Afundei no sofá da sala com um suspiro longo, o tipo que a gente solta quando o corpo está em casa, mas a cabeça continua no hospital. Os últimos acontecimentos ainda pesavam na minha mente. Nando estava dormindo, e graças a Deus estava mais tranquilo, mas minha alma... ah, essa estava em frangalhos.O sofá parecia mais acolhedor do que nunca. Envolvi-me com a manta que mamãe sempre deixava jogada por ali, um cheirinho familiar de lavanda e amaciante que me trouxe um certo conforto. Cruzei os braços sobre o peito e fechei os olhos por um instante, apenas sentindo o silêncio da casa, quebrado apenas pelos passos leves da minha mãe na cozinha.— O que foi, minha filha? — ouvi a voz dela se aproximando.Abri os olhos devagar e olhei para ela, que vinha com uma xícara de chá fumegante nas mãos. Sentei-me um pouco mais ereta e aceitei o chá com um leve sorriso.— Cadê o Gabby? — perguntei, levando a xícara aos lábios.— Já foi pra casa dele — respondeu, sentando-se na poltrona ao lado com
O dia seguinte começou como qualquer outro. O despertador tocou cedo demais, e me arrastei para fora da cama com o corpo pesado, mas a cabeça mais leve do que nos últimos dias. Conversar com minha mãe na noite anterior tinha me ajudado mais do que imaginava. Ainda sentia um aperto no coração, claro, mas agora havia uma centelha de decisão dentro de mim. Eu sabia que precisava encarar o passado em algum momento. E talvez esse momento estivesse mais perto do que eu queria admitir.Me arrumei com capricho, vestindo uma calça de alfaiataria preta e uma camisa branca de seda. Prendi o cabelo em um coque baixo, coloquei um leve batom nude e finalizei com um perfume suave. Quando me olhei no espelho, vi uma mulher determinada. Por dentro, a bagunça ainda estava lá, mas por fora, eu parecia pronta para enfrentar o mundo.Cheguei na empresa antes do horário, como de costume. Entrei pela recepção e caminhei com passos firmes até o elevador. Assim que as portas se abriram no andar da diretoria,
— Então... é verdade? — ela perguntou, baixinho. — Ele é filho do Enzo?Fechei os olhos por um instante e assenti.— Sim. O Nando é filho do Enzo.Ela levou as mãos ao rosto, chocada. Seus olhos se encheram de lágrimas, e por um momento ela não conseguiu dizer nada. Depois, encarou o menino mais uma vez e soltou um riso nervoso.— Ele é a cara do meu irmão! Não tem como negar, Ana. Ele vai surtar quando souber disso!— Rafa, por favor... — pedi, pegando a mão dela. — Não conta nada para ele. Por favor. Me ouve antes.Ela ficou me olhando por alguns segundos antes de assentir devagar.— Tudo bem. Mas você precisa me explicar tudo.Respirei fundo, sentindo o peso de todos aqueles anos prestes a explodir. As palavras vieram em ondas.— Quando descobri que estava grávida, fiquei em choque. Não sabia o que fazer, mas decidi que criaria meu filho, com ou sem o Enzo. Mas antes que eu pudesse contar a ele, a mãe de vocês apareceu na minha casa.Rafaela franziu o cenho.— Minha mãe?Assenti.—
Depois de algum tempo observando Nando brincar, Rafaela olhou o relógio e suspirou.— Eu preciso ir, Ana. Mas... obrigada por confiar em mim. De verdade.— Obrigada por me ouvir. Por não me julgar. — respondi, abraçando-a.Ela me apertou com força, como se quisesse me passar coragem através do gesto.— A gente se fala, tá? E... qualquer coisa, estou aqui.Assenti, com o coração aquecido por tê-la de volta na minha vida. Assim que ela se afastou, chamei Nando:— Filho, vamos embora? Já está ficando tarde.Ele veio correndo, com as bochechas coradas e os cabelos bagunçados.— Tá bom, mamãe!Entramos no carro e, assim que liguei o motor, procurei uma música animada para deixar o clima leve. Logo, a batida contagiante de uma música que ele adorava começou a tocar.— Mamãe, é aquela que a gente dança!— É essa mesmo, Nandinho! Vamos cantar?E começamos a cantar alto, desafinados e felizes. Ele ria das caretas que eu fazia, e eu me perdia na alegria simples do momento. Era nessas horas que
Fátima Maria Martinelli A noite estava quente, mas havia uma brisa gostosa no ar, daquelas que a gente sente e sabe que vai viver algo diferente. Estava cansada da rotina e, confesso, da sensação constante de que tudo girava em torno dos meus filhos e neto. Não que eu não os ame com todas as minhas forças, mas havia momentos em que a mulher dentro de mim pedia para respirar.Foi por isso que saí. Coloquei um vestido bonito, um salto que não usava havia tempos, passei um perfume daqueles que me fazem sentir poderosa e fui até um bar que eu costumava frequentar com meu falecido marido. Era um lugar discreto, de música baixa e luz suave. Ideal para um drinque e uma boa conversa.Sentei-me ao balcão, pedi um mojito e fiquei observando o ambiente. O bar estava relativamente vazio, e isso me agradou. Eu queria espaço para pensar, para sentir. Dei um gole na bebida, saboreando a mistura refrescante de hortelã e rum, e deixei que minha mente vagasse por lembranças antigas. Meu coração se aqu
Ana Luiza MartinelliA manhã já estava bem avançada quando Rafaela entrou na sala com a sutileza de um furacão.— Ex-cunhadinhaaa! — ela entrou gritando.Estava concentrada em uma planilha e nem tinha percebido a aproximação até sentir o perfume doce invadir a sala.— Fala baixo, Rafa!Mas era Rafaela. E, quando se tratava dela, a discrição era uma palavra que simplesmente não existia em seu vocabulário.— Ai, desculpa — ela disse, abaixando ligeiramente a voz, mas com aquele sorriso enorme no rosto. — Eu só vim trazer isso aqui — e colocou um embrulho colorido em cima da minha mesa. — Um presentinho para o meu sobrinho favorito!Olhei o embrulho com carinho, já imaginando que ela tinha exagerado como sempre. Com Rafa, tudo era em tamanho família. Peguei o presente e dei uma olhada rápida. A embalagem era linda, cheia de estrelinhas e com uma fita azul-marinho impecavelmente amarrada.— Rafa, você não precisava… — comecei a dizer.— Eu *quero*! — ela me interrompeu, colocando a mão na
O mundo pareceu desaparecer por alguns segundos.Quando nos separamos, ambos ofegantes, me afastei de súbito, levando os dedos aos lábios.— Isso... isso não deveria ter acontecido — falei, tentando controlar a respiração.— Mas aconteceu — ele respondeu, com a voz rouca. — E você sabe tão bem quanto eu que esse sentimento ainda tá aqui. Vivo.— Isso não muda nada, Enzo — respondi, com os olhos marejados. — Um beijo não apaga tudo que você fez. Não conserta o que foi quebrado.Ele assentiu lentamente, dando um passo para trás.— Eu sei. Mas também não dá pra fingir que não existe mais nada entre nós.Ficamos em silêncio por um momento, até que ele se virou em direção à porta.— Quando estiver pronta pra conversar me procure. Fechei os olhos por um instante depois que ele saiu, tentando organizar os pensamentos e controlar a enxurrada de sentimentos contraditórios que me invadiam. Meu coração estava acelerado, minha mente girava, e tudo o que eu queria naquele momento era fugir para q
No dia seguinte, na hora do almoço, Rafaela apareceu pontualmente e me arrastou para fora da minha sala, sem me dar tempo nem de protestar. Enquanto caminhávamos pelo corredor, seu irmão passou por nós e lançou um olhar em sua direção — aquele típico olhar de “não faz merda”.— Viu a cara do meu irmão? — Rafa perguntou, divertida.— Claro que vi. Ele sempre fica preocupado quando você anda comigo — respondi, rindo.— Sim! Ele vivia dizendo pra eu não tentar te envenenar e te levar pro “caminho do mal”.Nós duas caímos na gargalhada. Era impossível estar com a Rafa e não rir. Ela tinha esse dom de transformar qualquer momento em algo leve e divertido.Chegamos a um restaurante elegante — um daqueles caros que eu jamais entraria por conta própria. Claro que foi escolha dela. Fizemos nossos pedidos e logo engatamos uma conversa animada sobre tudo e nada ao mesmo tempo.De repente, no meio de uma frase, Rafa pegou o celular, olhou a tela e soltou um gritinho agudo, chamando a atenção de m