Fernanda Mendonça:O hospital está mais movimentado do que o normal essa tarde, as vozes altas e até algumas animadas, e eu me pergunto se é apenas a rotina caótica de sempre ou se sou eu quem está com a paciência mais curta.Cruzo o corredor em direção à cantina, absorvida demais nos meus próprios pensamentos vagando entre a alegria por Pietro ter agido como agiu, e também angustia.Não posso negar o quão tocada e feliz estou, por ele ainda me olhar como alguém importante. Mas, eu não queria que as pessoas soubessem que éramos tão próximos, ou já fomos tão próximos, não queria que tivessem mais munição contra mim.— Ei, Nanda! — paro de andar reconhecendo atrás de mim.Viro o rosto e encontro Tiago caminhando em minha direção, apesar do sorriso, sua feição parece um tanto exausto.— Oi, Ti! — sorrio, ao menos a companhia dele não me estressa. Ele finalmente me alcança. — Como estão as coisas na sua ala?Ele solta um suspiro dramático, coisa rara de vê-lo fazendo, já que está sempre d
Pietro Castellane:As portas do meu escritório se abrem com violência, batendo contra a parede com um estrondo que ecoa pela sala como um trovão. O som é tão abrupto que faz com que eu levante os olhos da pilha de papéis sobre minha mesa, as mãos pousando instintivamente sobre a superfície da madeira polida.— Senhor, já disse que não pode entrar! — A voz de Emilie ecoa alterada, quase desesperada, enquanto ela tenta, em vão, impedir o avanço do intruso. — Saia por educação antes que eu chame os seguranças!Mas o homem a ignora completamente. Ele é alto, imponente, vestindo um terno preto impecável que parece ter sido cortado sob medida para destacar sua postura dominante. Seus passos são firmes, calculados, como se estivesse desfilando em um território que já considerava seu. O olhar gelado que ele lança para Emilie é suficiente para fazê-la tremer, e ela recua, os olhos arregalados, como se tivesse sido confrontada por uma força maior do que ela poderia suportar.— Saia do meu camin
Pietro Castellane:Num rompante, levanto da cadeira e minhas mãos agarram o colarinho do terno de Miguel, com uma velocidade que eu nem sabia que tinha, puxando-o para cima, o forçando a se inclinar sobre a mesa. Ele não resiste, apenas me encara com aqueles olhos escuros e vazios, como se estivesse me estudando.— Não ouse tocar num fio de cabelo de nenhum dos dois, desgraçado! — Minha voz é baixa, mas cada palavra é carregada de uma ameaça que ecoa pela sala.Ele não reage como um homem normal reagiria ao ser atacado. Nem um traço de perturbação passa por sua feição. Em vez disso, ele sorri. Um sorriso pequeno, quase imperceptível, como se já tivesse previsto minha explosão e estivesse tudo sob seu controle.Por uma fração de instante, vejo em seus olhos — escuros como carvão — um lampejo de brilho dourado atravessa-o, cintilando no fundo de suas íris. Um frio percorre na minha espinha e pisco, mas ao voltar a olhar, nada além do breu.Foi a minha imaginação?— O que diabos…?— Você
Pietro Castellane:Eu me levanto tão rápido que a cadeira quase tomba para trás. Meus olhos percorrem o corpo inteiro de Fernanda num piscar de olhos, num pânico silencioso, vasculhando cada centímetro de pele exposta, cada fio de cabelo desalinhado, procurando por qualquer sinal de violência, como hematomas, arranhões, algo que justifique o pavor que ainda me corrói por dentro.Minhas mãos agarram seu rosto com uma urgência que faz seus olhos se arregalarem em surpresa, mas não me importo. Preciso ter certeza.Meus polegares traçam linhas invisíveis ao longo de suas maçãs, seu queixo, o canto de seus olhos, suas orelhas...— Você está bem? — Minha voz sai mais áspera do que eu pretendia. — Tocaram em você?Ela não responde de imediato.— Eles tocaram em você? — Insisto, sentindo um peso frio se alojar no meu peito quando ela não responde imediatamente.Meu coração parece parar. O sangue congela, e por um instante, sinto como se a realidade estivesse a ponto de desmoronar, o ar desapa
Fernanda Mendonça:A vista da cidade daqui de cima é surreal.O sol poente pinta a cidade de tons dourados e alaranjados, e eu me perco por um momento admirando o espetáculo através janela do escritório de Pietro. O horizonte parece engolir o céu, as luzes dos prédios começando a acender como pequenas estrelas terrestres. Como se a cidade estivesse respirando, tão viva e brilhante... e completamente alheia ao caos que se esconde nessa sala.A sala só não está tão silenciosa por conta dos meus pensamentos, o ar aqui dentro está mais denso do que em qualquer outro lugar desse hospital. Talvez porque esteja impregnado por ele — por sua presença constante, seu perfume amadeirado.Pouso a mão sobre a janela que ocupa toda a parede, os raios de sol deixando o vidro quentinho. A cidade está em movimento, mas olhando para cima, está tudo quieto, distante. O sol já começa a descer no horizonte, tingindo tudo com suas cores quentes, as nuvens têm contornos dourados, e por um segundo, noto que e
Pietro Castellane:Não bato.Não aviso.Ignoro os empregados que tentam me abordar.— Você sabia?! — Minha voz explode no cômodo antes mesmo da minha entrada. Bato a porta contra a parede com um estrondo que faz os cristais dos lustres tilintarem.No meses, apenas poucos noves se passaram desde que estive nessa casa pela última vez, para anunciar a gravidez tão esperada de Marina. Na época, eu estava feliz pela felicidade de minha falecida esposa por finalmente realizar o sonho de ter seu próprio filho, então não deixei que as magoas do passado atrapalhassem o momento. Contudo, agora tudo o que sinto ao atravessar a porta dessa casa é uma mistura sufocante de raiva, incredulidade e um ultimo respingo de esperança que ao menos minha mãe não fizesse parte disso.— Boa tarde para você também, Pietro — diz sem me olhar, erguendo a mão com o controle e desligando a televisão com um clique, então pousa a xicara de café na mesa de centro ao lado de sua cadeira de rodas com uma calma irritant
Pietro Castellane:— E isso dá a vocês o direito de jogar minha vida no colo de um agiota de terno? — Rebato, meu maxilar travado.— As coisas no hospital ficaram críticas, Pietro — continua, após segundos de silencio entre nós. — Os vícios de seu pai atingiram valores que só poderíamos pagar se vendêssemos parte da rede, contudo, estávamos sendo roubados, e o valor do hospital despencou de uma forma que jamais pesávamos ser possível.Franzo o cenho, não compreendo suas falas.— Estávamos sendo roubados, os lucros eram adulterados e os verdadeiros sequer estavam sendo um terço do que deveriam, quando encontramos o culpado, ele disse que não tinha como devolver o dinheiro e quando formos da uma lição no ladrão, Miguel apareceu e quem recebeu a lição foi o seu pai, ficou todo quebrado, pela primeira vez eu realmente senti medo de um homem. Precisávamos de uma solução, rápida.— Então foram até Adélia — teorizo, as mãos cerradas. — Me venderam como se eu fosse um ativo sem importância de
Fernanda Mendonça:Nando: “Não envolva a Laura nisso!”Leio a mensagem do meu irmão, enquanto entro no elevador do hospital. Ontem ele fugiu, se recusando a me contar qualquer coisa.Fernanda: “Então me conte, que lista de mulher é essa? Qual o propósito?”Nando: “Isso não é segredo meu para lhe contar”Reviro os olhos e bufo.Fernanda: “Vamos ver se Laura vai pensar assim quando eu contar a ela que você tá selecionado mulheres.”Guardo o celular, e saio do elevador.— Oie, Emile — a cumprimento, pausando os braços sobre o balcão. — Pietro já chegou?— Nanda! — A pequena senhora levanta os olhos do computador, e sorrir, mas logo franze o cenho, os óculos descendo um pouco no nariz enquanto me olha com os olhos semicerrados. — Não deveria estar na faculdade, menina?Dou um sorriso nervoso, desviando o olhar por um instante. Meus dedos se entrelaçam, ansiosos, sob o balcão.— Sim... deveria, mas... eu preciso falar com o Pietro… é… um assunto urgente.Emile arqueia um sobrancelha, mordo