu costumava frequentar com meu falecido marido. Era um lugar discreto, de música baixa e luz suave. Ideal para um drinque e uma boa conversa.Sentei-me ao balcão, pedi um mojito e fiquei observando o ambiente. O bar estava relativamente vazio, e isso me agradou. Eu queria espaço para pensar, para sentir. Dei um gole na bebida, saboreando a mistura refrescante de hortelã e rum, e deixei que minha mente vagasse por lembranças antigas. Meu coração se aqu