Chase

Comecei a me afastar de Kathryn aos poucos, e Deus… aquilo foi doloroso. Nossas ideias, desejos e encontros se tornaram cada vez mais escassos. Eu mal a via ultimamente. Por isso, ela marcava, todos as quartas, o almoço. Era a única oportunidade de nos vermos, de ter uma conversa decente, mas a cada almoço, nos perdíamos mais. Nunca fomos inseparáveis, mas isso não significava que não nos importássemos um com o outro. E agora, nos confrontamos quase sempre. 

— É mesmo — concordou. — Mas não é culpa sua. Eu decidi que… — ela respirou profundamente e olhou para mim. — Que vou tentar fazer inseminação artificial. O Paul ainda não sabe, mas… — seus olhos se encheram de dor, e ela continuou: — eu cansei. Eu não aguento mais. É como se tudo estivesse contra mim, e carregar esse peso… eu não aguento mais, Chase. — Beijei seu cabelo, apertando o abraço. 

— Eu tô aqui — eu sussurrei. — Eu sempre vou estar do seu lado, por mais que o Sr. Babaca Arrogante me impeça. — Garanti. Ela sorriu, e meu coração foi preenchido por um calor que pensava não poder sentir mais. 

Eu resistia à ideia de ser mais presente em sua vida, porque não entendia como poderia confrontar Paul e ajudá-la a separar todos os problemas que aconteciam de uma só vez. Ela me apoiava sempre em todas as minhas decisões, mas havia só uma delas que discordava: o papai. Ela insistia que ele não iria acordar do coma, e eu, por minha vez, insistia que iria. Eu não o amava como um filho deveria, mas não o odiava como um inimigo. Nossa inimizade se deve por acontecimentos, escolhas mal feitas e tropeços, mas ele realmente merecia aquilo? Estar condenado a ter a vida nas mãos de alguém? O homem mais poderoso que já conheci à mercê das vontades alheias. Os médicos diziam que só um milagre poderia fazê-lo acordar, e tanto eu quanto Kathryn não acreditamos nisto — talvez por que nosso pai nos fez enxergar que isso era tolice —, mas eu tenho fé, por mais fraca que seja, que algum dia, isso irá acontecer, nem que seja para um adeus. 

Mal podia acreditar que faziam quatro anos que ele estava ali. 

Há quatro anos eu vivo despedaçado. 

Há quatro anos, aprendi a interpretar um personagem, porque ser eu mesmo dói demais. 

Há quatro anos, me odeio por ser quem sou. 

— Eu queria que tudo fosse mais simples. — Ela disse, se afastando. Abraçou o próprio corpo e andou até os pés da cama. — Você nunca está por perto quando eu preciso. Sempre está correndo de um lugar para outro por causa desse emprego idiota. — Ela virou e olhou para mim. — Está ficando igual a ele. 

Que ironia. O filho adotado vira uma cópia do pai, que na verdade não chega nem perto disso. 

— Eu preciso disso — eu disse, desviando os olhos do papai para ela. — É a única coisa que me impede de enlouquecer. 

— Não. É a única coisa que impede você de viver. Olha para você — ela apontou para mim, o olhar descendo por meu corpo. Senti vergonha, de repente. — Você se afoga nesse trabalho como se existisse apenas isso. Você ignora todo o resto, porque não sabe mais viver sem isso, e explica para si mesmo que se não tiver isso, vai ser fraco. Mas a verdade é que você abandonou a si mesmo. Eu sinto falta do meu irmão, Chase. Não desse projeto de cara metido e petulante. — Ela cravou seus olhos em mim, e quando abri a boca, percebi que minha língua ficou imóvel. Ela tinha razão. — O Chase que eu conheci era gentil, educado, companheiro… esse é um covarde, egoísta e arrogante. Você finge ser uma coisa, mas está na cara que não é. — Ela se aproximou e pegou minha mão, a testa franzida. Eu a encarei, notando o azul claro de seu olho faíscando. — Eu não sei quanto tempo mais vou ter que viver sem você e o papai. E eu entendo que seja difícil, porque você o amava mais do que tudo, mas também não entendo como pôde mudar tanto. — Seus olhos estavam cheios de decepção, e isso me atingiu como um soco no estômago. Eu segurei suas mãos. 

— Eu sou culpado por isso — olhei para suas mãos entrelaçadas às minhas e sorri. — Sou culpado por fazer você acreditar que está sozinha, mas quer saber de uma coisa? Eu também não entendo. Não entendo como fiquei assim… é difícil, sim, mas eu não o amo mais. Depois do que ele fez — e levantei o olhar na direção dele. — Eu sinto nojo. Eu sinto, também, que não pertenço a essa família, porque de algum modo, eu a destruí. — Ela levou a mão até meu rosto e roçou minha barba. Eu inclinei a cabeça para o lado e recebi o carinho. 

— Não é. Não é o culpado, Chase. — Lágrimas brotaram nos seus olhos. Ela me abraçou e eu apoiei o queixo no topo de sua cabeça. Ela apertou-me com força. — Ninguém é. 

Fechei os olhos. 

O peso imposto sobre meus olhos parecia me afundar numa areia movediça. Todas as vezes que eu tentava me mexer, ela me engolia mais, até que eu simplesmente decidi que seria melhor ser engolido, do que lutar em vão. 

— Eu te amo, maninho — ela murmurou contra o meu peito. 

— Eu também. 

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