O dia seguinte começou como qualquer outro. O despertador tocou cedo demais, e me arrastei para fora da cama com o corpo pesado, mas a cabeça mais leve do que nos últimos dias. Conversar com minha mãe na noite anterior tinha me ajudado mais do que imaginava. Ainda sentia um aperto no coração, claro, mas agora havia uma centelha de decisão dentro de mim. Eu sabia que precisava encarar o passado em algum momento. E talvez esse momento estivesse mais perto do que eu queria admitir.Me arrumei com capricho, vestindo uma calça de alfaiataria preta e uma camisa branca de seda. Prendi o cabelo em um coque baixo, coloquei um leve batom nude e finalizei com um perfume suave. Quando me olhei no espelho, vi uma mulher determinada. Por dentro, a bagunça ainda estava lá, mas por fora, eu parecia pronta para enfrentar o mundo.Cheguei na empresa antes do horário, como de costume. Entrei pela recepção e caminhei com passos firmes até o elevador. Assim que as portas se abriram no andar da diretoria,
— Então... é verdade? — ela perguntou, baixinho. — Ele é filho do Enzo?Fechei os olhos por um instante e assenti.— Sim. O Nando é filho do Enzo.Ela levou as mãos ao rosto, chocada. Seus olhos se encheram de lágrimas, e por um momento ela não conseguiu dizer nada. Depois, encarou o menino mais uma vez e soltou um riso nervoso.— Ele é a cara do meu irmão! Não tem como negar, Ana. Ele vai surtar quando souber disso!— Rafa, por favor... — pedi, pegando a mão dela. — Não conta nada para ele. Por favor. Me ouve antes.Ela ficou me olhando por alguns segundos antes de assentir devagar.— Tudo bem. Mas você precisa me explicar tudo.Respirei fundo, sentindo o peso de todos aqueles anos prestes a explodir. As palavras vieram em ondas.— Quando descobri que estava grávida, fiquei em choque. Não sabia o que fazer, mas decidi que criaria meu filho, com ou sem o Enzo. Mas antes que eu pudesse contar a ele, a mãe de vocês apareceu na minha casa.Rafaela franziu o cenho.— Minha mãe?Assenti.—
Depois de algum tempo observando Nando brincar, Rafaela olhou o relógio e suspirou.— Eu preciso ir, Ana. Mas... obrigada por confiar em mim. De verdade.— Obrigada por me ouvir. Por não me julgar. — respondi, abraçando-a.Ela me apertou com força, como se quisesse me passar coragem através do gesto.— A gente se fala, tá? E... qualquer coisa, estou aqui.Assenti, com o coração aquecido por tê-la de volta na minha vida. Assim que ela se afastou, chamei Nando:— Filho, vamos embora? Já está ficando tarde.Ele veio correndo, com as bochechas coradas e os cabelos bagunçados.— Tá bom, mamãe!Entramos no carro e, assim que liguei o motor, procurei uma música animada para deixar o clima leve. Logo, a batida contagiante de uma música que ele adorava começou a tocar.— Mamãe, é aquela que a gente dança!— É essa mesmo, Nandinho! Vamos cantar?E começamos a cantar alto, desafinados e felizes. Ele ria das caretas que eu fazia, e eu me perdia na alegria simples do momento. Era nessas horas que
Fátima Maria Martinelli A noite estava quente, mas havia uma brisa gostosa no ar, daquelas que a gente sente e sabe que vai viver algo diferente. Estava cansada da rotina e, confesso, da sensação constante de que tudo girava em torno dos meus filhos e neto. Não que eu não os ame com todas as minhas forças, mas havia momentos em que a mulher dentro de mim pedia para respirar.Foi por isso que saí. Coloquei um vestido bonito, um salto que não usava havia tempos, passei um perfume daqueles que me fazem sentir poderosa e fui até um bar que eu costumava frequentar com meu falecido marido. Era um lugar discreto, de música baixa e luz suave. Ideal para um drinque e uma boa conversa.Sentei-me ao balcão, pedi um mojito e fiquei observando o ambiente. O bar estava relativamente vazio, e isso me agradou. Eu queria espaço para pensar, para sentir. Dei um gole na bebida, saboreando a mistura refrescante de hortelã e rum, e deixei que minha mente vagasse por lembranças antigas. Meu coração se aqu
Ana Luiza MartinelliA manhã já estava bem avançada quando Rafaela entrou na sala com a sutileza de um furacão.— Ex-cunhadinhaaa! — ela entrou gritando.Estava concentrada em uma planilha e nem tinha percebido a aproximação até sentir o perfume doce invadir a sala.— Fala baixo, Rafa!Mas era Rafaela. E, quando se tratava dela, a discrição era uma palavra que simplesmente não existia em seu vocabulário.— Ai, desculpa — ela disse, abaixando ligeiramente a voz, mas com aquele sorriso enorme no rosto. — Eu só vim trazer isso aqui — e colocou um embrulho colorido em cima da minha mesa. — Um presentinho para o meu sobrinho favorito!Olhei o embrulho com carinho, já imaginando que ela tinha exagerado como sempre. Com Rafa, tudo era em tamanho família. Peguei o presente e dei uma olhada rápida. A embalagem era linda, cheia de estrelinhas e com uma fita azul-marinho impecavelmente amarrada.— Rafa, você não precisava… — comecei a dizer.— Eu *quero*! — ela me interrompeu, colocando a mão na
O mundo pareceu desaparecer por alguns segundos.Quando nos separamos, ambos ofegantes, me afastei de súbito, levando os dedos aos lábios.— Isso... isso não deveria ter acontecido — falei, tentando controlar a respiração.— Mas aconteceu — ele respondeu, com a voz rouca. — E você sabe tão bem quanto eu que esse sentimento ainda tá aqui. Vivo.— Isso não muda nada, Enzo — respondi, com os olhos marejados. — Um beijo não apaga tudo que você fez. Não conserta o que foi quebrado.Ele assentiu lentamente, dando um passo para trás.— Eu sei. Mas também não dá pra fingir que não existe mais nada entre nós.Ficamos em silêncio por um momento, até que ele se virou em direção à porta.— Quando estiver pronta pra conversar me procure. Fechei os olhos por um instante depois que ele saiu, tentando organizar os pensamentos e controlar a enxurrada de sentimentos contraditórios que me invadiam. Meu coração estava acelerado, minha mente girava, e tudo o que eu queria naquele momento era fugir para q
No dia seguinte, na hora do almoço, Rafaela apareceu pontualmente e me arrastou para fora da minha sala, sem me dar tempo nem de protestar. Enquanto caminhávamos pelo corredor, seu irmão passou por nós e lançou um olhar em sua direção — aquele típico olhar de “não faz merda”.— Viu a cara do meu irmão? — Rafa perguntou, divertida.— Claro que vi. Ele sempre fica preocupado quando você anda comigo — respondi, rindo.— Sim! Ele vivia dizendo pra eu não tentar te envenenar e te levar pro “caminho do mal”.Nós duas caímos na gargalhada. Era impossível estar com a Rafa e não rir. Ela tinha esse dom de transformar qualquer momento em algo leve e divertido.Chegamos a um restaurante elegante — um daqueles caros que eu jamais entraria por conta própria. Claro que foi escolha dela. Fizemos nossos pedidos e logo engatamos uma conversa animada sobre tudo e nada ao mesmo tempo.De repente, no meio de uma frase, Rafa pegou o celular, olhou a tela e soltou um gritinho agudo, chamando a atenção de m
Eu ainda não sei como isso aconteceu. Sério. Um dia eu estava atolada de trabalho, limpando nariz escorrendo de criança gripada… e agora? Agora estava de mochila nas costas, mala de rodinhas em punho e passaporte na mão, prestes a embarcar para o Caribe.Sim. O. Caribe.Tinha até vontade de rir quando repetia isso na minha cabeça. Mas o mais surreal mesmo era o fato de estar acompanhada das duas criaturas mais animadas e escandalosas que já pisaram nesse planeta: Rafaela e Beatriz.— Meninas, vocês têm certeza que a gente não esqueceu nada? — perguntei pela décima vez, olhando ao redor como uma mãe desesperada que perdeu o filho no shopping.— Ana, pelo amor de Deus! — Beatriz resmungou, revirando os olhos. — Eu conferi as passagens, o hotel, o transfer e até se as calcinhas estavam combinando com os sutiãs. TÁ TUDO CERTO!— E eu revisei os documentos três vezes, além de já ter avisado até o porteiro do meu prédio que a gente ia viajar — completou Rafa, com aquele tom exagerado que só