Chase

A reunião com o sr. O'Donnell não tinha nem começado e eu já achava que iria destruir Alan Patrick, o Sr. Coceira Persistente. O cara estava do meu lado, e enfiou " discretamente" a mão dentro da  cueca, ajeitou o Alan Junior e retirou, levando-a até o nariz. Franzi o cenho, enojado e ele olhou para mim, dando de ombros. 

Tive que trocar de terno antes de vir, porque minha secretária atrapalhada derramou café em mim. Mas então, o sr. Sheppard me chamou para a sua sala logo depois que mandei Adele ir lavar o paletó. 

O sr. Sheppard havia marcado no Perfetto, um restaurante italiano perto do prédio da agência. Como ninguém de lá poderia saber do nosso envolvimento e das campanhas das quais trabalhamos fora da agência, não avisamos nada a nossas secretárias. As campanhas, apresentações e tudo o que envolve a competição para a vaga de diretor de marketing ocupa muito tempo e dedicação, dessa forma, Conrad saberia o quão responsáveis e comprometidos somos. 

— Muito bem — o sr. Sheppard apareceu, passou pela porta e olhou na nossa direção, segurando uma pasta preta. O sr. O'Donnell apareceu logo em seguida, e Alan levantou, oferecendo um sorriso gigantesco ( vi até os dentes podres). — Vamos começar. 

Eu levantei, elegantemente, como um homem de negócios cheio de si sabe se levantar, e dei um passo à frente, ajeitando o terno. Alan ficou um passo para trás, alisando o paletó vermelho sangue. 

Onde é que ele compra essas roupas bizarras? 

— Sr. O'Donnell! — Chamei, entendendo a mão. — Ouvi muito falar sobre o senhor. — Ele olhou para mim e apertou minha mão. A palma da sua mão estava suada, e tive que usar toda a minha força de vontade para não fazer uma careta. — Seja bem-vindo para a Shaffer & Sheppard. 

Alan entendeu a mão para ele, o homem o comprimentou. Tive que segurar um sorriso. 

— Já que estamos todos aqui — Conrad disse, contornando a mesa e se sentando na cadeira da ponta. — Vamos começar de uma vez, sem perder tempo. — Ele verificou o relógio, levantando uma sobrancelha. 

A reunião com o sr. O'Donnell havia sido adiada por quase um mês, mas ao que tudo indicava, o homem estava desesperado. Sua empresa estava falindo, e acreditava que uma boa dose de criatividade poderia resolver o problema. 

Ele sentou-se à mesa, na cadeira à frente da minha. Vestia um paletó preto, com gravata preta e um lenço melado pulando para fora do bolso. Ele aparentava ter quase setenta anos; calvo, barrigudo e com olhos gritantes, do tipo que só se encontra em desenhos animados. Seus óculos fundo de garrafa fazia com que o triplo do tamanho do olho fosse visto, de modo que ficassem sempre alerta. Alan cobriu a boca, fingindo tossir para que nenhum deles notasse o sorriso seco que deixou escapar, mas quando olhou para mim, percebi os cantos dos olhos franzidos, indicando que estava achando engraçado. 

— Como vocês dois sabem, o sr. O'Donnell deseja que sua marca se reinvente por completo, desde o logo até o slogan — Conrad informou, abrindo a pasta que colocou sobre a mesa. Tirou de lá algumas imagens que eu fiz para a campanha da TwikyPikles, a marca do sr. O'Donnell. — Reinvenção, inovação, criatividade e simplicidade. — Ele disse, voltando os papéis para o homem. 

Alan se remexeu na cadeira, ajeitando a gravata. 

Do outro lado do restaurante, vi alguém se apressar, um vulto azul e amarelo. Dei de ombros. Voltei a atenção para o sr. O'Donnell, que folheou atentamente cada página da apresentação. 

Costumávamos apresentar as ideias num local menos movimentado e mais aconchegante, de modo que captasse toda a atenção do cliente, mas o sr. O'Donnell insistiu para que fosse nesse restaurante. O garçom se aproximou e eu peguei o cardápio. Caminhei com os olhos pelos pratos disponíveis, mas dei de ombros e decretei que não queria nada. Alan imitou-me e ficou calado. Em toda a apresentação, o sr. O'Donnell emitiu sim, hesitou, concordou e disse não. Uma hora depois, meus dedos tamborilavam o tampo da mesa, inquietos. 

Conrad guardou os papéis da apresentação dentro da pasta. O sr. O'Donnell ficou calado por alguns minutos e pediu a conta. Eu estava ansioso. Sentia o coração pulando dentro do peito, mas saber que provavelmente poderia perder para Alan me deixava irritado. 

Eu trouxe a conta do sr. O'Donnell.  Eu quem merecia a chance. Depois de mais cochichos no ouvido do sr. Sheppard, os dois viraram para nós e disseram qual das apresentações mais gostaram. O sr. O'Donnell gostou da minha, e entre palpites e recortes, chegamos a um acordo; já o sr. Sheppard, que sempre compartilhava opiniões com os clientes, gostou das ideias de Alan. 

Em nenhum momento abrimos a boca. O sr. Sheppard iria conduzir tudo. Eu e Alan tínhamos direitos iguais, mas mesmo assim me sentia injustiçado de algum jeito, porque eu não poderia expressar o quão boa minhas ideias eram. 

Resolveram, então, que minha apresentação havia ganhado. 

— Obrigado, sr. O'Donnell — agradeci, estendendo o braço e recebendo um aperto de mão forte e firme. — Espero responder às suas expectativas e que possamos trabalhar juntos. 

Alan revirou os olhos do meu lado e logo depois bocejou. 

Eu sorri e cutuquei-o com o cotovelo. Ele gritou um sonoro "ai" e olhou com cara feia para mim. 

Conrad e o sr. O'Donnell se levantaram, eu e Alan também. Nos despedimos e vi o homem  ir embora, se arrastando nas pernas curtas e grossas. O sr. Sheppard piscou os olhos. 

— Parabéns, Chase — ele disse. — Você perdeu a rodada. 

Arregalei os olhos. 

Não entendi. 

Ele se virou, acenou com a cabeça e Alan me deu um tapinha nas costas. 

O sorriso no meu rosto se fechou. 

Eu corri até o sr. Sheppard, que andava apressado. 

— Sr. Sheppard… eu não entendi. — Ele não olhou para mim, e eu continuei andando ao seu lado. — Eu ganhei a conta. 

— Não importa a conta, Chase. Importa o cliente. Pessoas influentes exalam influência. Não importa o quanto a conta poderia nos oferecer, importava o que o cliente poderia nos oferecer. — Ele parou e me encarou, colocando a mão em meu ombro. — Você tem que saber quem é o cliente certo, porque se não, ele pode ser errado para você. 

Eu fiquei parado, o encarando. Ele se afastou e desapareceu. Alan veio até mim, parou do meu lado e sorriu. 

— Acho que eu ganhei dessa vez. 

Olhei para ele e mostrei o dedo do meio. 

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